Teoria
unificadora permanece em aberto
Albert Einstein é um nome de consenso
no mundo da ciência. Mas o berço do homem que ficou mundialmente
conhecido foi a física teórica, que visa explicar a natureza
e o mundo sem a preocupação direta de gerar novos processos,
produtos ou aplicações. Suas teorias abriram as portas para
uma nova concepção de natureza, mundo e até do universo,
envolvendo desde a menor partícula subatômica até o movimento
dos astros. O ponto de partida para o reconhecimento mundial de Einstein foram
os três artigos publicados em 1905, nos quais ele defendeu idéias
que não só tiveram grande impacto em diversos campos da ciência
como ainda não eram possíveis de serem comprovadas experimentalmente
com 100% de exatidão. No entanto, o homem já definido como "gênio
do século XX" não
atingiu uma de suas maiores metas: uma teoria que unifique todas as leis da
física, que até hoje mobiliza um grande número de cientistas:
.
Um dos artigos de 1905 diz respeito ao
chamado "efeito fotoelétrico" e apresenta uma teoria que
culminaria com o prêmio Nobel de 1921. O físico alemão
defendeu a idéia que a luz não era uma entidade ondulatória,
mas composta de partículas denominadas fótons. Idéia
revolucionária para a época, segundo o professor Victor Rivelles,
do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP): "Na
época, já se considerava que o elétron, uma das partículas
subatômicas, poderia ser definido como uma onda, mas Einstein propôs
o inverso, de que a luz fosse vista como uma partícula", explica.
A teoria foi amplamente testada e criticada até se chegar no atual
consenso de que a luz tem um comportamento dual, ou seja, se propaga como
uma onda, porém se comporta como partícula quando interage com
a matéria. Mesmo enfrentando a resistência de grandes nomes da
comunidade científica, as idéias de Einstein foram finalmente
aceitas em meados do século XX: "Em 1949, o físico americano
Robert A. Milikan, considerado o primeiro cientista a medir a carga de um
elétron, confessou ter dedicado mais de dez anos de trabalho testando
a equação de Einstein para o efeito fotoelétrico, com
absoluto ceticismo em relação a sua validade", explica
Paulo Freitas Gomes, doutorando do Instituto de Física da Unicamp.
Ao contrário das expectativas de Milikan, os resultados experimentais
confirmaram a teoria, sem qualquer ambigüidade.
Outra idéia audaciosa, lançada
em 1905, foi a explicação do chamado "movimento browniano",
constatado a partir das lentes do microscópio do cientista Robert Brown
no início do século XIX. O experimento era relativamente simples:
ao colocar partículas de pólen em uma gota d'água, as
mesmas mantinham-se em um constante movimento caótico. A causa era
desconhecida e gerou uma corrida da comunidade científica no início
do século XX, vencida por Einstein. Sua conclusão dizia que
a causa do fenômeno era o choque constante das partículas de
pólen com as moléculas de água, gerando o movimento caótico.
Para se ter uma idéia do significado da afirmação, foi
a primeira proposta concreta de comprovação da existência
de átomos no âmbito da física: "Hoje a existência
de átomos é vista como uma coisa trivial, mas no início
do século era uma idéia que encontrava bastante resistência",
afirma Victor Rivelles. A partir daquele momento, "passou-se a aceitar
a idéia de que os átomos eram reais e não uma entidade
fictícia que auxiliava os químicos a estabelecer determinadas
leis", completa o pesquisador. O terceiro artigo, publicado no ano de
1905, fixa as leis da relatividade restrita, que podem ser definidas, em linhas
gerais, como a comprovação de que nenhum fenômeno se propaga
em uma velocidade acima da velocidade da luz.
Segundo Rivelles, todos os três
artigos de 1905 demonstram a grande competência de Einstein, porém
precederam o apogeu da sua carreira: "Tratava-se de fenômenos que
estavam sendo amplamente pesquisados e, mais cedo ou mais tarde, seriam descobertos
por alguém", afirma. Cerca de dez anos depois, Einstein lançaria
a teoria da relatividade geral, que o tornaria mundialmente famoso.
Rivelles explica a teoria da relatividade
geral a partir de um exemplo bastante claro. De acordo com a mecânica
newtoniana vigente em 1915, entre quaisquer dois corpos celestes haveria a
atuação de uma força gravitacional de tal dimensão
que, se pudéssemos mover o sol de lugar, imediatamente a terra também
alteraria sua órbita. Só que, a partir da relatividade restrita,
Einstein apontou um primeiro problema: como nenhum fenômeno pode se
propagar com velocidade superior a da luz, o efeito da mudança do sol
levaria cerca de 6 a 7 minutos para repercutir na terra, já que este
é o tempo aproximado que os raios solares demoram para chegar até
o nosso planeta. Einstein propôs, então, uma teoria da gravitação
que respeitasse esse limite.
Só
que o preço pago foi muito alto: esta idéia fundamentou uma
outra concepção de espaço e de tempo.
Para Isaac Newton, espaço e tempo eram fixos, não participavam
da física. No entanto, para que a gravitação tivesse
essa velocidade limitada (como no caso dos seis a sete minutos para uma alteração
na órbita do sol ser sentida na terra), era preciso que o espaço
e o tempo dependessem do conteúdo da matéria do universo. Espaço
e tempo passaram a ser variáveis consideradas pela física e
o universo passou a ser visto como uma grande membrana, que se deforma de
acordo com a matéria que existe dentro dele.
Hoje se reconhece que a relatividade geral
é muito mais profunda e também deveria ter lhe rendido o Prêmio
Nobel de Física. Segundo Victor Rivelles, seu valor está também
no fato de que não havia nada que indicasse a necessidade de alteração
da lei da gravitação, diferentemente dos fenômenos que
inspiraram os estudos anteriores. Além disso, os testes que buscam
comprovar sua validade estendem-se até os dias atuais, pois na época
em que ele foi concebido praticamente não havia um suporte experimental
refinado que o comprovasse.
