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Limitações das Pesquisas e Avanços do Conhecimento na Área Nuclear: questões recentes

Afonso Rodrigues de Aquino

Martha Marques Ferreira Vieira

A Constituição da República Federativa do Brasil diz no artigo 21 que compete à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

  1. toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

  2. sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas;

  3. a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.

A Constituição brasileira, promulgada em 1988, no auge do Programa Nuclear Autônomo, não previu que juntamente com o monopólio deveria ter sido criada uma fonte de recursos que garantisse a manutenção e a ampliação do conhecimento científico e tecnológico obtido ao longo de décadas, principalmente após a criação do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN, no ano de 1956, com o nome de Instituto de Energia Atômica, onde, em 1976, foi criado um curso de pós-graduação stricto sensu para buscar a consolidação das pesquisas na área e garantir a excelência na formação de pessoal.

As atividades que envolvem a fabricação do combustível nuclear podem ser divididas em 5 partes e constituem o chamado ciclo do combustível nuclear. São elas: mineração e produção do concentrado; conversão em hexafluoreto de urânio; enriquecimento isotópico; fabricação do elemento combustível; reprocessamento. O IPEN desenvolveu pesquisas em todas elas. Ainda nos anos 80, parte da tecnologia desenvolvida no IPEN foi transferida para o Centro de Tecnologia da Marinha de São Paulo – CTMSP visando o projeto de um conjunto de fábricas para a conversão do urânio no âmbito do ciclo do combustível nuclear.

O projeto do CTMSP reflete o estado da arte de meados da década de 80; não custa lembrar que a revolução da informática teve início no final desse mesmo período. O impacto dessa revolução pode ser avaliado analisando-se as ultracentrífugas, que estão sendo constantemente modernizadas a partir de uma unidade de demonstração operada como uma planta piloto, pelo próprio CTMSP. Assim, novos materiais e novas tecnologias foram sendo incorporados a ponto de sermos hoje detentores do processo de enriquecimento isotópico mais econômico, em termos energéticos, do mundo.

Parte do acervo do IPEN, constituído por um conjunto de unidades piloto, que abrangia desde a purificação até a fabricação do hexafluoreto de urânio, o gás necessário para o enriquecimento isotópico, deteriorou-se e foi quase todo demolido, acarretando a distribuição do quadro de pesquisadores, engenheiros e técnicos envolvidos nessas atividades para outras áreas. Também cabe citar o desmanche da infra-estrutura necessária para o acompanhamento e certificação dos processos desenvolvidos, incluindo os laboratórios de análises físicas e químicas.

Uma coleção de desenhos não prescinde de um laboratório para estabelecer variáveis de processo, testar novos equipamentos, ensaiar instrumentos e controles, estudar novos materiais e reagentes, além de treinar e qualificar o pessoal técnico; é também para isso que servem as plantas piloto.

A complexidade da maioria dos processos físicos e químicos usados na conversão do urânio é uma das explicações para que o número de países que dominam o ciclo do combustível nuclear não chegue a dez.

Para que essas atividades de pesquisa e desenvolvimento fossem extintas foi suficiente menos de uma década sem dotação orçamentária.

A partir de 1990 as pesquisas na área do ciclo do combustível nuclear foram pouco a pouco sendo encerradas por falta de recursos financeiros. Os pesquisadores para se manterem em atividade recorreram aos órgãos de fomento à pesquisa, principalmente a Fapesp, no caso de São Paulo. O monopólio da União sobre as pesquisas na área nuclear dificultou o acesso ao financiamento feito por órgãos estaduais, embora ele tenha sido concedido no caso do desenvolvimento de radiofármacos e na aplicação das técnicas nucleares na engenharia e na indústria. A drástica diminuição no número de artigos publicados sobre o ciclo do combustível nuclear acompanhada da redução no número de dissertações e teses sobre o tema é mais uma das evidências do encolhimento da área. A Revista Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento, única no Brasil dedicada ao setor nuclear, nos últimos quatro anos não publicou um artigo sequer sobre conversão do urânio no ciclo do combustível nuclear. Ao final dos anos 90 somente o laboratório de preparação de elemento combustível continuava operacional. A maioria dos alunos de pós-graduação, após concluir seu trabalho em áreas específicas se desligou do Ipen por falta de perspectiva profissional; nesse período a entrada de pesquisadores contratados no Ipen foi muito menor do que a saída. O fato do governo federal não investir na área provocou uma dispersão do capital intelectual acumulado, que devido à qualidade da sua formação científica e tecnológica não encontrou dificuldades para se colocar em outros ramos de atividades, sem qualquer previsão de retorno.

A INB - Indústrias Nucleares do Brasil, por enquanto, atua da mineração até a fabricação do concentrado de urânio e na fabricação do elemento combustível. Por isso compra no exterior os serviços de conversão do concentrado de urânio até o correspondente hexafluoreto, e deste até o enriquecimento. As ultracentrífugas que estão sendo instaladas em Resende permitirão em breve a substituição da compra de parte desses serviços. Então, para que todo o ciclo do combustível seja nacionalizado fica faltando a conversão. O preço de mercado desse serviço justificaria a implantação dessa etapa: enquanto o quilograma de urânio, na forma de concentrado custa 10 dólares, o de hexafluoreto de urânio natural custa 63 dólares. Por sua vez, o serviço de enriquecimento isotópico custa 110 dólares por Unidade de Trabalho Separativo – UTS. Em termos de ganho econômico já andamos a metade do caminho, mas em termos de autonomia falta um caminho inteiro.

Uma dificuldade imediata pode ser identificada na transferência de tecnologia que o CTMSP deve fazer para a INB. O CTMSP não construiu as unidades que comprovem que o projeto funcione na ampliação de escala pretendida, e o Ipen não tem mais as plantas piloto necessárias para a facilitação da transferência da tecnologia na sua forma mais moderna.

Considerando que um instituto de pesquisa deve gerar conhecimento para o bem-estar da sociedade, a “perda da memória” científica e tecnológica é o principal problema para o avanço do conhecimento na área nuclear, uma vez que compromete a distribuição de suas benesses.

Portanto, o maior obstáculo para as pesquisas na área nuclear é a falta de garantia de verbas na quantidade e na periodicidade adequadas, o que pode inviabilizar, não somente futuros avanços na área mas, principalmente, a manutenção do conhecimento já adquirido. Uma das características do conhecimento científico é ser cumulativo. Também não deve ser esquecido que a interrupção no fornecimento de verbas para as pesquisas compromete a formação dos recursos humanos essenciais que, em média, somente atinge a maturidade após dez anos de atividades na área do ciclo do combustível nuclear.

Curiosamente a missão do CNPq, quando foi criado em 15 de janeiro de 1951, era implementar a política de energia nuclear e promover a investigação científica e tecnológica.

Afonso Rodrigues de Aquino e Martha Marques Ferreira Vieira são pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.

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Atualizado em 10/11/2004

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