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Quando os Indicadores de C&T deixam de indicar e passam a determinar

Teresinha Rodrigues

Dois estudos publicados recentemente apontam que o Brasil vem alcançando bom desempenho na divulgação de seus resultados de pesquisa e, conseqüentemente, aumentando a visibilidade entre os países empenhados em produzir ciência e tecnologia.

O estudo produzido pela National Science Foundation[1], agência do governo dos Estados Unidos, publicado em agosto de 2004, faz um balanço do número de artigos de ciência e engenharia publicados nas mais importantes revistas entre os anos de 1988 e 2001. O resultado é um notado crescimento da produção de países da Ásia e da América Latina. Nesta última região, o número de artigos publicados quase triplicou nesse período, com destaque para o Brasil que quadruplicou suas publicações e respondeu, em 2001, por 44% do desempenho regional[2].

Por sua vez, o trabalho de David King[3], publicado na revista britânica Nature em julho de 2004, buscou qualificar a produção de C&T representada por 8 anos de publicações em periódicos indexados na base Thompson ISI [4]. O autor selecionou, entre 1993 e 2001, o grupo de trabalhos mais referenciados por outros artigos da mesma base, o que corresponde a 1% do total de publicações. O resultado foi um ranking dos 31 países que produzem as pesquisas mais citadas no mundo, no qual o Brasil ocupa o 23ª posição e a condição de único representante da América Latina.

A repercussão desses estudos, ao tempo que premia o esforço do pesquisador brasileiro, também reforça o papel dos índices bibliométricos como quase que exclusivos indicadores de produção de C&T. Assim, ao lado da comemoração pelas boas notícias, cabem algumas reflexões sobre o significado desses dados.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que esses estudos são fundamentados em bases de dados que, apesar da amplitude, utilizam critérios de indexação de revistas científicas que atendem à cultura e aos temas dos países e grupos líderes na produção de C&T. É preocupante pensar que as análises sobre o crescimento da ciência brasileira não considerem a enorme quantidade de fóruns de discussão e de publicações em congressos, livros e em revistas não indexadas, principalmente na área de ciências sociais, o que deixa de fora, por exemplo, os trabalhos científicos que discutem o próprio grau de socialização do conhecimento produzido. Também são excluídas dessa conta as produções que, embora concernentes a temas científicos universais, são focadas em problemáticas tipicamente nacionais, tais como as relacionadas com a nossa biodiversidade, doenças endêmicas, formas de energia alternativas, populações indígenas, educação em espaços não formais, arranjos produtivos locais, etc, e que raramente encontram espaço nas revistas internacionais[5].

É preciso atentar para a possibilidade de os mesmos dados, que mostram o aumento da participação brasileira nas publicações indexadas no ISI, estarem escondendo, com sua prevalência, a verdadeira produção científica brasileira.

Um segundo aspecto a ser considerado com atenção é a facilidade com que esses indicadores, quando usados para comparar diferentes países, podem induzir uma avaliação simplista de que a ciência no Brasil vai muito bem e encontra-se bem assistida em suas políticas. Isso pode justificar o entendimento de dever cumprido e que nos cabe agora direcionar as políticas e recursos públicos na área de P&D para um necessário programa de inovação tecnológica para a indústria, como um cobertor curto que, para cobrir uma área, deixa uma outra parte do mesmo corpo a descoberto.

Têm sido comuns comparações com países como a Coréia e a China, que apresentam, ao contrário do Brasil, grande crescimento do número de patentes depositadas nos Estados Unidos, como indicador de competência no uso do conhecimento para gerar inovações.

Sem precisar discutir o significado desse indicador, é fundamental lembrar que o fator que sustenta a boa performance desses países é a quantidade de recursos aplicados em todo sistema de P&D, ciência e inovação entendidas como um mesmo organismo. Apesar da política clara de competitividade industrial, os recursos aplicados na base de C&T não foram diminuídos nesses países, nem tampouco a produção científica.

No Brasil, ao contrário, os investimentos públicos em P&D estão caindo. Há bastante controvérsia a respeito desses valores, em função das várias categorias de despesas, que podem ou não ser consideradas (como, por exemplo, custo de pessoal), e das contribuições dos orçamentos das agências, inclusive as estaduais e, mais recentemente, dos fundos setoriais. O fato é que a atividade científica brasileira, concentrada em universidades e institutos de pesquisas governamentais ou financiados fortemente por recursos públicos, tem sofrido toda sorte de contingenciamentos ou mesmo cortes nos últimos anos e estão longe de acompanhar as crescentes necessidades do setor.

Para o propósito dessa análise, basta considerar que estamos muito distantes do percentual de 2% do PIB em investimentos em C&T, valor ainda baixo para um país que deseja romper a barreira do subdesenvolvimento.

Coloca-se assim quase um paradoxo: a produção científica brasileira aumenta enquanto os recursos decrescem.

