Prefeituras
aderem à municipalização da educação
O governo
federal intensificou, a partir da década de 1990, o processo
de municipalização do ensino fundamental, que compreende
oito anos da vida do estudante. Tornar o ensino fundamental uma
responsabilidade das prefeituras, e não mais do governo estadual,
tem como objetivo aumentar a participação dos cidadãos
na elaboração, implementação e avaliação
do processo de ensino-aprendizagem. Mas essa política apresenta
também dificuldades em sua implementação.
A pesquisadora
do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação
Carlos Chagas, Ângela Maria Martins, explica que, a municipalização
do ensino, permitiu a relocação do centro de poder
e que as secretarias municipais se tornaram mais visíveis.
As negociações passaram a ocorrer diretamente, pois
os integrantes do processo estão mais próximos. Uma
das principais justificativas para a municipalização
é que, tanto professores como diretores, além dos
próprios pais e alunos, tinham uma relação
distante com o governo estadual e, ao tornar o município
responsável pela educação, eles estariam mais
próximos da administração.
De
acordo com a pesquisadora, um dos principais benefícios é
que os professores se sentem mais cuidados e seguros, com maior
suporte para aplicar o seu trabalho. Porém, na pesquisa Análise
da implementação do convênio Estado/Município
no estado de São Paulo, realizada de 1997 a 2002, Martins
constatou que a municipalização criou uma instabilidade
profissional para os professores. Aqueles que reivindicam melhores
salários correm o risco de serem transferidos para escolas
distantes de suas residências ou de serem demitidos. Segundo
ela, a medida, que encurtou-se a proximidade com o poder, aumentou
a vulnerabilidade do profissional.
O
que diz a lei
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), publicada
em 20 de dezembro de 1996, define, em seu artigo 32, da Seção
III - Do Ensino Fundamental, que, nesse período, o aluno
deve desenvolver a sua capacidade de aprender e dominar a leitura,
a escrita e o cálculo, compreender o ambiente onde está
inserido, adquirir valores e atitudes de convivência no meio
social e fortalecer o vínculo com a família.
Espera-se
que, ao longo de sua vida escolar, o estudante receba ensino público
e gratuito de qualidade. O ensino fundamental ficaria, então,
a cargo dos municípios, o ensino médio a cargo dos
governos estaduais e o ensino superior a cargo do governo federal.O
problema é que, no meio desse caminho há inúmeros
desvios, como a dificuldade do governo federal, estadual e municipal
em estabelecer metas conjuntas.
Ao
instituir, em 1º de janeiro de 1998, o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef), o governo federal incumbiu os municípios de
assumirem a responsabilidade pelo ensino fundamental, mas não
os obrigou a isso. A estratégia para atrair o interesse de
prefeitos a assumirem tal compromisso foi liberar recursos.
Em
texto publicado pelo Ministério da Educação,
o ministro Paulo Renato Souza elogia o Fundef por incentivar o aumento
do número de matrículas no ensino fundamental, melhorar
os salários dos professores, favorecer os planos de carreira
municipais, estimular a oferta de vagas e permitir a capacitação
de professores leigos - obedecendo a uma das exigências da
LDB, que é fazer com que, até 2006, todos os professores
tenham formação média ou superior.
Um
trabalho publicado no Caderno de Pesquisa nº 38 do Núcleo
de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Unicamp,
em 1998, intitulado Descentralização da Educação
no Brasil: as reformas recentes no ensino fundamental, revela
que descentralização e desconcentração
são palavras-chaves no processo de municipalização,
com vistas a tornar as unidades escolares autônomas. "Essa
descentralização, na verdade, distribuiu encargos
aos municípios, sem a garantia de uma correspondente fonte
estável de financiamento", mostram os pesquisadores.
O Nordeste
foi a primeira região brasileira a adotar a municipalização
do ensino. Desde 1995, como explica o pesquisador do NEPP, José
Roberto Rus Perez, o estado de São Paulo avança na
municipalização apenas da 1ª à 4ª
séries. Até 1998, o estado era responsável
por 80% das matrículas do ensino fundamental. Ele afirma
que há uma certa resistência ao novo processo, pois
a tradição rezava que o ensino deveria estar nas mãos
do governo estadual. Ao passá-la para os municípios,
criou-se uma certa confusão, pois faltam, entre outras coisas,
profissionais preparados para fazer a capacitação
dos professores e aplicar cursos.
Uma
das questões polêmicas, a seu ver, é que o Fundef
tornou-se um atrativo para vários administradores municipais,
mais preocupados em receber os recursos do que em investi-los na
qualidade do ensino. Pela lei, o município deve aplicar na
educação 25% da sua receita, provenientes do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), do Fundo de Participação dos Estados e do
Distrito Federal e dos Municípios, e da parcela do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI). Esse dinheiro deve ser gasto
na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental
público e na valorização do magistério.
Nas regiões em que as redes municipais têm mais estudantes,
as escolas têm direito a mais verbas que as da rede estadual
e vice-versa.
População
apóia a idéia
Desde a Constituição de 1988, os municípios
receberam mais recursos para investir na educação
e foi aí, na opinião de Perez, que os administradores,
que antes não exigiam o direito de cuidar dessa área
em nome da qualidade do ensino, se viram atraídos pelas verbas
federais. "É uma municipalização por recursos
financeiros", explica. Se os municípios adquiriram mais
poder na gestão educacional, muitos sentem-se sufocados com
o peso de arcar com o sistema fundamental. Para ele, não
interessa se a escola pertence ao governo estadual ou ao município,
o importante é que haja um ensino de qualidade para os alunos.
Ele cita o exemplo de Mato Grosso, em que a Secretaria Estadual
de Educação criou o Sistema Único de Ensino
para evitar discrepâncias.
Campinas
(SP) é uma das cidades que não municipalizou o ensino.
A alegação é que há 93 mil alunos do
ensino fundamental pertencentes ao estado de são paulo e
que o Fundef repassa apenas R$ 8 milhões ao ano, quando o
gasto seria de R$ 40 milhões para assumir toda a rede. Ainda
assim, o vereador Paulo Búfalo (PT) entrou, no início
deste ano, com uma ação no Ministério Público
Estadual para que os recursos do Fundef retornem para Campinas.
Ele esclarece que, até o final deste ano, o município
perderá R$ 40 milhões, que poderiam ser aplicados
na construção de 60 creches, cada uma equipada para
atender 120 crianças em período integral.
Para
o vereador, ao municipalizar o ensino, o governo acabou por centralizar
os recursos no Fundef e que nem sempre há uma destinação
correta dos 25% dos recursos oriundos de impostos, como prevê
a lei, na educação. Ele acredita que o ensino fundamental
deve ser fruto de uma parceria do governo estadual com o município.
(RB)
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