Pode a fé curar ?
Um famoso ditado popular
americano diz que “uma oração por dia mantém os
médicos distantes”. A oração, a fé, a
religião, enfim a espiritualidade, podem ser aliadas na
recuperação dos pacientes e na prevenção de
doenças, segundo os resultados de algumas pesquisas recentes.
Entender a complexidade da mente e os efeitos das práticas
religiosas sobre a população é hoje um dos grandes
desafios dos pesquisadores. Como investigar e medir a influência
de algo tão abstrato e controverso? Apesar de serem
desenvolvidas há algumas décadas em outros países,
como os Estados Unidos, no Brasil as pesquisas sobre esse tema ainda
estão no início, mas já aparecem principalmente
nas universidades públicas: Unifesp, Unicamp, Unesp,
Universidade Federal do Ceará e outras.
Estudos realizados em
diferentes contextos sócio-culturais têm demonstrado que a
espiritualidade tem relação com o comportamento e a
predisposição ao vício. Esses estudos
começaram em meados da década de 80, nos Estados Unidos.
Atualmente, um dos centros norte-americanos mais avançados no
assunto é o Duke´s Center para Estudos da Religião
e da Espiritualidade, dirigido pelo médico e pesquisador Harold
Koenig, autor do livro Manual de religião e saúde.
Seus estudos científicos têm demonstrando que os
praticantes ativos de uma crença podem obter benefícios
físicos e mentais, entre eles, sistema imunológico mais
resistente e menor propensão a certas doenças. Entre os
efeitos negativos estariam o fanatismo religioso e a
auto-punição, ou seja, acreditar que doença teria
sido enviada como um castigo de Deus.
No Brasil, a equipe do
psiquiatra Paulo Dalgalarrondo, professor da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp, constatou que a
religião pode afetar de diversas maneiras o consumo de
álcool e de drogas. O trabalho, intitulado "Religião e uso de drogas por adolescentes",
foi publicado em junho de 2004 na Revista
Brasileira de Psiquiatria, e avaliou 2.287 estudantes de escolas
públicas e particulares de Campinas (SP). Os pesquisadores
perceberam que o uso intenso de pelo menos uma droga (álcool,
tabaco, medicamentos, maconha, solventes, cocaína ou ecstasy)
foi maior entre os estudantes que não tiveram
educação religiosa na infância. “As pessoas cuja
religião condena o uso dessas sustâncias tendem a
usá-las menos”, conta. Por outro lado, Dalgalarrondo ressalta
que alguns estudos mostraram que pessoas com alto envolvimento
espiritual têm a tendência a ser mais depressivas. “A
influência depende da própria pessoa e da religião,
além de fatores econômicos, culturais e sociais”, afirma.
Espiritualidade
no currículo
A questão da
espiritualidade já começa a fazer parte do
currículo de faculdades de medicina brasileiras e estrangeiras.
Na Universidade Federal do Ceará é disciplina optativa no
curso de medicina, desde o ano passado. O objetivo é trazer
reflexões para humanizar os tratamentos hospitalares, utilizando
pesquisas sobre espiritualidade e saúde. Alguns dos temas
abordados são os estudos da consciência em pacientes que
relatam suas experiências no coma prolongado.
A coordenadora do
primeiro curso no país, a médica Eliane Oliveira,
é uma das palestrantes do Congresso Nacional da
Associação Médico-Espírita do Brasil que
discutirá o tema “Espiritualidade no cuidado com o paciente”, de
26 a 28 de maio em São Paulo. “Precisamos enxergar os
vários aspectos do ser humano para ajudar no tratamento”, afirma
Eliane Oliveira. “Mesmo que para o médico a religiosidade
não seja importante, não podemos ignorar que as pessoas
costumam tomar decisões importantes baseadas na sua
religião”, diz.
A doutora lembra que em
Maranguape, município localizado a 30 km de Fortaleza, a
mortalidade infantil foi reduzida drasticamente depois que os
médicos se aliaram às benzedeiras (também chamadas
rezadeiras) da região. Elas aprenderam sobre o soro caseiro e,
além de benzer, ensinavam as mães e mandavam que elas
também levassem os seus filhos ao médico.
