Novos mecanismos
visam melhorias para educação fundamental
Duas importantes
discussões sobre a educação básica envolveram
políticos, professores, pesquisadores e representantes da sociedade
civil nos últimos meses. Uma diz respeito à extensão
do período de permanência na escola, na educação
fundamental. A outra se refere à substituição do atual
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e Valorização do Magistério (Fundef) pelo Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização
dos Profissionais em Educação (Fundeb). Ambas mostram os rumos
dados às políticas nacionais de educação fundamental
no Brasil e exemplificam as ações do Estado para garantir à
criança o direito à educação.
O
Sistema Educacional Básico Brasileiro |
Educação
infantil: destinada a crianças de 0 a 6 anos de idade.
Compreende creche e pré-escola |
Ensino
fundamental (1º grau): Abrange a faixa etária de
7 a 14 anos e com duração de 8 anos. É obrigação
do Estado garantir a universalidade da educação neste nível
de ensino |
Ensino
médio (2º grau) e médio profissionalizante:
Duração variável entre 3 e 4 anos |
Fonte: IBGE
No dia 24
de novembro deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei
nº 3.675 de 2004, que amplia a duração do ensino fundamental
de oito para nove anos (veja
notícia). Assim, o ingresso das crianças no ensino fundamental
passa a ser a partir dos seis anos, quando antes era sete. O PL chegou ao
Senado para ser votado no dia 6 de dezembro, mas foi adiada para o dia 7 do
mesmo mês. O motivo foi a existência de itens polêmicos
como o piso nacional de um salário mínimo para o magistério
e o percentual de complementação da União depois de cumpridos
os primeiros quatro anos de vigência do Fundeb. De acordo com informações
publicadas na Agência
Câmara, estados e municípios terão até 2010
para instituir o ensino de nove anos. A ampliação exigirá
modificações nos currículos, na proposta pedagógica,
no material didático e nos recursos. Segundo o secretário de
Educação Básica do MEC, Francisco das Chagas, o fato
de o aluno ingressar um ano antes no ensino fundamental não aumenta
o gasto do estado ou município, pois esse aluno será incluído
no Fundef. Aproximadamente 12 estados e mais de mil municípios já
implementaram os nove anos de ensino fundamental.
“Se
for para aumentar um ano e os problemas de reprovação e de não
aprendizagem persistirem, não adiantará muito. Na verdade, teria
que ser pensada toda a reestruturação da educação
fundamental de modo que o aluno saísse com as habilidades que estão
previstas na LDB [Lei de Diretrizes e Bases]”, analisa a presidente
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE), Juçara Maria Dutra Vieira. Ela acredita que quanto mais tempo
a criança permanecer na escola, tanto melhor, mas ela chama a atenção
para o fato de que essa deve ser uma política abrangente, isto é,
não adianta apenas aumentar um ano sem uma discussão profunda
sobre a estrutura de toda a educação fundamental. A educação
básica é hoje dividida em ensino fundamental e médio,
sendo que a educação fundamental compreende duas faixas, educação
infantil (0 a 6 anos) e educação fundamental (7 a 14 anos),
e a educação média envolve a faixa etária entre
15 e 17 anos.
Vieira assinala
que “o Estado tem a função de garantir o direito fundamental
da educação e da socialização das crianças,
que implica na progressiva universalização da educação
infantil”. Ela ressalta que, através do debate, a sociedade é
quem define os rumos que as políticas públicas de educação
deverão seguir.
A outra proposta
em discussão, a da implementação do Fundeb, tem como
objetivo suprir a falta de recursos para investimentos nos ensinos infantil,
fundamental e médio. Do jeito que está hoje, o Fundef, responde
apenas pelos gastos com ensino fundamental, mas, conforme lembra Vieira, o
problema não é a falta de recursos, mas direcionamento e prioridades
de investimentos. Ela reconhece que o investimento em educação
é alto, mas a sociedade tem que enfrentar o debate sobre esse assunto
e ao poder público cabe o papel de mediador. Vieira diz que o Estado
prioriza outras ações, tais como a isenção de
impostos para a instalação de empresas em determinado lugar,
impostos esses que poderiam gerar recursos para a educação e
outras áreas de interesse social.
