Internet para todos - tão perto e tão longe
   
 

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Os recursos advindos do recolhimento compulsório de 1% sobre todas as contas telefônicas e de serviços de telecomunicações, a partir de janeiro deste ano, significarão cerca de um bilhão de reais anuais a serem depositados no Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust) - para realizar justamente o que o nome do fundo indica: universalizar esses serviços. O Ministério da Ciência e Tecnologia propôs um orçamento aproximado superior a R$3 bilhões (combinando verbas federais e parcerias com o setor privado) para executar nos próximos três anos um programa de desenvolvimento da sociedade do conhecimento no Brasil.

Se juntarmos a isso as obrigações contratuais de universalização já embutidas nas concessões de serviços de telefonia e telecomunicações - que as telefônicas são obrigadas a cumprir sem subsídios do Fust ou de qualquer outra fonte -, estão dadas as condições financeiras potenciais para um salto na democratização das comunicações digitais e difusão do conhecimento no país.

"Potenciais" e não "reais", infelizmente, porque ainda não há um programa concreto detalhado de desenvolvimento que garanta, com a aplicação de todos esses recursos, a realização de tarefa tão grandiosa. Sabemos como se pode gastar muito (e rapidamente) recursos no Brasil com resultados insatisfatórios ou até desastrosos.

Um papel crucial dos administradores desses recursos e dos planejadores do desenvolvimento da base tecnológica para a sociedade do conhecimento deve ser o de alavancagem: é preciso garantir a implantação coordenada de infra-estrutura, criar as condições básicas necessárias nas localidades de cada município (por menores que sejam) para que os empreendedores locais possam tomar suas próprias iniciativas, para que o serviço público local possa usufruir dessas novas tecnologias, para que o aprendizado seja mais eficaz e sobretudo mais universal.

Um aspecto essencial dessa infra-estrutura básica é que seja relativamente barato e eficaz ativar um serviço local de troca de dados - enfim, tal como um pequeno agricultor em local remoto precisa de uma estrada vicinal para transportar seus produtos, uma pequena comunidade precisa de um acesso local à espinha dorsal da Internet. Só que o custo de implantação e manutenção desse acesso é muito menor que o da igualmente necessária estrada vicinal.

É através desses acessos locais que os provedores de serviços de rede, as representações locais da administração pública, as escolas e empresas fazem suas conexões locais à Internet. Sem esses acessos, a alternativa é que cada usuário faça sua ligação por linha telefônica interurbana, com qualidade sofrível e alto custo. Seguindo a analogia com o pequeno agricultor, sem a estrada vicinal ele terá que transportar seus produtos em lombo de burro até a estrada mais próxima.

No entanto, um levantamento feito em junho de 1999 para o CNPq e o PNUD** do número desses pontos locais de acesso (chamados tecnicamente de "pontos de presença" ou POPs, do inglês points of presence) no país, indicavam que havia POPs em 148 municípios (somando os das duas principais espinhas dorsais - Rede Nacional de Pesquisa e Embratel) - apenas 27 em cada mil municípios tinham "estradas vicinais" digitais à Internet. Pouco mais de um ano depois (setembro de 2000), o levantamento foi atualizado: eram 164 POPs dessas duas espinhas dorsais - um crescimento de apenas 10%. O estudo encontrou ainda 110 outros POPs (a maioria dos quais já existentes em 1999) de uso restrito a redes institucionais estaduais, que portanto não estão em tese abertos ao uso por empreendedores locais. Enfim, em qualquer caso, o número de POPs por município continuaria inferior a 6%.

Há muitos outros pontos de presença de redes de comunicação de dados espalhados pelo Brasil afora (interconectando centrais de distribuição de telefonia, por exemplo), mas estes não são de uso geral – ou seja, um empreendedor local não pode criar um serviço Internet na cidade contando com uma conexão local a esses pontos especializados. É possível que muitos deles possam ser convertidos ou melhorados para funcionar também como pontos de entrada de “estradas vicinais” digitais à Internet, mas levantar essas possibilidades requer um estudo aprofundado da realidade de nossa infra-estrutura.

É claro que em áreas mais ricas (estado de São Paulo, por exemplo), há iniciativas em andamento, como a parceria do governo estadual com a Telefônica para conectar escolas públicas, e a própria rede mantida pela Fapesp (a ANSP). Mas é importante notar que mesmo São Paulo, que tem 645 municípios, conta com POPs de uso geral (ANSP/RNP e Embratel) em apenas 45.

Mesmo sendo essencial e mesmo lembrando da "rapidez" dos tempos da Internet, o fato é que essa alavancagem no Brasil praticamente parou no tempo. É inegável a importância e pioneirismo da política original implantada a partir de maio de 1995 com a criação do Comitê Gestor da Internet, com a tônica da "capilarização dos serviços de valor agregado", que permitiu uma explosão de empreeendimentos de provimento de serviços Internet. No entanto, essa alavancagem ficou restrita a menos de 6% dos municípios brasileiros. No resto, cada um por si e Deus para os mais ricos.

