Velhos
sofrem violência em casa e nas ruas
Os
idosos e as crianças estão entre as principais vítimas
de violência doméstica e raras vezes conseguem se livrar
do agressor e recomeçar uma vida saudável. Os maus-tratos
não são exclusividade de países pobres, como
o Brasil, e se tornam motivo de preocupação em todas
as sociedades. Nos Estados Unidos, cerca de 2 milhões de
idosos acima de 65 anos sofreram algum tipo de agressão.
Dados do Conselho Nacional de Pesqusia norte-americano revelam que
os estados não possuem profissionais capacitados para lidar
com o assunto e faltam informações sobre as causas
de abusos contra velhos.
A Comunidade
Econômica Européia caminha no sentido de definir normas
mínimas para o acolhimento dos velhos em asilos nos estados-membros
para lhes garantir vida digna. No seu artigo 3º, inciso IV,
a Constituição Federal do Brasil determina que o Estado
deve promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação
devido à idade. O Decreto Federal 1.948, de 3 de julho de
1996, regulamenta a lei sobre a Política Nacional do Idoso,
pela qual "todo cidadão tem o dever de denunciar à
autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito
ao idoso". (veja reportagem nesta edição). O
impasse se encontra na aplicação das leis, em contraste
com a realidade.
O Rio
de Janeiro é o estado brasileiro onde morrem mais idosos
vítimas de violência, conforme pesquisa do Centro Latino-Americano
de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), pertencente
à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estima-se que, num grupo de 100 mil habitantes
com mais de 60 anos, 249,5 morrem por homicídios, atropelamentos,
tombos dentro de casa, entre outros.
Idosos
se unem pelo respeito aos seus direitos
A coordenadora-executiva
do Claves, Edinilsa Ramos de Souza, explica que apesar de ter sido
criada, em 2000, a Política Nacional de Controle e Redução
dos Acidentes e Violência, não saiu do papel. Ela informa
que apenas alguns estados, como o Pará, Minas Gerais, Paraná
e Pernambuco fizeram encontros e começam a estabelecer metas.
Para ela, a notícia mais positiva é a mobilização
de grupos de idosos que lutam por descontos nos preços dos
medicamentos, por lazer e criação de associações.
A idade
avançada deixa os idosos mais vulneráveis e, geralmente,
são vítimas de quedas e atropelamentos. Não
há segurança na travessia de semáforos e nem
tempo suficiente para que cheguem do outro lado da rua. Edinilsa
de Souza diz que é desrespeitosa a atitude de vários
motoristas do transporte coletivo, que não gostam de levar
velhos por não pagarem passagem e, dessa maneira, chegam
ao ponto de acelerar o veículo quando o idoso vai entrar.
De
acordo com Lan Hee Alves Castanha, coordenadora do Núcleo
de Atendimento às Vítimas de Violência (Navv)
do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Sabóia, que fica
na capital paulista, 32% das mortes registradas de idosos são
em decorrência de violência. A primeira causa é
o acidente no transporte, seguida de espancamento e agressão
e atropelamento. O Hospital do Jabaquara atende uma média
de 32 mil pessoas por mês - 600 apanharam em casa, a maioria
velhos e crianças. "O idoso é um reflexo, mas
a prevenção está no jovem. A violência
no jovem, na criança, acaba refletindo na idade adulta",
comenta.
Uma
equipe de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) desenvolve um trabalho etnográfico no Navv, do
Hospital do Jabaquara, com o objetivo de preparar os profissionais
para compreender a situação dos pacientes vítimas
de violência. Segundo a antropóloga e professora do
Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, Cynthia Andersen
Sarti, a violência familiar não está dissociada
da violência social e ela representa um ciclo.
A coordenadora
do Navv, Lan Alves, acredita que só um trabalho conjunto
com as instituições, ONGs, com a aplicação
do Programa de Saúde Familiar, pode-se mobilizar a comunidade
local. A situação entre as famílias, conforme
constatação da equipe do Navv, é de brigas
constantes de idosos entre si, com filhos, genros, noras e vizinhos.
Lan Alves destaca que é necessário dar suporte psicológico
às famílias, para lidar com o problema do desemprego,
ajudar essas pessoas a recuperar a auto-estima e desenvolver políticas
de prevenção da violência, sem repressão
e intimidação.
Como
nasce a violência e por que ela floresce entre as famílias
brasileiras é uma questão ainda sem resposta. Na opinião
da professora de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Maria
do Rosário Menezes, ela resulta de um modelo cultural, em
que a estética é supervalorizada, em detrimento da
velhice. Ela defendeu, em 1999, na Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto (EERP-USP), a tese Da violência revelada...violência
silenciada: um estudo etnográfico sobre violência doméstica
contra o idoso. Ela constatou que a maioria dos idosos não
dependia financeiramente dos seus agressores, tinha filhos, morava
em casa própria e ainda assim sofria maus-tratos até
dos filhos que moravam fora. As mulheres eram as principais vítimas
e os filhos homens estavam entre os principais vilões da
violência doméstica.
A orientadora
da tese e chefe do Departamento de Medicina da EERP-USP, Amábile
Rodrigues Xavier Manço, ressalta que a pesquisa revelou uma
realidade triste, exibida pelas idas da doutoranda às delegacias
de polícia de Ribeirão Preto, Instituto Médico
Legal e às casas dos velhos sob ameaça de agressores,
que preferem manter a violência em sigilo. "É
muito triste você chegar ao fim da vida e ser espancado por
alguém que você criou", observa. Para Maria do
Rosário Menezes é possível envelhecer com dignidade
e ser feliz no Brasil apenas se os dirigentes e a sociedade perceberem
que se deve investir na qualidade de vida do povo.
(RB)
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