Governo traz
novas propostas para RA
A política de reforma agrária adotada
pelo governo do ex-presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso é constantemente bombardeada por críticas,
principalmente no que diz respeito ao passivo. Este método
de análise refere-se à ausência de ações
operacionais do governo como a execução de créditos
e serviço de obras e infra-estrutura durante o processo
de implantação dos assentamentos. Em um relatório
elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), onde consta a realidade
institucional encontrada, em janeiro de 2003, pela atual presidência,
conclui-se que "a existência do passivo nos assentamentos
levou milhares de famílias de trabalhadores rurais
à pobreza". Em entrevista à revista ComCiência o ministro
do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, diz que
a reforma agrária foi fundamentalmente desrespeitosa
com os trabalhadores da agricultura. "A maioria dessas terras
sequer estava demarcada e não oferecia aos agricultores
as mínimas condições de produzirem nem
mesmo para a própria sobrevivência". Para ele,
uma reforma agrária justa para a sociedade brasileira
deve oferecer condições necessárias para que
os agricultores produzam e gerem riquezas, contribuindo para o
desenvolvimento do país.
Para a elaboração do relatório,
o Incra consultou a pesquisa A qualidade dos assentamentos da reforma
agrária brasileira, realizada por um grupo de pesquisadores
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP)
com apoio do Incra, Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e Food And Agriculture Organization of the United
Nations (FAO). Gerd Spavorek, coordenador da pesquisa,
explica que a reforma agrária realizada pode ser analisada
sob dois pontos de vista. A partir do primeiro ponto de vista,
quantitativo, pode-se considerar que o governo FHC realizou
a maior reforma agrária do Brasil, utilizando como indicadores
a área reformada, o número de famílias
assentadas ou a oferta de créditos específicos
(instalação, Pronaf-A, habitação).
Apesar da falta de coerência entre os números
referentes à quantidade de famílias assentadas
fornecidos pelo governo, o número é o maior
já realizado na história do mundo. O Incra informa que o total de famílias
assentadas nas cinco regiões brasileiras é 635
mil.
Um outro documento, também do Incra, totaliza
524.380 famílias assentadas. Numa análise ampliada
- em que não se considera apenas o número de
famílias assentadas, mas são incluídos valores como
a qualidade de vida dos assentados, os benefícios coletivos
alcançados, a inserção dos assentamentos
na realidade regional e a qualidade ambiental nos projetos
de assentamento - Spavorek afirma: "nesse caso, surgirão
duas diferenças relevantes na análise: os métodos
meramente quantitativos e estatísticos não são
mais os melhores instrumentos de avaliação;
e há muito menos que comemorar em relação
às conclusões".
Brasil
- Famílias assentadas até 10/09/2002
Região |
Período
1964-1994 |
Incra |
PERÍODO
1995 A 10 DE SETEMBRO DE 2002 |
Banco
da Terra(*) |
PCPR(*) |
Total
de Beneficiários
(INCRA+BT+PCPR) |
Norte |
135.138 |
219.087 |
492 |
|
219.579 |
Nordeste |
41.444 |
191.319 |
15.191 |
3.694 |
210.204 |
Centro-Oeste |
26.196 |
105.549 |
7.653 |
|
113.202 |
Sudeste |
7.914 |
29.083 |
9.038 |
|
38.121 |
Sul |
7.842 |
34.695 |
19.234 |
|
53.929 |
Brasil |
218.534 |
579.733 |
51.608 |
3.694 |
635.035 |
(*)
Refere-se a créditos já liberados em atendimento aos
beneficiários.
O segundo ponto de vista, diz respeito aos aspectos
qualitativos da reforma agrária realizada. Percebe-se
que os maiores problemas são de infra-estrutura, já
que mais de 80% das famílias assentadas não
receberam serviços como eletrificação
rural e estradas. Segundo dados fornecidos pela assessoria de imprensa
do Incra, em 2001, de um total de 73.754 famílias assentadas,
pouco mais de 8 mil foram atendidas com instalação
de rede elétrica e apenas 7.337 atendidas com construção
de estradas.
