A Revolução da Precisão
Conseqüências Estratégicas do Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação
   
 

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A Revolução da Precisão
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Pierre Fayard


Que mudanças as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) provocam na estratégia, esta prosa da existência cujo objeto sempre consistiu em conceber, em organizar e em acionar os meios que concretizam os fins que nos propomos a atingir. Como é comum nos períodos de mutação, é nas sombras que se desenha e se formaliza a novidade. Se a tecnologia introduz fatores de ruptura, a identificação e a integração dos conceitos e dos métodos suscetíveis de tirar proveito disso, qualquer que seja o domínio de aplicação, representam um aspecto essencial que essa contribuição tem por ambição esclarecer.

Em que medida a força dos novos meios tecnológicos não retroage sobre os fins a que servem? Redefinindo a natureza das relações entre global e local, a ubiqüidade numérica fundada sobre uma conectividade planetária cada vez mais refinada, redesenha a geografia da utilidade. As TIC provocam um salto quantitativo e qualitativo na precisão do acesso e da mobilização sob medida de fontes espacialmente dispersas. Comunidades de valores reúnem-se virtualmente com base em interesses, em gostos, em inclinações ou em hobbies compartilhados. Proporções negligenciáveis localmente, sua concentração global torna-as, contudo, prontas a desenvolver sua paixão e a pesar econômica ou politicamente. Articulada estrategicamente, uma concentração virtual se revela às vezes mais eficaz do que a sua contraparte material [1], o que não deixa de ser surpreendente! O espaço não representa mais o desacelerador ou o protetor que até agora ele encarnava. O conhecimento disponível no ciber-mundo autoriza uma seletividade crescente nas escolhas fora da limitação das distâncias. A precisão, econômica e informacional, global e em tempo real abre-se para novas formas de organização e de concepção da ação em que as redes constituem a base de uma nova logística onde o virtual e o real sofrem um processo de hibridização, redefinindo as relações entre o local e o global.

Como pensar as novas formas da estratégia de modo pertinente a fim de tirar proveito da convergência tecnológica que se traduz sob a forma de um "coquetel numérico" [2]? Os efeitos ainda fracamente metabolizados desse coquetel nos afastam de uma lógica local de produtos e de estoques pré-definidos para nos conduzir a uma época dominada por uma lógica global de serviços e de fluxo. A interconexão planetária permite dispor dos produtos somente onde e quando eles se mostram necessários. Aí a estratégia se preocupa em organizar e garantir o domínio das condições do fluxo muito mais do que dos próprios estoques. Na era do numérico, a velocidade das transmissões e a sua inteligência [3] se traduzem por ganhos de tempo na apreciação das circunstâncias e da conseqüente tomada de decisão. Nas redes, a definição final dos produtos e dos serviços passa por uma interatividade informacional, que, não somente caminha para um alto nível de precisão mas que é também suscetível de enriquecer as bases de dados dos atores de cada uma das transações. O produto não pré-existe à demanda, ele se constitui em co-definição evolutiva a partir de potenciais disponíveis que mediações criativas e inteligentes calibram em função da natureza das demandas expressas e afirmadas. As vias e os dispositivos de comunicação conferem vantagens no conhecimento que em geral se traduzem em vantagens temporais e qualitativas. Rapidez e precisão se impõem tendo como pano de fundo o apoio necessário de cartografias globais.

Em termos de relação entre os fins que se perseguem, nível da política, e os meios para atingi-los, nível da estratégia, uma lógica reconfortante nos habituou - ao menos no nível do discurso - a enunciar os fins antes de visualizar a natureza e a ordenação dos meios para a eles chegar. Primeiramente por-se um objetivo, em seguida conceber e acionar os meios para concretizá-lo. A linearidade desse processo parece, sob todos os aspectos, implacável. Mas o dogmatismo em estratégia é, como em outros lugares, uma ameaça e o que funcionava corretamente até então pode revelar-se ultrapassado quando as condições e os meios se modificam. Economia ilusória, o dogma pretende deter o tempo, ele mata o pensamento, torna-se impróprio às adaptações e impede que se tire proveito de situações e dados novos. Ora, o poder das tecnologias da informação e da comunicação, meios por excelência da estratégia, agita atualmente a distribuição das cartas no jogo. A linearidade temporal que ligava os fins e os meios, política e estratégia, é presentemente posta em questão em proveito de uma relação em arco quase simultânea. A disponibilidade crescente e o poder dos meios casados com os seus conceitos de uso, redimensiona os fins que eles devem servir inicialmente. Uma livraria virtual fundada sobre as capacidades da internet ultrapassa largamente as possibilidades de um livraria real limitada no tempo e no espaço de suas horas de atendimento e de sua localização geográfica. Num caso como no outro, o fim permanece idêntico pois se trata de vender livros garantindo a interação entre os editores e as comunidades de compradores, mas a conectividade sem limites espaciais e temporais dos meios reticulares alarga o mercado para todo o planeta. A diferença não é apenas quantitativa, é também qualitativa, pois a edição de uma obra especializada que não atingisse seu equilíbrio numa escala local poderia reencontrá-lo no nível global.

Separar e dividir o tempo do pensamento político (fins) e o do pensamento estratégico (meios) é certeza de diminuir o passo quando não de por-se no atraso de uma geração com todas as consequências funestas que isso comporta. Convém atualmente visualizar fins e meios numa relação dialética aberta num mundo em que a precisão e a velocidade multiplicam os efeitos. Isso conduz a integrar uma dose de geometria variável nos projetos e uma abertura para aquilo que o potencial - a vir - dos meios permite. Em outros termos trata-se de aceitar pensar e agir com a incerteza considerando-a não como um obstáculo ou um desacelerador mas como um fator da possibilidade de adaptação criativa às novas condições, tanto às ameaças como às oportunidades. Em 1492, Cristovão Colombo não deu as costas às Américas sob o pretexto que eram as Índias que ele procurava atingir! Um projeto mecanicamente amarrado à sua definição tem dificuldades em tirar partido de uma vantagem não programada. Ao contrário, uma vigília ativa sobre os meios e os seus conceitos de uso alimenta de maneira dinâmica as novas formas de relação dialética com os fins. É o que permitem precisamente as estratégias-rede [4].