De acordo
com o Ministério da Educação (MEC) o Fundeb irá
aumentar os recursos aplicados pela União, pelos estados e pelos municípios
na educação básica pública e melhorar a formação
e o salário dos profissionais da área. Com duração
de 14 anos (2006-2019), o Fundeb atenderá os alunos da educação
infantil, do ensino fundamental e médio e da educação
de jovens e adultos e será implantado de forma gradativa nos quatro
primeiros anos. O objetivo é atender, no quarto ano de vigência,
47,2 milhões de alunos com investimentos públicos anuais de
R$ 50,4 bilhões, dos quais R$ 4,3 bilhões provenientes da União.
Esta complementará os recursos quando, nos estados e no Distrito Federal,
o valor anual por aluno não alcançar o mínimo definido
nacionalmente. No atual Fundef, o Ministério da Educação
investe, em média, R$ 570 milhões/ano para a complementação
do fundo. Com o Fundeb, haverá mais recursos da União para a
educação básica.
José
Marcelino de Rezende Pinto, Consultor da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação e professor da Universidade de São Paulo (USP),
explica que o Fundeb só poderá suprir a falta de recursos para
a educação no Brasil se a União assumir uma participação
mais ativa no fundo e garantir o repasse dos recursos para a aplicação
no ensino. “Hoje o Brasil gasta com recursos públicos cerca de
4% do PIB em educação. Estudos feitos pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) demonstram
que para o atendimento das metas do Plano Nacional de Educação,
esse gasto deveria ser ampliado progressivamente até um patamar de
8% do PIB em 2011, para depois iniciar um processo de queda, estabilizando-se,
em torno de 5,5% do PIB”.
Os dados
do IBGE mostram que o Brasil chegou ao final do século XX com 96,9%
das crianças de 7 a 14 anos de idade na escola. Mas, em relação
às crianças de zero a seis anos, este índice é
bastante inferior. Em 2002 apenas 36,5% das crianças dessa faixa etária
freqüentavam creche ou escola. Se levarmos em conta as crianças
de zero a 3 anos de idade apenas 11,7% estavam matriculadas. Na tabela abaixo
estão as proporções de crianças e jovens que freqüentam
escola, segundo as faixas etárias, para o Brasil e as cinco grandes
regiões. O baixo número de crianças em creches acontece
porque no Fundef a educação infantil não era incluída,
o que não acontecerá com o Fundeb. Sem os investimentos do governo
federal em educação infantil e sem os repasses de verbas para
os municípios, as Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emeis) não
conseguem suprir as demandas. Uma saída foram as creches particulares
que surgiram em todo o país. Depois de muita negociação
entre representantes da sociedade civil, MEC e Ministério da Fazenda,
as creches foram incluídas no Fundeb.
|
Taxa
de freqüência à escola ou creche da população
residente |
Total
|
0
a 6 anos |
7
a 14 anos |
15
a 17 anos |
Brasil |
31,7%
|
36,5%
|
96,9%
|
81,5% |
Nordeste
|
35,5%
|
37,7%
|
95,8%
|
79,9% |
Sudeste |
29,2%
|
38,6%
|
97,8%
|
83,8% |
Sul |
29,3%
|
33,6% |
97,9% |
78,8% |
Centro-Oeste
|
32,5%
|
30,7%
|
97,1%
|
80,3% |
Fonte: IBGE. Síntese
de Indicadores Sociais 2003
A
comissão que analisa a criação do Fundeb fechou, no
dia 29 de novembro, um acordo com o Ministério da Fazenda para a
inclusão das creches no Fundo. Isso significa um salto significativo
no padrão de qualidade de ensino atualmente oferecido. Rezende Pinto
entende que a União deveria aplicar no Fundo o equivalente a 1% do
PIB para as creches. Hoje a União contribui com menos de 3% dos recursos
totais do Fundef, quando, segundo a Lei nº 9424/96, essa participação
deveria ser de cerca de 10% do total. “O débito acumulado nos
últimos anos da União com o Fundo já supera os R$ 20
bilhões. Se um município não cumpre a lei, ela sofre
intervenção; o que acontece quando a União não
cumpre a lei? Quem é responsabilizado?”, questiona.
De acordo
com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério
da Educação (MEC) o governo não reconhece essa dívida.
O diretor do Departamento de Desenvolvimento de Políticas de Financiamento
da Educação Básica do MEC, Paulo Egon Wiederkehr, explica
que o governo federal nunca deixou de repassar o dinheiro para os estados
e municípios e que há diferentes interpretações
sobre os valores da dívida, que estaria sendo acumulada desde 1998.