Falsos
diagnósticos
Até poucos anos, a
psiquiatria tendia a ignorar ou considerar como doença certos
comportamentos religiosos e espirituais. “A visão negativa das
experiências religiosas deu origem a atitudes
discriminatórias por parte da comunidade psiquiátrica
brasileira, principalmente com relação ao espiritismo e
religiões afro-brasileiras, ocasionando prisões,
internações e tratamentos desnecessários”, diz
Alexander Almeida, do Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais
e Religiosos da USP. Ele conta que até os anos 70 pensava-se que
a pessoa menos religiosa era mais saudável, mas não havia
estudos que usavam metodologia científica para provar isso.
No dia a dia, em seu
consultório, para conseguir melhores resultados nos tratamentos,
a tática usada pelo psiquiatra é aliar-se aos
líderes espirituais de seus pacientes, propondo que ambos
trabalhem pela recuperação da pessoa. Para isso,
recomenda que eles incentivem os fiéis a não deixarem de
tomar os remédios. Antes, muitos portadores de casos
sérios paravam o tratamento, com risco de morte, porque
acreditavam que somente a fé era suficiente.
Alexander afirma ainda
que até pouco tempo acreditava-se que os médiuns tinham
problemas mentais, pouca instrução e vinham de classes
muito baixas. Segundo as religiões espírita e
afro-brasileiras, os médiuns são intermediários
entre o mundo físico e o espiritual. O psiquiatra mostrou na sua
tese de doutorado (com bolsa da Fapesp) que o fenômeno da
mediunidade pode não estar relacionado com transtornos mentais,
como a esquizofrenia, que geram alucinações e
delírios. Segundo seu estudo, uma das possíveis
definições de mediunidade é “a
comunicação provinda de uma fonte que é
considerada existir em um outro nível ou dimensão
além da realidade física conhecida e que também
não proviria da mente normal do médium”.
Energia do corpo
Alguns pesquisadores
acreditam ainda que uma prática comum em certas religiões
– a impostação de mãos (o ato de repousar as
mãos sobre uma área sem encostá-las) – pode ter
efeitos também sobre a saúde do organismo. Essa
prática é procurada por muitas pessoas a pretexto de
receber energias “sutis” e reequilibrar o organismo. A prática,
assim como na homeopatia e na
medicina oriental, é baseada no
princípio de que as patologias são geradas por
causa de um desequilíbrio do organismo como um todo, e
não somente da parte doente.
A relação
entre a impostação de mãos e o aumento da
resistência do organismo às doenças, por exemplo,
vem sendo objeto de um estudo de um pesquisador da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), o biólogo Ricardo Monezzi. Ele
constatou indícios de que a impostação pode
aumentar a resistência imunológica.
Monezzi estudou o efeito
da impostação de mãos em 60 ratos machos e sadios.
O estudo não foi realizado em humanos para que se possa
descartar totalmente o efeito placebo (quando a mente é
sugestionada a acreditar que recebeu um medicamento ou processo de
cura). Um terço do grupo recebia tratamento por
impostação, outro terço tinha uma luva colocada
sobre as gaiolas (para simular a impostação) e o restante
não recebia nenhum tipo de tratamento. Os animais que receberam
o tratamento tiveram um aumento do número de linfócitos e
monócitos –
responsáveis pelo sistema imunológico –
e redução do número de plaquetas. Manipulando
essas células in vitro, em conjunto com células tumorais,
foi possível observar que as células dos animais tratados
teriam o dobro de condições de combater um tumor.
Atualmente, Monezzi
continua seus estudos sobre a imposição de mãos em
humanos, em seu doutorado, também na Unifesp. “O corpo humano
é um emissor de energias, que ainda não foram
qualificadas, mas exames como o eletrecardiograma e eletroencefalograma
mostram que existem”, afirma. “O importante é entender a
influência que essas energias podem ter na cura de certas
patologias”, conclui.
(SR e CF)