A Política
Nacional do Idoso: um Brasil para todas as idades
Os
desafios trazidos pelo envelhecimento da população
têm diversas dimensões e dificuldades, mas nada é
mais justo do que garantir ao idoso a sua integração
na comunidade. O envelhecimento da população influencia
o consumo, a transferência de capital e propriedades, impostos,
pensões, o mercado de trabalho, a saúde e assistência
médica, a composição e organização
da família. É um processo normal, inevitável,
irreversível e não uma doença. Portanto, não
deve ser tratado apenas com soluções médicas,
mas também por intervenções sociais, econômicas
e ambientais.
A política
pública de atenção ao idoso se relaciona com
o desenvolvimento sócio-econômico e cultural, bem como
com a ação reivindicatória dos movimentos sociais.
Um marco importante dessa trajetória foi a Constituição
Federal de 1988, que introduziu em suas disposições
o conceito de Seguridade Social, fazendo com que a rede de proteção
social alterasse o seu enfoque estritamente assistencialista, passando
a ter uma conotação ampliada de cidadania.
A partir
daí a legislação brasileira procurou se adequar
a tal orientação, embora ainda faltem algumas medidas.
A Política Nacional do Idoso, estabelecida em 1994 (Lei
8.842), criou normas para os direitos sociais dos idosos, garantindo
autonomia, integração e participação
efetiva como instrumento de cidadania. Essa lei foi reivindicada
pela sociedade, sendo resultado de inúmeras discussões
e consultas ocorridas nos estados, nas quais participaram idosos
ativos, aposentados, professores universitários, profissionais
da área de gerontologia e geriatria e várias entidades
representativas desse segmento, que elaboraram um documento que
se transformou no texto base da lei.
Entretanto,
essa legislação não tem sido eficientemente
aplicada. Isto se deve a vários fatores, que vão desde
contradições dos próprios textos legais até
o desconhecimento de seu conteúdo. Na análise de muitos
juristas, a dificuldade de funcionamento efetivo daquilo que está
disposto na legislação está muito ligada à
tradição centralizadora e segmentadora das políticas
públicas no Brasil, que provoca a superposição
desarticulada de programas e projetos voltados para um mesmo público.
A área de amparo à terceira idade é um dos
exemplos que mais chama atenção para a necessidade
de uma "intersetorialidade" na ação pública,
pois os idosos muitas vezes são "vítimas"
de projetos implantados sem qualquer articulação pelos
órgãos de educação, de assistência
social e de saúde.
De
acordo com membros do Ministério Público, algumas
deficiências da Política Nacional do Idoso, são:
a falta de especificação da lei que contribua para
criminalizar a discriminação, o preconceito, o desprezo
e a injúria em relação ao idoso, assim como
para publicidades preconceituosas e outras condutas ofensivas; dificuldades
em tipificar o abandono do idoso em hospitais, clínicas,
asilos e outras entidades assistenciais para a punição
de parentes das vítimas; falta de regulamentação
criteriosa sobre o funcionamento de asilos, sendo preciso que a
lei especifique o que devem essas entidades disponibilizar para
a clientela, quem deverá fiscalizá-las, e qual a punição
para os infratores.
Quantos
anos tem o idoso?
O Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento
das Nações Unidas (1982), acompanhando a
orientação da Divisão de População,
estipulou 60 anos como o patamar que caracteriza o grupo idoso.
Porém, é usual, em demografia, definir 60 ou
65 anos como o limiar que define a população
idosa, explica em seu texto sobre o Envelhecimento da população
brasileira, o professor Morvan de Mello Moreira do Instituto
de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco
(PE), acrescentando que "por envelhecimento populacional
entende-se o crescimento da população considerada
idosa em uma dimensão tal que, de forma sustentada,
amplia a sua participação relativa no total
da população. A ampliação do peso
relativo da população idosa deve-se a uma redução
do grupo etário jovem, em conseqüência da
queda da fecundidade, configurando o que se denomina envelhecimento
pela base".
|
Para
o advogado Flávio Crocce Caetano, especialista no assunto,
um dos grandes problemas da legislação é a
definição de "idoso" para fins de proteção.
Caetano evidenciou as controvérsias existentes na legislação,
citando que a Constituição Federal menciona o limite
de 65 anos, mas na Política Nacional do Idoso esse limite
é de 60 anos - conforme é adotado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). Já o nosso código penal,
menciona a idade de 70 anos.
