Microcrédito garante recursos para os excluídos
No
Brasil, metade da população economicamente ativa trabalha
em microempresas - com até cinco empregados - mas somente
4,8% desses microempreendimentos conseguem obter empréstimos
bancários. Existe, hoje, uma grande demanda por microcréditos
no país, um mercado potencial de seis milhões de pessoas
com baixa renda e que não têm condições
e aval para crédito bancário.
A principal
política pública para atender essa carência
é a criação do chamado Banco do Povo, um programa
de microcrédito que estabelece uma nova relação
entre credor e investidor, incluindo consultorias técnicas
e acompanhamento. Esses tipos de bancos populares funcionam através
de uma agência financiadora, como os bancos federais ou governos
estaduais e municipais, em parceria com organizações
não governamentais ou grupos de empresários.
Com
essa política, os pequenos empreendedores do trabalho informal
ou de microempresas conseguem investimentos de até 10 mil
reais com juros baixos (que variam de 1% até 4% ao mês).
É o chamado crédito produtivo, para produzir impactos
sociais no combate ao desemprego e a pobreza. Nos últimos
sete anos, quando começaram a ser criadas medidas para ampliar
o microcrédito no Brasil através do Conselho da Comunidade
Solidária, foram beneficiados cerca de 150 mil pessoas.
Segundo avaliação do próprio conselho, o acesso
da população de baixa renda ao microcrédito
ainda é reduzido.
Até
o ano de 1994, eram poucas as opções de microcrédito
no Brasil, com cerca de 20 agências de financiamento popular.
No ano de 1995, o Conselho da Comunidade Solidária começou
a discutir formas legais e apoios de organizações
não governamentais para expandir o microcrédito no
Brasil. Em 1996 o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) passou a apoiar as iniciativas populares com a
criação do Programa de Crédito Produtivo Popular.
Até o final de 2001, o BNDES apoiou 31 instituições,
com investimentos de R$ 55,8 milhões.
"O
papel do Conselho da Comunidade Solidária foi despertar esta
questão, discutir com o governo e a sociedade e passar a
idéia para frente", diz Valéria Rezende, assessora
de interlocução política do conselho. Segundo
Rezende, o calote é baixo entre os beneficiados, com cerca
de 3% a 5% de inadimplência após 30 dias, porque a
metodologia usada é baseada em um capital social. "Um
credor avalisa o outro, se um fura, o outro paga. O grupo acaba
fazendo a exclusão dos não pagadores, ou então
ele muda de conduta", afirma. Ela explica que a política
pública do microcrédito é uma forma alternativa
de renda para manter as famílias, na maior parte direcionada
às mulheres pela forte ligação familiar e a
garantia do investimento nos filhos e na casa.
De
acordo com a legislação, a estrutura do setor de microfinanças
é formada por instituições chamadas de "primeira
linha" (da sociedade civil, do setor público e da iniciativa
privada) e de "segunda linha" (BNDES, através do
Programa de Crédito Produtivo Popular - PCPP e do Sebrae
com o Programa de Microcrédito). As instituições
de "segunda linha" oferecem capacitação,
apoio técnico e recursos financeiros para as instituições
de "primeira linha", que atuam diretamente com o cliente.
Em
agosto de 2001 entrou em vigor a Medida Provisória 2.172-32/01
para legalizar as transações de microcréditos
com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs). Antes disso, todas as iniciativas da sociedade
civil, por não serem entidades financeiras e não estarem
vinculados ao Banco Central, estavam sujeitas à Lei da Usura,
que limita a cobrança de taxas de juros em até 12%
ao ano. Em 2001, também foi publicada a Lei 10.194, tornando
possível a criação de Sociedades de Crédito
ao Microempreendedor (SCM), liberando juridicamente a iniciativa
privada para atuar como uma instituição de "primeira
linha" em organizações de microcrédito.
Hoje, no Brasil, existem 67 OSCIPs de microcrédito e 24 SCMs.
Estados
e municípios
As políticas de microcréditos aos trabalhadores de
baixa renda estão presentes na maioria dos estados e em muitas
prefeituras no Brasil, com poucas diferenças entre elas.
Em 1995, o surgimento da Portosol, uma parceria entre a Prefeitura
de Porto Alegre e a sociedade civil, se transformou em referência
para a criação de ONGs direcionadas ao microcrédito.
Até o final de 2001, a Portosol realizou cerca de 28,5 mil
operações de crédito no valor de R$ 38,7 milhões.
O Banco
do Povo de Goiás funciona através de um convênio
entre o governo do estado, as prefeituras e ONGs. O governo estadual
através da Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento criou
o Fundo Especial de Geração de Emprego e Renda (Funger)
para investir os recursos nas prefeituras que, em parcerias com
as ONGs, formam o Banco do Povo. Os empréstimos variam de
R$ 300,00 a R$ 2 mil reais, para serem pagos em oito meses com taxas
de juros de 1% ao mês. No último balanço apresentado
no final de setembro, o Banco do Povo de Goiás realizou cerca
de 20 mil contratos em 152 cidades do estado, gerando aproximadamente
40 mil empregos.
