Áreas sensíveis são controladas internacionalmente
A tecnologia usada para supersônicos e para lançar satélites no espaço é similar àquela que se usa para mísseis balísticos. Do mesmo modo, a tecnologia de sensores de câmeras para imageamento terrestre, usados para agricultura e para planejamento urbano, também pode ter fins de espionagem. Esses são alguns exemplos de “áreas sensíveis de pesquisa”, cujos estudos podem ter aplicações tanto para fins pacíficos quanto para militares. É o caso das pesquisas na área nuclear, aeronáutica, espacial, entre outras. No Brasil, os pesquisadores de universidades e de institutos de pesquisa têm liberdade para realizar seus trabalhos em áreas sensíveis, contando com apoio dos mesmos órgãos de fomento que financiam as pesquisas de outras áreas. Mas afirmam: faltam recursos para pessoal e para aquisição de equipamento, o que compromete o desenvolvimento do país, mantendo-o dependente de tecnologia externa.
Os pesquisadores procuram atenuar os obstáculos. “As dificuldades para trabalhar com áreas sensíveis são simplesmente econômicas. Não temos restrição por parte do governo, as restrições são apenas de segurança, como no caso de qualquer equipamento químico”, afirma o pesquisador Alejandro Szanto de Toledo, do Departamento de Física Nuclear da USP. A física nuclear estuda a estrutura nuclear e os mecanismos de reação, emissão de radiotividade natural, de fissão e fusão nuclear, e pode ter diversas aplicações tanto na área militar (no caso da fabricação de explosivos nucleares, como a bomba atômica e a bomba de hidrogênio), quanto em outras áreas, como na medicina, na agricultura e nas engenharias.
Para Toledo, o maior empecilho para importação de equipamentos para pesquisas em áreas sensíveis – que vêm, em sua maioria, dos EUA, Japão e de alguns países da Europa – ainda é a falta de recursos, que são obtidos por meio de financiamentos federais do CNPq e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), ou estaduais, via agências de fomento. “A importação de equipamentos é normal como quem importa um computador ou uma balança. Apenas é preciso garantir, por meio de uma carta, que o material será usado em pesquisa acadêmica. Deve-se explicar onde vai usar o material, como vai usar, e qual o objetivo de cada peça comprada”, ressalta o pesquisador.
Além do comprometimento firmado entre os países, de acordo com o diretor de política espacial da Agência Espacial Brasileira (AEB), Himilcon de Castro Carvalho, existem também termos de confiabilidade. “Não posso revender um equipamento importado para outras pessoas, outras instituições ou outros países. É uma questão diplomática”, afirma. Carvalho ressalta ainda que não há transferência de tecnologias utilizadas em áreas sensíveis, uma vez que elas têm uso dual (pacífico ou bélico).
Legislação interna
Cada país tem a sua própria legislação que controla a entrada e saída de tecnologias usadas em pesquisas sensíveis. Mas o comércio de equipamentos utilizados em pesquisas nessas áreas é controlado por meio de acordos internacionais definidos por órgãos como a Agência Internacional de Energia Atômica (IEA, em inglês), que é ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). "Toda vez que algo é vendido, não só nuclear, mas que possa ser usado na área nuclear para fins não pacíficos, é preciso comunicar ao organismo competente. Para importar ou exportar é preciso uma licença específica, que no Brasil é concedida pela CNEN", afirma o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Dias Gonçalves. Coube à IEA a inspeção realizada em outubro deste ano em uma das instalações nucleares brasileiras. (leia mais sobre o assunto). Esse tipo de inspeção é feita anualmente nas instalações nucleares de diversos países visando impedir que a tecnologia nuclear seja usada na fabricação de armamentos.
As pesquisas em áreas sensíveis solicitadas pelo governo, de acordo com Toledo, costumam ser realizadas em institutos específicos, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que podem, eventualmente, fazer pesquisas com segredos industriais. “Nas universidades, não existe segredo nesse nível. Quando há um segredo industrial ele se transforma em patente”, ressalta Toledo. “Além disso, o conhecimento produzido nas universidades é divulgado por meio das revistas científicas para a comunidade”, conclui.
Já o controle dos estudos em áreas sensíveis feitos no país cabe a órgãos do governo, como a AEB no caso das pesquisas espaciais e a CNEN nas pesquisas nucleares. Mas não há controle por parte do país exportador de equipamentos para as pesquisas. “Se o país exportador pedir, por vias diplomáticas, para verificar a utilização de uma certa peça, logicamente não vai ser negado”, enfatiza Carvalho, da AEB.
Pesquisa militar
As questões relacionadas aos gastos com pesquisas militares no Brasil, com fins exclusivamente bélicos (de defesa), vieram à tona a partir de um ciclo de debates promovidos neste ano pelo Ministério de Defesa (MD), juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo das rodadas, de acordo com o MD, foi atualizar o pensamento sobre defesa nacional, por meio de debates com integrantes do governo, políticos, militares, diplomatas, acadêmicos e jornalistas.
De acordo com o pesquisador Renato Dagnino, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), da Unicamp, atualmente o Brasil gasta R$ 30 milhões em pesquisa e desenvolvimento na área militar – que corresponde a apenas 1% de todo o gasto militar nacional (75% do gasto militar é com pessoal). Os Estados Unidos, país que mais gasta na área militar, despendeu em 2003 cerca de U$ 58 bilhões somente voltados para pesquisa e desenvolvimento (P&D) na área, o que lhes permitiu o fornecimento de U$ 70 bilhões em material de defesa para as forças armadas, além do que foi exportado. Os dados estão no artigo “Sobre a revitalização da indústria de defesa brasileira”, resultado da participação do pesquisador em um dos ciclos de debates.
Dagnino explica que, considerando que o Brasil exporta atualmente US$ 26 milhões em equipamentos de defesa, seria necessário aumentar o gasto com P&D militar da União para 37% para atingir a meta desejada de U$ 1 bilhão de dólares de exportação, o que é impossível. Para ele, uma das alternativas para direcionar verbas de pesquisa para a área militar seria a criação de um fundo, nos moldes dos fundos setoriais, que seja dedicado tanto à pesquisa quanto à produção. “A exportação de material de defesa é posterior à implantação da indústria. Quando um país decide exportar material de defesa, o faz buscando amortizar o investimento realizado para sua produção”, explica Dagnino.
Para o embaixador Sebastião do Rego Barros, que também participou de um dos ciclos de palestras do MD, mesmo sendo altos os custos de desenvolvimento tecnológico em segurança e defesa, a P&D na área militar é necessária. É o que ele afirma em seu artigo “O papel da ciência e tecnologia da defesa da soberania nacional”. “Os esforços de P&D das Forças Armadas têm de estar intimamente conjugados com metas mais amplas e comuns do sistema produtivo civil”, conclui o embaixador.
O ciclo de palestras deve terminar no próximo mês. De acordo com o MD, a idéia não é formular políticas públicas, mas sim estimular a discussão e o estudo, pela sociedade brasileira, de questões relativas às áreas de defesa e segurança. Ou seja, por enquanto, os recursos para P&D na área militar continuarão os mesmos.
(SR)
|