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Fonte: Assessoria de comunicação
do Incra. |
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Fonte: Assessoria de comunicação
do Incra. |
A análise dos aspectos quantitativos, no entanto, é
importante, pois dimensiona a ação do governo.
O presidente do Incra, Marcelo Resende, explica que não
pretende seguir as mesmas diretrizes do governo anterior.
"No nosso governo vamos priorizar a recuperação
dos assentamentos já existentes e assentar as famílias
acampadas". Segundo Resende, o Incra está realizando
o cadastramento de todas as famílias acampadas no país.
"O número de 60 mil famílias acampadas foi o
primeiro número levantado pela equipe de transição,
mas os últimos meses, os movimentos sociais apresentaram
outros números", explica Resende. Como forma de atuação,
o Incra pretende seguir duas diretrizes que considera fundamentais
para, a partir delas, se efetivarem outras ações.
"Queremos assentar as famílias que hoje estão
acampadas e vamos recuperar os assentamentos, buscando a equivalência
entre quantidade e qualidade", diz. Para que a herança
recebida do governo anterior, ou seja, a quantidade de assentamentos,
se torne profícua, o Incra pretende operar um novo
modelo de obtenção de terras, acelerando, assim,
o processo de reforma agrária. "Isso significa a retomada
dos lotes irregularmente ocupados; um acordo junto aos bancos
públicos para que tenhamos acesso às áreas
devedoras do banco do governo e ampliar nosso estoque de empréstimos;
e convênios com os estados para retomarmos as terras
devolutas", explica Resende. O novo modelo de assentamento,
idealizado pelo Incra, visa um melhor aproveitamento espacial
da área. Para isso é necessário que a
questão ambiental e social funcionem como um conjunto indissociável.
Resende pretende criar políticas que induzam à
cooperação e o uso da terra de forma coletiva.
Um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera) da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), de Presidente Prudente, constatou
em abril deste ano, que atualmente 56.376 famílias
estão acampadas em 506 ocupações a espera
de uma ação favorável do governo. As
informações são enviadas por pesquisadores
de graduação e pós-graduação
que desenvolvem trabalho de campo nos acampamentos de todas as regiões
brasileiras. Posteriormente, essas informações
são armazenadas e disponibilizadas em um banco de dados.
O Ministro do MDA diz que o governo tem como meta
assentar todas as famílias acampadas hoje no país.
Mas também é prioridade, como ficou decidido
no Segundo Encontro Nacional dos Superintendentes do Incra,
em maio, a recuperação de assentamentos já
existentes, sobretudo os que carecem de infra-estrutura, como
assistência técnica e créditos para a produção.
O objetivo é possibilitar que cada assentamento seja
uma unidade produtiva e importante para o desenvolvimento
do país. "Para atingir esse objetivo, foram desapropriadas
cerca de 240 mil hectares de terras este ano, totalizando
68 imóveis em 18 estados", informa Rossetto. Além
da desapropriação via Títulos da Dívida
Agrária (TDAs), o governo espera obter terras de áreas
públicas e devolutas para a reforma agrária,
além de áreas dadas a bancos como garantia de
financiamentos não pagos. Rossetto informa que o Governo
Federal e a Justiça de São Paulo firmaram recentemente
um acordo para a solução de terras devolutas
no Pontal do Paranapanema. Há processos envolvendo
102 mil hectares de terras devolutas no estado, a maioria
localizada na região do Pontal.
Considerado que o campo é um espaço de geração
de renda e emprego e fundamental no desenvolvimento social e econômico
do país, o MDA pretende disponibilizar maior volume de aceso
ao crédito agrícola, pois no governo passado o crédito
apoio atingiu apenas 58,7% das famílias assentadas e o crédito
habitação 42,8%.