Uma explicação para o crescimento da produção brasileira neste quadro de penúria está justamente no fato dos indicadores de publicações em revistas indexadas serem utilizados, com grande peso, para avaliação de pesquisadores e suas instituições.

Isso acaba por alimentar uma ciranda perversa onde as publicações internacionais, por somarem mais pontos, servem de árbitro nas disputas pelos escassos recursos de financiamento a projetos de pesquisa. Ou seja, mais que a necessária avaliação do trabalho de pesquisa, está sendo testada a capacidade do pesquisador de complementar o orçamento institucional.

Até onde será possível esticar essa corda?

Finalmente, um aspecto que precisa ser considerado é, até que ponto, nesse quadro, não estão sendo formados “nichos de preferência” para determinadas áreas de estudo, contempladas com maiores chances de publicações indexadas. De maneira inversa, algumas áreas de conhecimento poderiam estar sendo desestimuladas, na medida em que não encontram visibilidade na busca por financiamento de pesquisa.

Os grupos de pesquisa já dão sinais de preocupação. Um exemplo está na carta aberta à comunidade científica, amplamente divulgada na internet e publicada na revista New Scientist (May 22, 2004) por um grupo de pesquisa na área de cosmologia[6]. É exposto o fato de que, a despeito da teoria do big bang não ter sido comprovada, as pesquisas com outras bases teóricas têm sido impedidas na prática, pois não conseguindo espaço em publicações indexadas, não encontram visibilidade e, conseqüentemente, financiamento. Nas palavras dos manifestantes:

“Today, virtually all financial and experimental resources in cosmology are devoted to big bang studies. Funding comes from only a few sources, and all the peer-review committees that control them are dominated by supporters of the big bang. As a result, the dominance of the big bang within the field has become self-sustaining, irrespective of the scientific validity of the theory.”

Esse exemplo alerta para o risco associado ao uso inconteste de indicadores universais, alimentados por poderosos bancos de dados. O indicador “número de publicações indexadas na base ISI”, ao tornar-se quase sinônimo de produção e excelência científica, pode vir a determinar a prevalência de teorias, o estabelecimento de paradigmas e o direcionamento de investimentos em C&T.

Parece claro, que quando se trata de responder sobre o papel que a ciência e a tecnologia assumem no desenvolvimento de uma sociedade, os indicadores são importantes ferramentas de análise. No entanto, as suas características intrínsecas, de definições e critérios objetivos de construção, não impedem que sejam apropriados por diferentes olhares.

Preocupa a possibilidade de que esses números venham a pairar soberanos sobre a agenda de pesquisa das instituições, impondo metas ao sabor de políticas setoriais de momento. Fundamentalmente, é preciso tecer a conexão entre a produção do conhecimento e as demandas da sociedade, incluindo as necessidades de fazer frente à competitividade dos mercados, mas entendendo que são partes do mesmo corpo. Inovação sem atender também a um projeto de fortalecimento do sistema de C&T no país, é inovação de pé-quebrado. Não vai muito longe.

Não é demais lembrar as palavras de Henrique Morize[7], ainda em 1917, em discurso proferido na Sociedade Brasileira de Ciências:

“(...) É por todas essas razões e estes exemplos que afirmo, em contradição ao sentimento vulgar, que são ricos os países onde a Ciência é cultivada com esmero, porque o saber ali é respeitado e protegido, e não, porque, sendo ricos, podem se ofertar o luxo de uma cultura científica elevada”.

Teresinha Rodrigues é tecnologista do Observatório Nacional/MCT e doutoranda do PEP-COPPE/UFRJ.



[2] Em 2001, o Brasil produziu 7.205 artigos, contra 1.766 publicados em 1988. Uma análise per capita, no entanto, revela maior desempenho em C&T na Argentina e no Chile. Entre os anos de 1999 e 2001 esses países ultrapassaram 75 artigos publicados/milhão de habitantes, enquanto que no Brasil esse índice não alcançou 39 artigos/milhão de habitantes.

[3] KING, D. A. “The Scientific impact of nations”. Nature, 430:311-16 (15 jul 2004).

[4] Esta base, organizada pelo Institute for Science Information, reúne mais de 8 mil jornais e revistas em 164 áreas do conhecimento. Dentre esses estão 15 revistas brasileiras.

[5] Cabe destacar que o programa SciELO (Scientific Eletronic Library On-Line) vem ampliando a visibilidade de trabalhos que não encontram espaço na base ISI, hoje indexando quase 100 revistas brasileiras.

[7] Henrique Morize foi diretor do Observatório Nacional (1908-1929) e fundador e primeiro presidente (1916-1926) da Sociedade Brasileira de Ciência, chamada Academia Brasileira de Ciências a partir de 1921.

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Atualizado em 10/11/2004

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