A Política
Nacional do Idoso objetiva criar condições para promover
a longevidade com qualidade de vida, colocando em prática
ações voltadas, não apenas para os que estão
velhos, mas também para aqueles que vão envelhecer,
bem como lista as competências das várias áreas
e seus respectivos órgãos. A implantação
dessa lei estimulou a articulação dos ministérios
setoriais para o lançamento, em 1997, de um Plano de Ação
Governamental para Integração da Política Nacional
do Idoso. São nove os órgãos que compõem
este Plano: Ministérios da Previdência e Assistência
Social, da Educação, da Justiça, Cultura, do
Trabalho e Emprego, da Saúde, do Esporte e Turismo, Transporte,
Planejamento e Orçamento e Gestão.
Na
relação do que compete às entidades públicas,
encontram-se importantes obrigações como estimular
a criação de locais de atendimento aos idosos, centros
de convivência, casas-lares, oficinas de trabalho, atendimentos
domiciliares e outros; apoiar a criação de universidade
aberta para a terceira idade e impedir a discriminação
do idoso e sua participação no mercado de trabalho.
Estatuto
do Idoso
O distanciamento entre a lei e a realidade dos idosos no Brasil
ainda é enorme. Segundo os especialistas, para que esta situação
se modifique, é preciso que ela continue a ser debatida e
reivindicada em todos os espaços possíveis, pois somente
a mobilização permanente da sociedade é capaz
de configurar um novo olhar sobre o processo de envelhecimento dos
cidadãos brasileiros.
Concordando
com essa perspectiva, tem emergido da sociedade civil organizada
a cobrança pela aprovação do Estatuto do Idoso,
que está em tramitação no Congresso Nacional.
O Projeto de Lei 3.561/97, do Deputado Paulo Paim (PT/RS), cria
o Estatuto do Idoso acrescentando novos dispositivos à Política
Nacional do Idoso. Esse projeto está embasado na concepção
da necessidade de aglutinação, em norma legal abrangente,
das postulações sobre idosos no país, exigindo
um redirecionamento de prioridades das linhas de ação
das políticas públicas.
Para
o relator do substitutivo deste projeto, deputado Silas Brasileiro
(PMDB/MG), consideráveis avanços já foram obtidos,
com a edição da lei que instituiu a Política
Nacional do Idoso. Porém, ela cuida essencialmente da atuação
do poder público na promoção das políticas
sociais básicas de atendimento ao idoso, enquanto o Estatuto
do Idoso consolida os direitos já assegurados na Constituição
Federal, sobretudo tentando proteger o idoso em situação
de risco social. São novas exigências da sociedade
brasileira para o atendimento da população idosa.
Envelhecimento
da População Brasileira
O Relatório Nacional sobre o Envelhecimento da População
Brasileira, um dos mais completos documentos já produzidos
sobre o assunto, resultante de um trabalho coordenado pelo Itamaraty,
com ampla participação de órgãos do
Estado e entidades da sociedade civil. Nele, o envelhecimento da
população brasileira se evidencia por um aumento da
participação do contingente de pessoas maiores de
60 anos de 4%, em 1940, para 9% em 2000. Além disso, a proporção
da população acima de 80 anos tem aumentado, alterando
a composição etária dentro do próprio
grupo, o que significa que a população considerada
idosa também está envelhecendo. Representa o segmento
populacional que mais cresce, embora ainda seja um contingente pequeno:
de 166 mil pessoas, em 1940, o grupo "mais idoso" passou
para quase 1,8 milhões em 2000 e representava 12,6% da população
idosa em 2000 e aproximadamente 1% da população total.
O relatório
aponta que as mudanças ocorridas na estrutura populacional
- crescimento exponencial da população brasileira de
60 e mais anos de idade, longevidade e queda da fecundidade - está
acarretando uma série de conseqüências sociais,
culturais, econômicas, políticas e epidemiológicas,
para as quais o país não está ainda devidamente
preparado. Esse salto representa um fator de pressão importante
para a inclusão do tema na agenda de prioridades do governo.
Ações
eficazes e oportunas devem ser adotadas para que essa faixa etária
cresça não só em termos quantitativos, mas
também com a melhor qualidade de vida possível. Para
que isto se torne realidade, é preciso que a sociedade como
um todo participe desse propósito, diagnostica o relatório,
sugerindo que campanhas de conscientização da família
e da sociedade são vitais para a mudança de mentalidade
no tratamento da questão do envelhecimento. O objetivo é
mudar o modelo para um envelhecimento saudável, implementando
e ampliando a rede de cobertura dos serviços e programas
de atenção à população idosa
e às demais gerações.