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Fonte: Assessoria de comunicação
do Incra. |
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Fonte: Assessoria de comunicação
do Incra. |
Ampliar as ações de assistência técnica e
eletrificação rural e infra-estrutura, além
de políticas públicas como saúde e educação
também são prioridades, afirma Rossetto. A agricultura
familiar receberá um aumento de 145% no montante de recursos,
ou seja, R$ 5,4 bilhões para a safra 2003/2004, contra 2,2
bilhões da última safra. Rossetto diz que os recursos
serão liberados a partir de julho através do Plano
Safra. "Pela primeira vez na história da agricultura do Brasil
os agricultores vão plantar com segurança, pois terão
seguro agrícola. Uma das principais ações do
Programa Conviver, o Seguro Safra, garantirá uma renda mínima
- a fundo perdido - de até 475 reais aos produtores que perderem
a partir de 50% da safra de milho, arroz, feijão, mandioca
e algodão em razão da seca", informa o ministro.
Os agricultores beneficiados pelo Conviver serão
integrados ao programa de compras públicas do governo
federal, que já dispõe de R$ 400 milhões,
numa parceria entre o MDA, Ministério da Segurança
Alimentar e Combate à Fome (Mesa) e Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab). Em caso de perda da safra, os agricultores
terão renda garantida pelo Seguro-Safra. O governo
federal disponibilizou R$ 52,3 milhões para a primeira
edição do benefício, que contará
com a contrapartida de R$ 26,1 milhões dividida entre os
estados, municípios e as famílias que integrarem o
Conviver.
Em junho será lançado um novo programa de crédito
fundiário em substituição ao Banco
da Terra que foi extinto por problemas operacionais. Um problema
que afeta os assentamentos é a redivisão dos lotes.
Quando os jovens atingem a maioridade e começam a constituir
uma família, a terra do pai é dividida para agregar
os novos integrantes. Para que este problema não impacte
a estrutura da reforma agrária, o governo está propondo
uma linha de financiamento especial para que jovens trabalhadores
rurais possam adquirir suas próprias terras. O MDA está
trabalhando também em um Sistema Nacional de Assistência
Técnica para que os pequenos agricultores tenham acesso ao
conhecimento e às novas tecnologias. Outra novidade, informa
Rossetto, é a parceria entre universidades federais e estaduais
na produção de pesquisas locais. "Além disso,
há um conjunto de outras políticas voltadas ao cooperativismo
como o Programa de Apoio Nacional ao Desenvolvimento de Agroindustrialização
da Produção dos Agricultores Familiares, em fase de
discussão", conta.
No entanto, a maior dificuldade em realizar uma
reforma agrária justa e democrática está
no fato de o Brasil ser o país que ostenta a maior
concentração fundiária do mundo. Essa
concentração material é apontada como
a principal geradora de desigualdades sociais. Do total das
propriedades rurais brasileiras, 1% do agricultores, os latifundiários,
possuem 45% da área agricultável do país,
com propriedades de mais de 1000 hectares. Rossetto explica
que fazer reforma agrária no Brasil é estar
sujeito a vários tipos de obstrução -
da lei e a reação do próprio latifúndio.
O processo é longo, desde a busca de uma área
improdutiva, passando pela sua localização,
até o assentamento. "Estamos procurando abreviar esses
ritos por meio de alternativas que acelerem o processo de
reforma agrária, sem perder de vista, é lógico,
a qualidade dos assentamentos". Assim, Rossetto acredita que,
com essas medidas, será possível a produção
de uma maior quantidade de alimentos e o resgate da dignidade
no campo, além da superação da posição
de país subdesenvolvido.
"É preciso romper com a visão de que
a cidade é o espaço da modernidade, do desenvolvimento
e da cidadania e de que o campo é o espaço do
atraso, da decadência e da pouca produção",
afirma Rossetto. O Ministro não acredita na visão
dualista que foi criada no país, de que existem duas
agriculturas, uma exportadora e que utiliza maquinário
de última geração em contrapartida com
uma agricultura pobre que produz pouco. Todos os dados levam
a crer que ambas são muito produtivas e que, nos últimos
anos, a agricultura familiar tem produzido mais, com menos
crédito e com mais qualidade". Para Rossetto, o que
falta para o país é dar o devido valor para
a agricultura familiar. "Estamos convictos de que tendo mais
acesso ao crédito, à assistência técnica
e às condições para comercializar a produção,
a atividade agrícola ocupará cada vez mais espaço
na economia brasileira e esta no mundo".
(AG)
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