Participação
para futuro sustentável
O governo
brasileiro caminha bem na criação de propostas de
políticas públicas para a conservação
ambiental. É a Agenda 21 brasileira que está no topo
dos debates acerca do caminho que pode levar o país a adotar
medidas ambientais sustentáveis. Permeando as ações
em favor do desenvolvimento sustentável está o planejamento
participativo, que envolve as instituições públicas,
organizações não-governamentais e as populações
diretamente atingidas pelas políticas ambientais. No quesito
participação, entretanto, existem exemplos positivos,
como o das Reservas Extativistas, mas também negativos, como
as definições sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico
(ZEE) que aconteceram exclusivamente na esfera governamental. O
desenvolvimento sustentável inclui uma mudança no
modelo econômico e, se executado eficientemente, pode ser
um meio de inclusão social.
O Ministério
do Meio Ambiente (MMA), através da Secretaria de Políticas
para o Desenvolvimento Sustentável, desenvolve normas e estratégias
para harmonizar a relação entre o setor produtivo
da economia e o meio ambiente. Segundo o MMA, essa secretaria ainda
deve contribuir para: a formulação da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável; o desenvolvimento
de instrumentos econômicos para a proteção ambiental;
a contabilidade e valoração econômica dos recursos
naturais; os incentivos econômicos fiscais e creditícios
a projetos de desenvolvimento sustentado; o fomento de tecnologias
de proteção e recuperação do meio ambiente
e de redução dos impactos ambientais; o estímulo
à adoção pelas empresas de códigos voluntários
de conduta e tecnologias ambientalmente adequadas; e a promoção
do ecoturismo.
A Agenda
21 é uma tentativa abrangente de promover, em todo o planeta,
um padrão de desenvolvimento que concilie mecanismos de proteção
ambiental, eqüidade social e eficiência econômica.
Para ela, contribuíram governos e instituições
da sociedade civil de 179 países durante um processo preparatório
de dois anos, o qual culminou na realização da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), também conhecida por ECO-92. Ela pode ser definida
como um processo de planejamento participativo, que analisa a situação
de um país, estado, município ou região, preparando
medidas para um futuro sustentável. Nesse processo, devem
estar envolvidos todos os atores sociais, em especial quando se
trata de discutir os principais problemas e de formar parcerias
e compromissos para encontrar soluções a curto, médio
e longos prazos. O enfoque da Agenda não está restrito
às questões ambientais, porque rompe com todo o planejamento
desenvolvido há décadas, que privilegiava apenas o
ponto de vista econômico das decisões políticas.
Ela também considera estratégias para a geração
de emprego e de renda, a diminuição de disparidades
regionais, as mudanças nos padrões de consumo e produção,
a construção de cidades sustentáveis e a adoção
de novos modelos de gestão.
Planejamento
participativo
No planejamento participativo, as necessidades das populações
favorecidas são privilegiadas durante a elaboração
de planos de ação estratégicos que têm,
em geral, resultados de longo prazo. São eles que elegem
as questões prioritárias para alcançar a sustentabilidade,
a qual não envolve apenas aspectos ambientais, mas também
econômicos e, em especial, sociais. Desse processo, também
participam instituições públicas e não-governamentais.
A implementação
de Reservas Extrativistas na Amazônia tem sido um modelo de
planejamento participativo. Diferentemente das Unidades de Conservação
Ambiental, criadas no país a partir de meados da década
de 50, mas que não respeitaram as comunidades que habitavam
essas áreas antes que elas se tornassem relevantes à
conservação ambiental. Muitos perderam o direito sobre
as terras e, aqueles que puderam ficar, foram impedidos de extrair
os recursos da mata para sobreviver. O conceito de Reserva Extrativista
tem sido um contraponto a esse modelo de gestão feito "de
cima para baixo".
Um
exemplo é a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, criada
em 12 de março de 1990. Segundo o Conselho Nacional dos Seringueiros,
a proposta da reserva nasceu da luta dos seringueiros, indignados
com o modelo de desenvolvimento imposto pelo governo federal nos
anos 70, que visava a implantação de projetos agroflorestais,
de mineração, madeireiros e agropecuários,
que não levavam em conta as necessidades da população
local. Com a criação da reserva, as terras passam
a pertencer à União, mas as pessoas que ali trabalham
ou habitam podem continuar a extrair da floresta o seu sustento,
desde que obedeçam a planos de manejo formulados em conjunto
com representantes do governo, da sociedade civil e das comunidades
favorecidas.
Se
algumas políticas públicas consideram fundamental
a participação popular, outras ainda priorizam a opinião
de técnicos e instituições governamentais.
É o caso do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE)
que, em 1981, tornou-se um instrumento de planejamento estabelecido
pela Política Nacional de Meio Ambiente. Segundo o Ministério
do Meio Ambiente, o ZEE deve subsidiar estratégias e ações
para a elaboração e execução de planos
regionais (ocupação dos espaços e redirecionamento
de atividades) para o desenvolvimento sustentável, mas onde
foram iniciados esses planos, como Mato Grosso, Rondônia,
Rio de Janeiro e Amazônia Legal, os debates e decisões
ficaram restritos ao governo.
