A
Produção Científica Brasileira na Área
da Gerontologia
Lucila
L. Goldstein
O segmento
mais idoso da população brasileira sofreu um rápido
aumento a partir dos anos 60, quando começou a crescer em
ritmo bem mais acelerado do que as populações adulta
e jovem. De 1970 até hoje, o peso da população
idosa sobre a população total passou de 3% para 8%
e esse percentual deve dobrar nos próximos vinte anos. Devido
à redução nas taxas de natalidade, da ordem
de 35,5% nos últimos 15 anos, e o aumento da expectativa
de vida por ocasião do nascimento, que passou de 61,7 anos
em 1980, para 69 anos nos dias atuais, a base da pirâmide
populacional vem se estreitando nas últimas dé cadas.
E existe ainda a expectativa de uma intensificação
desse processo de envelhecimento populacional. Estima-se que a partir
de meados do próximo século, a população
brasileira com mais de 60 anos será maior que a de crianças
e adolescentes com 14 anos ou menos.
Essa
temática provocou uma preocupação generalizada
em diversos segmentos profissionais e fez com que, nos últimos
anos, proliferassem no Brasil os programas e associações
destinados aos idosos, como o movimento dos aposentados, os movimentos
assistenciais e os sócio-culturais. Em razão dessa
visibilidade alcançada pelos idosos nos últimos anos,
e graças aos esforços de organização
dos profissionais dedicados à essa área de atuação,
através de núcleos de estudo e pesquisa, os estudos
teóricos e empíricos na área do envelhecimento
começaram a florescer no Brasil.
Como
nota Witter (1999), quanto mais rápido e diversificado o
desenvolvimento de uma área, maior a necessidade de pesquisas
de avaliação. Oliveira (1999) salienta a importância
da realização de pesquisas de metaciência, que
permitem analisar e avaliar a qualidade e efetividade do conhecimento
produzido em uma determinada área, bem como suas necessidades
e déficits. O próprio progresso científico
se relaciona ou depende de avaliações sistemáticas
da produção e do trabalho dos pesquisadores, o que
garante o aperfeiçoamento constante não só
do conhecimento, como também do próprio ensino (Galembeck,
1990).
A Gerontologia,
por ser uma área recente e de rápido crescimento,
tem uma grande necessidade de avaliar e direcionar sua produção
e, por seu caráter multidisciplinar, tem especial dificuldade
de aglutinar seu conhecimento. A falta de articulação
entre os diferentes programas e bibliotecas mantém a produção
acadêmica na obscuridade e, desta forma, o aproveitamento
do conhecimento fica minimizado. A avaliação da produção
científica dessa nova área do conhecimento permitirá
não só caracterizar seu estágio de desenvolvimento,
aquilatar o nível de conhecimento disponível e apontar
lacunas e necessidades, mas também identificar sua relevância
no sentido de atender às necessidades e problemas da realidade
e da sociedade.
Em 1997, Anita Neri realizou uma análise de 36 relatos de
pesquisa constantes de teses e dissertações defendidas
em programas de pós graduação em psicologia
entre os anos de 1975 e 1996, nas Universidade de São Paulo,
Universidade Estadual de Campinas e Pontifícias Universidades
Católicas de São Paulo e de Campinas. Nesse trabalho,
a autora localizou nos acervos dessas universidades 60 trabalhos
sobre velhice, em outras áreas do conhecimento como: enfermagem,
saúde pública, fonoaudiologia, sociologia, antropologia,
jornalismo, comunicações e propaganda, e que não
foram usados em sua análise.
Em
um levantamento das teses e dissertações sobre velhice
e envelhecimento (Goldstein, 1999) foram encontradas 232 trabalhos
em áreas diversas do conhecimento, sem incluir os trabalhos
da área médica, com enfoque geriátrico. Nesse
levantamento pode-se notar que a produção científica
durante o período de 1995 a 1999 foi praticamente o dobro
da realizada entre os anos de 1975 a 1994, o que demonstra o rápido
crescimento da área. Nota-se também, que a diversidade
das áreas do conhecimento que vêm se interessando pela
pesquisa gerontológica tem crescido muito nos últimos
anos. Os primeiros estudos foram nas áreas da Psicologia,
Sociologia, Serviço social e Enfermagem. Mais tarde aparecem
os trabalhos em Educação e Educação
Física. Depois de 1989 surgem trabalhos em Fonoaudiologia,
Comunicação e Direito. Nos últimos anos esse
leque se abre ainda mais e encontra-se trabalhos nas áreas
de Administração de Empresas, Farmácia, Engenharia
de Produção, Linguística Aplicada e História.