Sem os POPs em cada cidade, seria muito ineficaz ou impossível garantir boa conectividade, por exemplo, de todas as escolas públicas do país à Internet – não é suficiente, além de ser equivocado, começar instalando microcomputadores em cada escola para isso sem antes resolver, entre outros, o problema do acesso local à rede. Nos municípios em que não existe acesso local, cada escola pública, cada “quiosque Internet” sendo planejado por algumas entidades governamentais e privadas, cada unidade de saúde, enfim, cada usuário tem fazer a conexão à Internet individualmente por linhas telefônicas interurbanas ou instalar circuitos dedicados interurbanos - uma situação de ineficácia extrema e custo elevado. Cada um estaria fazendo seu próprio acesso local e pagando muito mais do que se conectasse a um POP comum de melhor qualidade e muito mais velocidade no próprio município. Do ponto de vista de igualdade de oportunidades, este município estaria em extrema desvantagem em relação aos que já contam com uma rampa comum de acesso às infovias.

Além das rampas de acesso, é preciso pensar em soluções que levem em conta a desigualdade extrema de renda familiar no Brasil. Não se pode esperar que, instalado um POP no município e um ou mais provedores de acesso, cada família, por mais pobre que seja, acabe adquirindo seu micro (por mais barato que seja), tenha sua linha telefônica e as condições de pagar pelo acesso e aprenda a usar a rede a curto prazo. Como em muitos outros países (inclusive os mais desenvolvidos), buscam-se alternativas mais sensatas, e uma delas é o que podemos chamar de “telecentro comunitário”. Tal como existem postos telefônicos (seja um telefone público ou uma sala com várias cabines telefônicas públicas), os telecentros comunitários são “postos de serviços Internet” para a comunidade, que podem servir a vários propósitos - acesso à Internet, treinamento no uso básico de um computador e pequeno birô de serviços (edição, digitalização e impressão de documentos etc). Para que esses telecentros funcionem bem, a rampa de acesso local é necessidade fundamental.

Imagine por exemplo o cidadão de um pequeno município afastado das capitais ou grandes centros que precisa recorrer ao PROCON. Não há como, nas condições de comunicação atual - ele gastaria tanto para chegar ao PROCON mais próximo (correndo o risco de ter que esperar muito para ser atendido, já que esse atendimento, mesmo em algumas capitais, é sofrível) que acabaria desistindo. Imagine agora que o PROCON fosse um sistema de atendimento na Internet, que pudesse inclusive manter um "ranking" nacional de reclamações de empresas e produtos, meios de acesso direto ao atendimento de empresas etc, e que houvesse pelo menos um telecentro comunitário em cada município, permanentemente conectado (de novo, a rampa...) para acesso à Internet. A custo muito mais baixo que criar um escritório do PROCON em cada município, todos os brasileiros passariam a ter condições similares de usufruir das leis de proteção ao consumidor. Há uma infinidade de outros exemplos que o leitor poderá facilmente imaginar.

É claro que sem essa alavancagem básica da infra-estrutura Internet no país, o potencial de desenvolvimento da sociedade do conhecimento ficará restrito a uma pequena porcentagem da população e a uma porcentagem ainda menor de municípios.

Há várias propostas de democratização do acesso à Internet, e várias delas já estão sendo postas em prática em escala pequena ou localizada. Já mencionamos o projeto do governo do Estado de São Paulo. Há (por coincidência, também em São Paulo) outras iniciativas buscando criar e manter telecentros comunitários. Há até uma fundação dos EUA que escolheu São Paulo e Porto Alegre para instalar 90 telecentros comunitários em um experimento piloto com a promessa de espalhar a iniciativa para outras regiões. E há ainda a iniciativa do Sampa.org, de implantar pequenos telecentros em áreas mais pobres da periferia da Grande São Paulo.

Em outras cidades há iniciativas similares - mas a soma de todas é ainda irrisória em termos de impacto nacional, e uma das grandes barreiras à implantação efetiva desses espaços comunitários é, como vimos, conectividade precária ou inexistente – veremos também que essa conectividade no Brasil, quando existe, é exorbitante. Essas iniciativas valem no entanto como primeiras acumulações de experiência, e justamente por isso têm a responsabilidade fundamental de democratizar o aprendizado desses experimentos.

Outro caminho sugerido passa pela oferta de micros baratos, a serem vendidos a crédito subsidiado. Um inconveniente é que o micro minimalista (tal como o celular com aquela micro-tela) não permite, sem um apreciável custo adicional, estender o uso para várias finalidades profissionais em interação com a Internet que vão muito além de simplesmente digitar uma mensagem e visualizar e-mails ou sites Web. E ainda mais: as soluções de democratização não devem ser restritas apenas ao computador individual, por mais barato que este seja (mas é claro que isso ajuda), dada a situação de concentração de renda do país.

Todas essas propostas, se combinadas adequadamente e despidas de exageros, alguns erros óbvios e interesses setoriais, poderiam contribuir para um todo - uma política nacional de incentivo ao acesso universal. Para que o país tenha projetos compatíveis com os recursos disponíveis e com o tamanho do desafio a ser enfrentado, será preciso combinar políticas industriais, educacionais, culturais etc, com uma metodologia (aprendida de experiências já existentes em vários países) de generalização social e geográfica do acesso, com foco no incentivo ao desenvolvimento local de serviços de valor agregado em torno da rede e priorizando soluções comunitárias.