De acordo com Paulo Gomes, da Unicamp,
a busca pela sua comprovação permanece até os dias atuais.
Pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) e da Nasa, a agência
espacial do governo norte-americano, construíram, em abril do ano passado,
um experimento denominado Gravity Probe B para testar as últimas previsões
da teoria da relatividade geral. Foi enviado para orbitar a cerca de 640 Km
dos pólos da terra um satélite com giroscópios totalmente
livres de qualquer perturbação. Os equipamentos têm a
função de constituir um sistema de referência de nosso
espaço-tempo quase perfeito. Eles irão medir as distorções
no referencial de espaço-tempo motivas pelo movimento gravitacional
terrestre. Segundo Gomes, “embora de impacto muito pequeno na vida da
grande maioria dos seres humanos, esses efeitos têm implicações
profundas para a natureza da matéria e da estrutura do universo”,
afirma.
Mesmo assim, Gomes afirma que ainda há
aspectos relevantes da teoria a serem comprovados. Questionado sobre o motivo
de, depois de quase 8 décadas da publicação dos trabalhos
de Einstein, os cientistas gastarem tanto tempo e dinheiro para testar a teoria
da relatividade geral, ele afirma: “Apesar dela estar entre as mais
brilhantes criações da mente humana, unindo espaço, tempo
e gravitação, e de trazer uma luz para o entendimento de fenômenos
bizarros como buracos negros e expansão do universo, ela continua sendo
uma das menos testadas e mais complexas teorias científicas”,
conclui.
Na contramão
Paralelamente a essa trajetória pessoal de sucesso, Einstein ajudou
indiretamente a consolidar a chamada mecânica quântica: "A
interpretação do fenômeno fotoelétrico e as previsões
da teoria da relatividade trouxeram um novo e definitivo impulso para aquilo
que hoje chamamos de mecânica quântica, que é o ferramental
teórico para entendermos como coisas muito pequenas, como moléculas,
átomos e partículas subatômicas, se comportam", afirma
Leandro Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp. Segundo
explica o físico, a teoria da relatividade também permite concluir,
no que diz respeito ao mundo microscópico, que o processo de aceleração
de partículas seguido do choque com algum metal gera emissão
de radiação. Posteriormente, descobriu-se a utilidade desse
princípio na construção de aparelhos de raios-x e infra-vermelho,
utilizados em diversos tipos de equipamentos.
Curiosamente, Einstein iria bater de frente
com a mecânica quântica nos últimos anos de sua vida, mesmo
com novas pesquisas e avanços tecnológicos obtidos. Isto porque
boa parte da teoria desse ramo da física, surgida posteriormente aos
seus artigos, trabalha com probabilidades estatísticas e não
com explicações causais para os fenômenos que acontecem
no mundo das partículas atômicas. Daí surgiu a famosa
frase "Eu não acredito que Deus jogue dados com o mundo",
que ilustra aquilo que alguns biógrafos chamam de "beco sem saída"
do final da sua vida. Segundo Victor Rivelles, "a mecânica quântica
contraria muito o bom senso e é muito difícil de ser compreendida,
mas acabamos aceitando porque vamos ao laboratório e identificamos
os fenômenos que ela prevê". No entanto, segundo o professor
da USP, Einstein não aceitava tal situação e morreu acreditando
que a mecânica quântica era algo provisório, mesmo quando
a grande maioria da comunidade científica já a considerava fundamental.
Outro fator que reforçava a desconfiança
de Einstein com a mecânica quântica era a contradição
com alguns pontos da teoria da relatividade, que inviabilizava outra busca
incessante do final da sua vida, a de uma teoria totalizante que englobasse
todas as leis da física. Rivelles destaca que algo que chama a atenção
de muitos físicos nos dias atuais é essa contradição:
"Se você tentar aplicar a mecânica quântica junto com
a relatividade geral, ou seja, buscar efeitos quânticos no campo gravitacional,
importantes para entendermos os buracos negros ou a formação
do universo, vamos obter uma inconsistência", afirma o pesquisador.
Desse modo, Einstein insistia em questionar a mecânica quântica
Apesar dessa situação ter
abalado sua imagem, o legado de Einstein para a ciência e para humanidade
permaneceu inquestionável, mesmo distante daquilo que hoje é
chamado de física aplicada, voltada para a resolução
de problemas práticos: "Einstein deu uma contribuição
eminentemente teórica para a física, investigando simplesmente
o que é o universo, sem se preocupar com aplicações",
completa Victor Rivelles. No entanto, segundo Leandro Tessler, seu legado
é extremamente abrangente, repercutindo em áreas como nanotecnologia,
ciência dos materiais, teorias de formação do universo
e energia nuclear, entre outras.
Unificação pode vir da teoria
das cordas - A principal teoria
que está avançando na busca de uma unificação
das leis e princípios da física é a teoria das cordas,
porém não segue a linha proposta por Einstein, que desconsiderava
a mecânica quântica. Trata-se da teoria das supercordas, que
visa explicar as quatro forças fundamentais em atuação
no universo: a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear forte
e a nuclear fraca. Entre os que colaboraram de maneira significativa para
o seu advento, estão o físico alemão Theodor Kaluza
e do sueco Oscar Klein. A teoria considera que as cordas são unidades
fundamentais do nosso universo: "A premissa básica é
que tudo no nosso universo seriam cordas, incluindo as partículas
subatômicas, mas com comprimento extremamente pequenos" afirma
Paulo Gomes. |
(DC)