A rede é um instrumento ideal para a extração de sinais fracos pertinentes a partir de uma intenção que não repugna ser reposta em questão. Sua estrutura e o potencial que ela articula torna-a apta a enfrentar condições imprevistas apoiando-se em uma leveza adaptativa. Até um certo ponto a partir do qual ele perde coerência e dilui-se numa profusão de interesses divergentes o desconhecido não desintegra a rede mas a enriquece e a faz crescer. Porque permanece evolutivo e não se desgasta em esforços vãos para preservar a qualquer preço formas passageiras, a rede intangível [5] ainda assim permanece para ser tangida. Assim é também a superioridade do cérebro humano sobre a máquina terminada, acabada na sua capacidade e cuja degradação é o destino. Num mundo veloz e incerto aceitar não saber tudo antes de agir aparece como uma condição de sobrevida e inovação. O contrário significa domesticar a surpresa e perder o rumo às suas custas. A rede integra uma parte de incerteza dispondo dos trunfos da malha operacional de suas fontes e de uma natureza não finita.

Estratégica e taticamente, desenvolver uma capacidade de reação em tempo quase real, suspensa entre um saber-fazer adquirido mas limitado e o risco de não encontrar a solução ad hoc no momento adequado não é uma arte fácil. No Japão, no espírito dos antigos samurais o fim está nos meios e estes devem ser o objeto de uma concentração de todos os instantes. O exercício e a mobilização extrema dos meios empurrados para além de seus limites garantem por isso uma eficácia ainda maior. Tal é o sentido da via da vantagem em qualquer situação [6] na cultura estratégica japonesa. Independentemente do fim, aquele que dispõe dos meios mais reativos realiza seus objetivos e tem mais chances a seu favor. Os usos adaptados das tecnologias da informação e da comunicação representam hoje esses meios. Numa imagem ousada, diríamos que as estratégias de redes oferecem agilidade de um samurai coletivo! Pelas colaborações e pelas complementaridades dinâmicas que articulam, são particularmente adaptadas à revolução da precisão que resulta do coquetel numérico. O elemento de base desse coquetel é a informação. Diferentemente de numerosos materiais, a informação como conhecimento não se desgasta quando delas nos servimos, muito pelo contrário! Consumir, trocar, tratar a informação é, inversamente, a caução de seu enriquecimento e de sua integração sob a forma de conhecimento. Seu valor cresce em função de seu uso e de seu enriquecimento; decresce quando a isolamos e quando a consideramos como um estoque seguro, sólido e definitivo. Se hoje como ontem, informação significa poder, sua retenção obsessiva não é o melhor vetor de sua eficácia. Sua rentabilização passa pela troca e pela transformação para formar, alimentar e polarizar comunidades de valores ou ainda para criar "obrigatórios informacionais" ocupados em ir e vir para assim permanecer em posição de receber [7]. A circulação implica na mobilização de outras inteligências além daquela de um só ator e permite ganhar tempo, valor essencial na era do numérico. Suscitando a existência de uma comunidade de valores, de uma lista de discussão, de um fórum de conselhos, a informação é utilizada de maneira positiva ou ofensiva. Hoje, é a comunicação que faz viver ou morrer a informação e é este o objeto maior da estratégia, de suas redes e de seus dispositivos na sociedade do conhecimento.

Pierre Fayard é doutor em Ciências da Informação e da Comunicação pela Universidade de Grenoble III (França). É professor na Universidade de Poitiers e professor visitante da Universidade Pompeo Fabra (Barcelona), na Universidade de Caxias do Sul (RS) e na Universidade Metodista de São Paulo (S. Bernardo do Campo).

Notas

[1] Veja a este propósito o "contra-estratégico virtual" do sub-comandante Marcos, chefe do Movimento Zapatista Mexicano em O Jogo da Interação. Informação e Comunicação em Estratégia. Pierre Fayard, EDUCS, Caxias do Sul, 2000.

[2] Por "coquetel numérico", é preciso entender a convergência tecnológica do computador (poder de cálculo miniaturizado), da capacidade exponencial das memórias informáticas, da generalização do padrão numérico que representa sons, dados, imagens e textos e autoriza a sua manipulação, e também as telecomunicações que se abrem para a conectividade universal. Para mais detalhes sobre o coquetel ver obra acima citada.

[3] É preciso entender inteligência no sentido de "conhecimento íntimo" fundado sobre um tratamento pertinente da informação.

[4] Sob o conceito de "estratégia-rede" ver a obra de Nicolas Moinet e de Christian Marcon, La stratégie - réseau. Essai de stratégie. Zéro Heure Editions Culturelles, Paris, 2000.

[5] Ver a esse propósito o trabalho de Marcel Destienne e Jean-Pierre Vernant. Les ruses de l'intelligence. La métis des Grecs. Flammarion, Paris, 1974.

[6] A esse propósito, ver o clássico japonês da estratégia Ecrit sur les cinq roues. Miyamoto Mushashi, Maisonneuve & Larose. Paris, 1985. Obra sobre o título Le traité des cinq anneaux.

[7] Remete à teoria A.C.E. no Labcis (Université de Poitiers) que associa Área de conivência, Círculo virtuoso de troca de informação e Extensão das redes.

   
           
     

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Atualizado em 10/03/2001

   
     

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