População total e alfabetizada
de idosos residentes, por grupos de idade - Brasil
Grupos
de Idade |
Total |
Alfabetizada |
60
a 64 anos |
4.600.929 |
3.259.833 |
65
a 69 anos |
3.581.106 |
2.396.782 |
70
a 74 anos |
2.742.302 |
1.755.984 |
75
a 79 anos |
1.779.587 |
1.052.365 |
80
anos ou mais |
1.832.105 |
956.989 |
Total |
14.536.029 |
9.421.953 |
Fonte:
IBGE, Censo Demográfico 2000. |
Importância
da atuação da sociedade civil organizada
A sociedade civil brasileira tem tido papel fundamental na
reivindicação dos direitos sociais, na construção
e na efetivação das políticas públicas
voltadas à população idosa.
A
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), entidade
científica filiada à Associação
Médica Brasileira (AMB) foi a primeira frente de defesa
do idoso. Promove, em parceria com suas seções
regionais, ativo e intenso programa de formação
de recursos humanos. Mantém cursos, simpósios,
congressos e jornadas, buscando esclarecer, ensinar e difundir
os conhecimentos da área de Geriatria e Gerontologia.
Outra
instituição pioneira a sistematizar um programa
de atendimento à terceira idade no Brasil foi o Serviço
Social do Comércio (SESC). O trabalho com idosos no
SESC tem sua origem nas experiências da área
de trabalho com grupos, que a entidade desenvolve praticamente
desde sua criação, em 1946. O Centro de Referência
do Envelhecimento (CRE), é um projeto desenvolvido
pelo SESC - Rio Grande do Sul, desde o ano de 2000, que utiliza
o ambiente virtual para informar e atualizar a sociedade sobre
o processo de envelhecimento digno e ativo. Propõe
reflexão sobre o envelhecimento em toda sociedade,
incentiva e mantém uma rede de serviços, por
meio do desenvolvimento integrado de informação,
pesquisa e ensino. Segundo as estatísticas, o SESC
já atendeu em todo território nacional, a uma
clientela inscrita de aproximadamente 70.000 pessoas idosas,
além daquelas atendidas nas programações
e eventos abertos à comunidade, que totalizam 5 milhões
de atendimentos.
A
Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas
(COPAB), organiza e representa aproximadamente vinte milhões
de brasileiros aposentados, na sua maioria entre cinqüenta
e oitenta anos de idade. A COBAP tem como missão prioritária
estabelecer articulações, prestar informações,
atuar junto aos órgãos públicos, fazer-se
representar em Conselhos de Defesa de Direitos e de Políticas
Públicas com o objetivo primordial de defender os direitos
sociais da população idosa.
A
Associação Nacional de Gerontologia (ANG) é
uma entidade de natureza técnico-científica
de âmbito nacional, voltada para a investigação
e prática científica em ações
relativas ao idoso. Congrega profissionais, estudantes de
diversas áreas e pessoas interessadas em torno das
questões do envelhecimento em suas várias dimensões
e campos de produção. Tem por finalidade contribuir
para o desenvolvimento de uma maior consciência gerontológica
em prol de melhorias das condições de vida da
população idosa e com justiça social.
O
trabalho realizado pela Pastoral da Terceira Idade da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é de atenção
domiciliar às pessoas idosas. Realiza o acompanhamento,
através de visita residencial mensal efetuada pelos
líderes comunitários e também, quando
necessário, faz o encaminhamento para a rede básica
de saúde, ou outras entidades e pastorais. No programa,
os idosos são orientados sobre a importância
das atividades físicas, ingestão de líquidos,
prevenção de quedas e uso da vacina contra pneumonia
e gripe.
Um
dos motivos do sucesso do Programa Terceira Idade na Pastoral
está no seu ágil sistema de informações,
capaz de emitir relatórios mensais e circunstanciados
sobre a situação de saúde e desenvolvimento
de algumas atividades de vida diária dos mais de vinte
mil idosos acompanhados em todo o Brasil. Com isso, todos
os níveis de coordenação de atividades,
do comunitário ao nacional, podem ter uma avaliação
permanente de suas ações e realizarem seus planejamentos
e capacitações com base em dados atualizados
de sua realidade.
Com
o intuito de dar continuidade a esse trabalho e de estimular
o surgimento de uma cultura de envelhecimento saudável
no interior das famílias, a CNBB definiu que para a
Campanha da Fraternidade de 2003, o tema vai ser "Fraternidade
e as pessoas idosas - Vida, Dignidade e Esperança".
|
(MP)
Mais
informações:
Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia
http://www.sbgg.org.br
Centro
de Referência do Envelhecimento - SESC-RS
http://www.sesc-rs.com.br
Confederação
Brasileira de Aposentados e Pensionistas
http://www.cobap.hpg.com.br
Movimento
Nacional dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas
http://www.mosap.org.br
Associação
Nacional de Gerontologia - seção RJ
http://sites.uol.com.br/anj-rj/
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