“Acontece que no Fundef os valores eram repassados com base em um
valor mínimo calculado por aluno. Quando o estado não atingia
esse valor mínimo a União repassava a diferença. Formas
diferentes de interpretação dos valores de repasse geraram
essa discussão. Com o Fundeb, o valor repassado para os estados serão
fixos, assim pretendemos eliminar esses desentendimentos”.
Vagas
com qualidade: um modelo a ser seguido
Outra proposta
de aumento do tempo de permanência da criança na escola se
dá no sentido de ampliar o número de horas do dia e não
ao longo dos anos. Essa era a proposta dos Centros Integrados de Educação
Pública (Cieps), instalados no Rio de Janeiro na década de
90. Foi o primeiro sistema de ensino público que funcionou em período
integral, em contraposição aos sistemas de períodos
da maioria das escolas brasileiras. Inspirados nas escolas de Porto Alegre
(RS), os Cieps são escolas que funcionam como centros de educação
e cultura para as populações da periferia metropolitana do
Rio de Janeiro, constituídos de laboratórios e bibliotecas
e que oferecem atividades de cultura e lazer. Foram construídos 506
Cieps, sendo que alguns perderam sua função original e funcionam
hoje como escolas comuns que dividem o ensino em períodos. Alguns
funcionam como Ginásios Públicos (GPs) onde são oferecidos
cursos para alunos do ensino fundamental e médio e alguns programas
de educação à distância. Outros foram simplesmente
abandonados.
No final
de 2003, foram implementados pela prefeitura de São Paulo os Centros
de Educação Unificados (CEUs), que trouxeram uma nova proposta
para a educação básica, incorporando atividades ligadas
à cultura e ao lazer, em um projeto que recupera o modelo do Cieps
cariocas. Além de priorizar as áreas mais carentes, principalmente
da zona leste e zona sul (veja mapa abaixo), os complexos educacionais incluem
creche, escola de educação infantil, escola de ensino fundamental,
teatros, cinemas e espaços para esporte, como piscinas, quadras e
pista de skate. Essa ação visa transformar o lugar em um ponto
de encontro da comunidade.
O
professor da Faculdade de Educação da USP, Roberto da Silva,
que escreveu o livro Educação com qualidade social: a experiência
do CEU em São Paulo, explica que o projeto proposto segue uma concepção
pedagógica de integração operacional entre diversas
secretarias da prefeitura como educação, cultura, esportes,
assistência social e comunicação social. Ele explica
que os CEUs têm quatro
objetivos específicos que indicam a funcionalidade
de cada centro na comunidade em que foi construído e que estão
associados a uma “operação urbana” com intenção
de melhorar a qualidade de vida das comunidades locais. Os objetivos abrangem
o desenvolvimento integral da criança, do adolescente, do jovem e
do adulto; funciona como um pólo de desenvolvimento da comunidade
e de inovação de experiências educacionais e também
como protagonismo juvenil, ou seja, incluir crianças, adolescentes
e jovens que não estejam matriculados nos CEUs, mas que podem usar
os espaços institucionais para a participação e representação
política.
Notícias
recentes de que o atual prefeito de São Paulo, José Serra,
pretende construir mais cinco unidades não animam o professor da
USP. “Serra deveria construir os outros 24 que a gestão anterior
não fez, pois os terrenos já estavam definidos e com a documentação
em ordem. Tinha-se clareza sobre quais alterações deveriam
ser feitas e o modo de implementação também seria diferente
dos primeiros 21 CEUs. Um CEU sem os quatro objetivos específicos
que motivaram sua construção é apenas um ‘escolão’
como dizem uns ou um ‘clube da periferia’ como dizem outros”,
destaca Silva.
Mas é
possível que a prefeitura, diante dos resultados das avaliações
dos CEUs, amplie o número de centros no município. Os CEUs
funcionam em período integral, inclusive nos finais de semana. Além
das aulas, como em qualquer escola comum, oferecem a programação
de tempo livre para esporte e lazer tendo como público-alvo crianças
e adolescentes das próprias unidades e das escolas adjacentes, com
faixa etária a partir de quatro anos. Os centros também atendem
pessoal da terceira idade, com atividades esportivas e socioculturais. Os
CEUs têm como principio o conceito de praças públicas,
um equipamento público que serve de ponto de encontro para a comunidade.
(AG)