Envelhecimento não é causa da crise da previdência
Os
problemas relacionados a previdência social no Brasil têm
uma persistência histórica. Nos últimos anos,
o governo brasileiro tem apontado para um novo elemento que aprofunda
a atual situação deficitária do sistema: o
envelhecimento da população, um dos motivos levantados
para a reforma previdenciária na década de 90. Para
o governo, caso a questão não seja contornada, o déficit
do sistema previdenciário será aumentado. Atualmente
o déficit é de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) para
previdência social (INSS) e de 4 a 5% para os regimes especiais
do setor público. No entanto, alguns pesquisadores não
concordam com a ênfase que o governo tem dado a questão
do envelhecimento
A mudança
do perfil demográfico brasileiro tem como causa paradoxal
as melhorias de condições de saúde e o surgimento
de novos remédios que provocaram a diminuição
da mortalidade infantil, da fecundidade e maior longevidade. A Organização
das Nações Unidas (ONU) prevê que o impacto
do envelhecimento da população, um fenômeno
mundial, será mais profundo nos países em desenvolvimento
como o Brasil.
A perspectiva
governamental baseia-se em dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), que apontam o crescimento da população
idosa (pessoas com mais de 60 anos) dos 7,8% atuais, para 13% em
2020 (cerca de 27 milhões de pessoas), sendo que a tendência
é de continuar crescendo. O sistema previdenciário
que já é deficitário ficaria ainda mais sobrecarregado,
já que é baseado na repartição simples,
isto é, pessoas em idade ativa (de 15 a 60 anos) garantem,
por meio de suas contribuições, os recursos para pagar
os benefícios da previdência.
Para
a professora do Departamento de Demografia, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), Moema Gonçalves Bueno Fígoli,
apesar do perfil da população brasileira estar mudando
isso ainda não chega a ser um problema e não deve
levar necessariamente a uma quebra do sistema previdenciário,
como afirmam as análises do governo. Segundo ela, atualmente
a situação demográfica é muito confortável,
na medida em que a população economicamente ativa
está crescendo. "Hoje em dia temos uma proporção
de jovens muito maior do que antes. Essa faixa etária entre
15 e 55 ou 60 anos, está crescendo a taxas significativas,
em torno de 1,37% ao ano e, apesar da proporção de
idosos estar aumentando, a situação da previdência
social nesse sentido é muito favorável", afirma
Moema Fígoli.
De
acordo com a análise de Rosa Maria Marques, Mariana Batich
e Áquilas Mendes, contida no artigo conjunto "Previdência
Social Brasileira; um balanço da reforma FHC", essa
realidade demográfica seria extremamente positiva para as
contas previdenciárias se a economia estivesse gerando emprego
formal, ou seja, regulamentado pelas leis trabalhistas e integrado
à previdência social.
Mesmo
concordando que o trabalho informal não gera receita para
a previdência, Moema Fígoli afirma a necessidade de
serem executadas medidas com relação ao desequilíbrio
anunciado da relação entre contribuintes e beneficiários
a partir de 2020. "O envelhecimento da população
apesar de não ser causa do problema, é um processo
estrutural e já deveríamos pensar em medidas para
resolver os problemas futuros. Na reforma previdenciária
que foi feita pelo governo, foram muito mais contempladas as medidas
para resolver o déficit imediato da previdência do
que esse problema estrutural de mudança do perfil etário",
argumenta ela, que defende que o crescimento da economia e dos salários
pode compensar o menor número de contribuintes.
Milko
Matijascic, pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas
Públicas (Nepp) da Unicamp, concorda que a questão
do envelhecimento da população brasileira não
pode ser pontuado entre as causas para o atual déficit previdenciário
e que o momento demográfico para a questão previdenciária
é positivo, pois existem teoricamente mais pessoas em atividade
para financiar aquelas que estão aposentadas. Por outro lado,
segundo o pesquisador, a questão do envelhecimento é
um fator secundário e assim, mesmo que sejam executadas medidas
com relação a esse fator, o problema previdenciário
pode persistir e se aprofundar se não forem atacadas suas
reais causas que, para ele, não pertencem ao sistema. "Em
2050 estaremos vivendo a situação que a Alemanha já
vivia há dez anos atrás. Somos ainda um país
bastante jovem quando comparados à média internacional
e, principalmente, com os países mais desenvolvidos. Assim,
as dificuldades de financiamento da previdência não
são hoje certamente demográficas e, no futuro, é
possível contar com alternativas de trabalho e de melhorias
financeiras que contornem esse problema", afirma Matijascic.
O pesquisador
também aponta como fator fundamental para pensar a previdência
a questão do subemprego e do trabalho informal. Para ele,
antes da questão do envelhecimento deve-se colocar em questão
a diminuição de empregos formais na década
de 90, período de crise econômica.
De
acordo com os cálculos de Matijascic, a partir dos dados
da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNDA), existem
32 milhões de brasileiros que não contribuem com a
previdência. O pesquisador afirma que, se essas pessoas estivessem
incluídas entre os contribuintes teríamos uma situação
muito mais confortável. Ele aponta dados da previdência
segundo os quais, em média, uma pessoa contribui entre 8,1
e 8,2 meses por ano, o que indica que, mesmo entre os contribuintes,
há aqueles que não contribuem regularmente. "Isso
sempre foi estrutural no Brasil e sempre representou um enorme desafio.
O governo não tem atuado de forma correta em exigir a formalização
do trabalho e a contribuição como imposto compulsório,
como forma de tributação obrigatória. E isso
deve ser feito porque essa é uma necessidade social. Na medida
em que são enfatizadas questões como envelhecimento,
desaparece o problema da omissão do governo com relação
a essas exigências", afirma Matijascic.
Para
o pesquisador, não se pode achar que mudanças internas
na previdência poderão resolver o problema, boa parte
das mudanças depende de incluir os excluídos. "Inclusão.
É disso que se trata no fundo. Essa população
que é excluída, que não participa, não
tem direitos sociais, precisa ser incluída".
(MK)
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