De
lá para cá, consolidaram-se as associações
de profissionais que atendem à população idosa,
bem como os cursos de pós-graduação em Gerontologia,
o que trouxe um avanço ainda maior na á rea de pesquisa.
O momento
parece então ser bastante adequado para se fazer uma atualização
do levantamento do trabalho científico produzido na área
da Gerontologia até os dias atuais e para que se analise
com maior cuidado a direção ou direções
em que se encaminha a pesquisa gerontológica no Brasil. Nesse
trabalho optou-se por utilizar dissertações e teses
porque essa literatura lidera a produção científica
não apenas pela pressuposição de que traz contribuições
inovadoras, como também porque espera-se que elas sejam o
alicerce para publicação de comunicações
em congressos, artigos e mesmo livros (Witter e Pécora, 1997).
Objetivos
- Levantamento
das teses de doutorado e dissertações de mestrado
que focalizam o envelhecimento e a velhice dentro do enfoque gerontológico,
nas diversas áreas do conhecimento, realizadas por pesquisadores
brasileiros, de 1975 até os dias atuais.
- Análise
dessas pesquisas enfocando: tema central da pesquisa, tipo de
estudo realizado.
Método
Material
O acervo documental pesquisado foi o conjunto de dissertações
de mestrado, teses de doutorado e de livre docência defendidas
entre os anos de 1975 a 2002, nas principais universidades brasileiras.
Procedimento
As dissertações e teses foram localizadas na base
de dados do IBICT. Foram contatadas também, as bibliotecas
da Universidade Federal de Santa Catarina, da Universidade de São
Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram usadas as seguintes
palavras chaves: envelhecimento, velhice, idosos, velhos, terceira
idade e aposentadoria.
Resultados
Foram localizados 511 trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros:
431 dissertações de mestrado, 75 teses de doutorado,
e 5 teses de livre docência, sendo que 4 teses de doutorado
e duas dissertações de mestrado foram realizadas por
pesquisadores brasileiros em Universidades do exterior e as outras
em Universidades brasileiras.
Entre
1975 e 1979, foram publicados 9 trabalhos: 7 dissertações,
1 tese de doutorado e 2 de livre docência. Entre 80 e 84 foram
publicadas 11 dissertações de mestrado e uma tese
de livre docência. De 85 a 89, 26 dissertações,
4 teses de doutorado e 1 de livre docência. De 90 a 94 houve
um aumento substantivo no número de trabalhos: 57 dissertações
e 15 teses de doutorado, e de 95 até 98 pudemos encontrar
56 dissertaçõ es, 16 teses de doutorado e uma de livre
docência. De 98 até hoje a produção científica
na área mais do que dobrou. Foram encontrados 279 trabalhos,
sendo 243 dissertações de mestrado e 36 teses de doutorado.
Quanto
à área do conhecimento - Os estudos do envelhecimento
no Brasil começaram nas áreas da psicologia, sociologia,
serviço social e enfermagem. Dez anos depois começam
a surgir trabalhos nas áreas de Educação e
Educação Física. Em 89 aparecem trabalhos nas
áreas de Fonoaudiologia, Comunicações e Direito
e, em 94, na área de Administração. Nesses
últimos anos o leque se abre ainda mais e encontram-se trabalhos
nas áreas de Farmácia, Engenharia de Produção,
Linguística Aplicada, História e Turismo.
Tendências
gerais da pesquisa sobre velhice que puderam ser identificadas
Embora tenham surgido nos últimos anos grupos de estudo com
linhas de pesquisa sistemática, esse fenômeno é
muito recente para que se possa identificar, no conjunto, grupos
de trabalho que sigam a mesma linha de pesquisa ou que façam
parte de um estudo maior. É possível notar, no entanto,
agrupamentos de pesquisa que seguem a mesma abordagem embora sejam
esforços individuais, sem que façam parte de projetos
integrados.
Nota-se
que alguns temas que estão sendo estudados desde 75 continuam
interessando os pesquisadores, como o idoso institucionalizado,
aposentados e aposentadoria, mulheres e identidade feminina, o idoso
hospitalizado, memórias e reminiscências, corpo e imagem
corporal, atitudes em relação à velhice, morte,
luto e viuvez, relacionamentos familiares e sociais. Entre os temas
que surgiram de 1990 para cá destacam-se: relação
cuidado e cuidador, demências em geral e Alzheimer, cognição
e memória, stress, opções de lazer, desejos
e preferências de consumidores idosos, metas e sentido de
vida. Encontram-se também trabalhos que tratam da assistência
farmacêutica ao idoso, do idoso dentro de uma empresa, que
fazem considerações sobre ergonomia e terceira idade,
e que se preocupam com o ensino de línguas estrangeiras para
idosos e sobre turismo para o idoso. Isso parece demonstrar o início
de uma abertura na visão de velho até há pouco
predominante. A noção de que a velhice é uma
experiência heterogênea parece estar se divulgando.