Embora
o ZEE disponha de um mecanismo integrado de diagnóstico sobre
o meio físico-biótico, a sócio-economia e a
organização institucional, ele corre o risco de ir
na contramão do desenvolvimento sustentável, já
que não releva as demandas das comunidades que moram ou trabalham
na área em que ele é implantado.
Financiamentos
Dez anos após a ECO-92, o Brasil formatou a sua própria
Agenda 21, também denominada Agenda 21 brasileira. Ela foi
finalizada em julho deste ano e precisa, a partir de agora, ser
implementada. Porém, a diminuição dos investimentos
governamentais para projetos de desenvolvimento sustentado, entre
outros fatores, põe em dúvida a realização
desse "sonho de sustentabilidade" econômica, social
e ambiental. Segundo uma análise da liberação
de verbas do Orçamento da União, realizada pela organização
não-governamental Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc), menos de 2% do dinheiro previsto para programas de meio
ambiente saiu dos cofres públicos neste ano. O corte acontece
no momento em que se deveria iniciar a fase de implementação
das metas estabelecidas pela Agenda, na qual o governo federal tem
o papel fundamental de deslanchar e facilitar esse processo em todas
as esferas públicas. Tudo isso, é claro, tem viabilidade
quando existem, além de vontade política, financiamentos
específicos. Segundo o físico José Goldemberg,
secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo,
seriam necessários ao menos 700 bilhões de dólares
para cumprir a Agenda.
O biólogo
João Paulo Capobianco, diretor do Instituto Socioambiental
(ISA), avalia negativamente a evolução das políticas
públicas para o desenvolvimento sustentado. Ele enfatiza
que os indicadores ambientais pioraram: houve acréscimo nos
índices de desmatamento da Amazônia, constatou-se maior
número de queimadas na Mata Atlântica e no Cerrado,
e ocorreu diminuição no uso de fontes renováveis
de energia. "Por outro lado, a legislação teve
um quadro de evolução jamais visto na história
do país. Foram, enfim, aprovadas a Lei de Crimes Ambientais,
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e o
Programa Nacional dos Recursos Hídricos, por exemplo. Também
houve ações importantes de avaliação
dos biomas brasileiros e de certificação florestal.
Isso demonstra que o Brasil não ficou parado e investiu em
iniciativas que podem reverter o processo de degradação
da natureza". No entanto, Capobianco alerta que, apesar desses
avanços, a questão da sustentabilidade não
foi incorporada de forma plena às políticas públicas
instituídas pelo governo federal. "Os recursos para
essa finalidade ainda são pequenos se comparados ao volume
de dinheiro que é investido no antigo modelo econômico
predatório. As iniciativas inovadoras não conseguem
passar do plano piloto", afirma o diretor do ISA.
Propostas
e viabilidade
Na Agenda 21 brasileira, elaborada segundo metodologia participativa,
na qual há parceria entre governo, setor produtivo e sociedade
civil, foram feitas propostas resumidas em seis eixos temáticos.
Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura
e Integração Regional, Gestão dos Recursos
Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência
e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável deverão,
teoricamente, ser incorporadas como políticas públicas
aos Planos Plurianuais (PPA) do governo, uma obrigação
constitucional brasileira. A cada quatro anos o Congresso Nacional
aprova programas nos quais serão aplicados os recursos públicos
do país.
Mesmo
que sejam incorporadas ao PPA, essas propostas não serão
viáveis sem que o governo passe a ser protagonista das mudanças,
garantindo o investimento que as contemple. "Grande parte do
dinheiro investido vem do exterior. O Brasil investe pouco nas iniciativas
inovadoras, e os próprios bancos de financiamento agrícola
e industrial não patrocinam o desenvolvimento sustentado.
O financiamento público precisa focar nessas iniciativas",
afirma Capobianco. Para o biólogo, a dependência que
o país tem da cooperação internacional para
obter recursos demonstra o pouco envolvimento do poder público
nas questões ambientais. "Há quem ainda proponha
a expansão da fronteira agrícola como modelo de desenvolvimento.
Assim, repete-se a degradação". Além disso,
os recursos internacionais são insuficientes e instáveis,
já que dependem de conjunturas políticas que escapam
ao domínio do governo brasileiro.
Apesar
de complexa, a Agenda 21 brasileira poderia começar a ser
implementada com sucesso. Algumas idéias contidas no documento
já são consagradas, como a proteção
dos recursos hídricos, a agricultura sustentável e
o investimento em energias renováveis. "Para um país
como o Brasil, com enorme diversidade e abundância de recursos
naturais, não é difícil buscar alternativas
que, ao mesmo tempo, sejam economicamente viáveis e ambientalmente
sustentáveis. Por que não investir mais em energia
limpa?", questiona o diretor do ISA. "Quem define a economia
do país continua tendo uma visão ultrapassada de desenvolvimento",
conclui.
(SN)
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