Um
exemplo de investimentos através do microcrédito em
Goiás é a fábrica de biscoitos em São
Luiz de Montes Belos, de Edson Silvério Xavier. No começo
do negócio, ele fabricava cerca de 20 pacotes por semana
e fazia a entrega com um bicicleta. Depois do financiamento, Xavier
ampliou a fábrica e comprou mais um forno. Hoje a produção
é de 2.300 pacotes por semana, distribuídos em 63
cidades. A confecção de camisetas de João Reis
da Silva, na cidade de São Francisco de Goiás, também
recebeu o microcrédito. Silva emprestou R$ 1,5 mil para comprar
três máquinas e aumentar a produção.
Depois de quitar o financiamento do Banco do Povo, ele emprestou
mais R$ 1 mil para terminar de pagar as máquinas.
Em
Recife, o Banco do Povo coordenado pela prefeitura tem um programa
de crédito orientado, que inclui cursos e acompanhamento.
A coordenadora de capacitação e treinamento, Josineide
Souza, diz que o dinheiro é liberado para trabalhadores informais,
sem registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (C.N.P.J.),
e para microempresas. "Depois de preencher um cadastro, de
receber a visita e de ser feita a viabilidade do projeto, é
dado o curso Criação de Novos Negócios, de
15 dias, para quem nunca teve experiência. Para quem já
é atuante, há um curso técnico de cinco dias",
diz Josineide. Durante a avaliação do negócio
é estipulada a quantia a ser emprestada, com limite de R$
5 mil para os trabalhadores informais e de R$ 10 mil para os formais.
O empréstimo é retirado no Banco do Brasil ou na Caixa
Econômica Federal.
O Banco
do Povo de Juiz de Fora, em Minas Gerais, foi criado em 1997
e hoje reúne 19 agências na região. O superintendente
Velasques Nunes de Paulo diz que o banco surgiu com uma iniciativa
da prefeitura e a união de 11 empresários para a criação
de uma OSCIP. O banco tem uma linha de crédito para capital
de giro, que varia de R$ 200,00 a R$ 5 mil reais e outra para investimentos
em equipamentos que chega até R$ 10 mil. A taxa de juros
é de 3,9% ao mês.
História
do microcrédito
O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a implementar
um programa de microcrédito para o setor informal urbano.
A experiência aconteceu em 1973, nas cidades de Recife e Salvador
com o programa União Nordestina de Assistência a Pequenas
Organizações (UNO), uma organização
não governamental formada por entidades empresariais e bancos
em conjunto com uma ONG internacional. Depois de financiar milhares
de microempreendimentos na Bahia e em Pernambuco, a UNO suspendeu
as atividades depois de 18 meses de atuação.
Depois
dessa experiência, surgiu, em 1987 em Porto Alegre o Centro
de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Ana Terra (Ceape), uma Ong
que conta com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e da Inter-American Foudation (IAF). Hoje, a Rede
Ceap é composta por 12 centros em vários estados
brasileiros. A criação do Banco
da Mulher, em 1989, na Bahia, também foi um marco para
a liberação de microcrédito, com o apoio do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
e do BID. O Banco é filiado ao Women's World Banking
que atua em diversos países. No Brasil, há representantes
em sete estados.
No
mundo, uma das primeiras experiências de microcrédito,
feita em Bangladesh no ano de 1976, comprovou que os pobres também
são merecedores de confiança para os empréstimos.
O professor de economia, Muhammad Yunus, dava aulas na Universidade
de Chittagong e notou que as pessoas pobres que trabalhavam próximas
da universidade não tinham acesso à crédito
nos bancos comerciais para financiar suas pequenas atividades e,
então, recorriam aos agiotas.
Com
dinheiro próprio e a ajuda de alunos, ele começou
a emprestar dinheiro para parte daquela população,
começando com US$ 27,00 para 42 pessoas. Depois de comprovar
que eles eram dignos de confiança, o professor Yunus conseguiu
financiamento em bancos privados internacionais e criou o Banco
Grameen, que hoje atende mais de 3 milhões de pessoas em
30 países. O banco usa uma metodologia própria como
aval, baseada na formação de grupos que se responsabilizam
mutuamente e pelo acompanhamento de um agente de crédito.
Outra
experiência bem sucedida aconteceu em 1986, na Bolívia,
com a criação do Banco Solidariedade S.A, quando foi
criada uma ONG com capital inicial doado por organizações
internacionais, governos e empresários locais. Em 1992, surgiu
o primeiro banco comercial em bases lucrativas direcionado ao microcrédito.
Hoje, o banco atende cerca de 70 mil clientes, sendo 70% de mulheres,
que totalizam 40% dos usuários do setor bancário da
Bolívia.
(GP)
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