A estas estratégias será preciso acrescentar uma política de preços de serviços de infra-estrutura. É indecente o preço de conectividade no Brasil. Um circuito de baixa velocidade (64 Kb/s) conectando um pequeno provedor de acesso a uma rampa local (o POP) custa no Brasil mais de US$600 por mês - mais da metade do que custa um circuito local 24 vezes mais rápido (1,54 Mb/s) nos EUA. Isso é agravado pelo fato que os custos de infra-estrutura e de recursos humanos para as concessionárias de telecomunicações são iguais ou menores que nos EUA (estamos falando de uma mesma tecnologia com a mesma demanda de expertise). Esperar que o mercado reduza os preços é atrasar ainda mais a universalização da rede no país - não há provedor pequeno ou médio que possa manter uma margem de rendimento adequada com tais custos, e a competição entre serviços de transmissão de dados mesmo nas grandes cidades é ainda muito insuficiente para forçar uma redução de preços.

Este é um ponto importante para definir políticas adequadas de alocação de recursos do Fust - já que aparentemente grande parte desses recursos será usada para subsidiar custos de conectividade. No caso da proposta do micro minimalista mencionada acima, por exemplo, sugere-se que esses micros poderiam discar para um número determinado em que não haveria cobrança de interurbano nem de impulsos para o usuário final - essas chamadas seriam custeadas pelo Fust. Ou seja, os recursos do Fust voltam para as empresas telefônicas pagando por serviços de conectividade.

Essa idéia não é necessariamente ruim (desde que os recursos do Fust não sejam usados só para isso) - afinal, entre os subsídios necessários para a universalização de acesso está o pagamento de serviços de conectividade, prestados pelas mesmas empresas que repassam recursos ao Fust. O problema acontece quando se pagam essas contas pelos preços comerciais fixados pelas empresas. Como já vimos no caso dos circuitos dedicados, esses preços são absurdamente altos e tem que haver uma política de dispêndio do Fust que remunere os custos de conectividade e de implementação dos pontos de acesso, e não os preços comerciais cobrados por essas operadoras - ou seja, teria que ser definida uma espécie de "tabela Fust" para esses preços. De outro modo, estaria aberta a possibilidade até de as empresas sugerirem um aumento (!) da porcentagem repassada ao Fust, porque isso remuneraria serviços de altíssima lucratividade dessas mesmas empresas.

Enfim, o que vai realmente fazer a diferença será a política de alavancagem de impacto nacional, passando pela implantação generalizada de infra-estrutura, pela coordenação de vários setores de atividade em um programa comum, pelo apoio a empreeendimentos locais e pela capacitação de quadros em cada localidade. Com isso garantido (o que está longe de ser simples), com o apoio de fundos como o Fust e outros a projetos de empreendedores locais (com ou sem finalidade lucrativa), as próprias comunidades darão conta de grande parte do recado.

Mas é preciso muito mais agilidade. Não podemos manter esse crescimento da infra-estrutura básica em 10% ao ano - nesse ritmo, levaríamos mais de 30 anos para contarmos com infra-estrutura de acesso em todos os municípios, uma eternidade em termos de "tempos Internet".

Lembremos, por fim, que do ponto de vista da economia como um todo, o impacto da Internet só será realmente significativo quando uma grande parte da nação estiver conectada. Hoje o número de usuários oscila entre cinco e nove milhões (dependendo da fonte consultada - as empresas ligadas à chamada "nova economia" tendem a inflar os números, por exemplo). O surpreendente é que há um ano esses números eram praticamente os mesmos - ou seja, todas as fontes acabam reconhecendo que a curva de crescimento de usuários Internet tornou-se quase horizontal. As razões já vimos - não há uma política nacional de alavancagem que estimule empreendedores locais a criarem serviços que atraiam mais usuários. Não há, por outro lado, uma política nacional que busque soluções alternativas (comunitárias) para os usuários que não podem seguir o perfil norte-americano de expansão (baseado no usuário individual que tem seu próprio micro e pode pagar por uma conta na Internet e pelos gastos de telefonia). É um caso similar ao da TV a cabo - depois que cobriu o grosso das famílias de classe média, o negócio ameaça estagnar.

A oportunidade de recursos já mencionada para alavancar o desenvolvimento da rede e mudar significativamente essa situação não pode ser desperdiçada.

Carlos A. Afonso é secretário do Conselho do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e diretor de desenvolvimento da RITS (Rede de Informações para o Terceiro Setor).

** Este estudo, de autoria de Carlos A.Afonso, Cláudio Brito e Fernando Kneese, está citado no Livro Verde do Programa Sociedade de Informação. Este artigo foi publicado no site no. em 12 de fevereiro de 2001 e na Revista do Terceiro Setor em 23 de fevereiro de 2001.

   
           
     

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Atualizado em 10/03/2001

   
     

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