Não
foram encontrados trabalhos experimentais; as pesquisas são
todas de natureza descritiva, na maioria estudos de caso, analisando
situações generalizadas ou particulares, trabalhos
de avaliação, planejamento ou proposta de intervenção,
estudos clínicos e alguns trabalhos comparativos, sendo mais
comum a comparação entre grupos de diferentes faixas
etárias, mas encontra-se também a comparação
entre idosos asilados e não asilados, antes e depois da aposentadoria,
entre auto-avaliação versus avaliação
médica. Há trabalhos envolvendo análise de
documentos como textos de livros infantis, de revistas, jornais,
ou o uso de fotos e redações como material deflagrador
de depoimentos orais. Não foram encontrados pesquisas longitudinais
e nem seguimentos de trabalhos realizados anteriormente.
Resumo
dos resultados
Verificou-se um acentuado crescimento na produção
científica sobre velhice, a partir de 1990, o que coincide
com a grande expansão das universidades de terceira idade
e também com a formação de grupos de pesquisa.
Outro salto quantitativo, em 1999, coincide com a criação
dos cursos de pós-graduação em Gerontologia.
Nota-se
também que o interesse pelo assunto passa a abranger diferentes
domínios disciplinares, revelando diferentes faces da velhice.
Concomitante a isso verifica-se uma expansão nos temas abordados
e talvez uma sutil mudança de direção.
Outro
dado interessante é a participação de diversas
instituições de ensino do País no esforço
de aumentar o conhecimento da área, embora disciplinas que
enfoquem o envelhecimento sejam raras nos cursos de graduação.
Conclusões
Pode-se notar, em primeiro lugar, dos saltos quantitativos na produção
científica sobre velhice, um a partir de 1990, o que coincide
com a grande expansão das universidades de terceira idade
e também com a formação de grupos de pesquisa
e outro com a criação de cursos de Pós graduação
em Gerontologia.
Verifica-se que, aos poucos, a pesquisa sobre velhice vai abrangendo
várias áreas do conhecimento e diferentes campos de
interesse. Nota-se também que o interesse pelo assunto passa
a abranger diferentes domínios disciplinares, revelando diferentes
faces da velhice. Concomitante a isso verificou-se uma expansão
nos temas abordados e talvez uma sutil mudança de direção.
Isso deverá ser observado com maior objetividade e precisão
na continuidade desse trabalho
Outro
dado interessante é a participação de diversas
instituições de ensino do país no esforço
de aumentar o conhecimento da área, embora ainda sejam raras
disciplinas que enfoquem o envelhecimento nos cursos de graduação.
Embora
não fosse parte dos objetivos desse trabalho, acabou sendo
feita também uma verificação da facilidade
e rapidez de acesso à informação científica
do Brasil. Nota-se que o sistema de rastreamento da informação
ainda é carente. Não existe uma unificação
das palavras chave usadas na área, assim como não
existe um local específico que abrigue sua produção.
O aumento da produção científica na gerontologia
mais que justifica a adoção de medidas para agilizar
sua divulgação em uma velocidade compatível
com os meios que já dispomos. Para a construção
do conhecimento científico não basta incentivar a
produção. É imprescindível torná-la
rapidamente acessível a todos os pesquisadores.
Bibliografia
_ Galembeck,
F.(1990). Sem avaliação, sem progresso. Ciência
e Cultura, 19(9), p 627-628.
_ Goldstein, L.L. (1999). A Pesquisa sobre Velhice, trabalho apresentado
no I Congresso de Geriatria e Gerontologia do Mercosul, em Foz do
Iguaçu -PR
_ Neri, A.L. (1997), A pesquisa em gerontologia no Brasil. Análise
de conteúdos de amostra de pesquisa no peíodo de 1975-1996.
Texto e Contexto, v.6, n.2, p69-105.
_ Oliveira, M.H.M.A (1999). Avaliação da Produção
científica. In G.P.Witter (org) Produção
científica em Psicologia e Educação.Campinas,
SP: Editora Alínea.
_ Witter G.P. (org), Produção científica, Campinas,
SP: Editora Átomo.
_ Witter, G.P & Pécora, G.M.M. (1997), Temática
das dissertações e teses em Biblioteconomia e Ciência
da Informação no Brasil (1970-1992). In G.P. Witter
(org), Produção científica, Campinas,SP:
Editora Átomo
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