IdadeAtiva:
jornalistas e cientistas na construção
coletiva do conhecimento
Graça
Caldas
A relação
conflituosa entre jornalistas e cientistas tem sido objeto de vários
papers, onde são discutidas as dificuldades inerentes
ao processo de produção de matérias para a
divulgação científica na mídia. Durante
a realização da disciplina Oficina de Jornalismo Científico
no Programa de Pós-Graduação Lato Sensu
em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp, no primeiro semestre
de 2002, foi possível verificar, na prática, as dificuldades
e vantagens na atuação conjunta desses profissionais.
Durante os quatro meses do curso, a experiência na elaboração
e produção de uma revista eletrônica sobre idosos,
IdadeAtiva,
mostrou que é possível o aprendizado mútuo
e a quebra de pré/conceitos.
Na
concepção da disciplina, a grande preocupação
era oferecer a possibilidade de um trabalho conjunto entre jornalistas
e cientistas. O desafio era mobilizar esses profissionais com formação
e atuação distintas, num trabalho comum. Os alunos
haviam cursado no primeiro semestre do curso uma disciplina introdutória
sobre as técnicas jornalísticas. Cabia então
aproveitar os ensinamentos técnicos e alguns exercícios
da disciplina anterior, sob a coordenação do prof.
Amarildo Carnicel, e aprofundá-los num projeto mais ambicioso.
A grande
dificuldade era, naturalmente, fazer com que os jornalistas e cientistas
acreditassem que podiam aprender algo considerando o ethos
de cada um. O objetivo era garantir os princípios básicos
do jornalismo com textos atuais, contextualizados, claros, concisos
e com timing de fechamento; mantendo, ao mesmo tempo, uma
linguagem atrativa e de fácil entendimento. O que se buscava,
também, era associar esses princípios do jornalismo
ao rigor científico comum nos trabalhos acadêmicos.
Considerando
que o perfil dos 40 alunos do curso reunia jornalistas com diferentes
experiências (jornais, revistas e assessorias de imprensa),
um relações públicas e cientistas titulados
de diversas áreas (ciências sociais, geografia/geologia,
medicina, física, biologia, advocacia, bioquímica,
enfermagem, engenharia e nutrição), a diversidade
na formação da turma representava, ao mesmo tempo,
os limites e o potencial do trabalho.
A ementa da disciplina tinha claro, na sua concepção,
a necessidade de uma discussão teórica inicial seguida
de um produto jornalístico. Do objetivo previsto de uma abordagem
crítica sobre o papel e a responsabilidade do jornalista
e do cientista no processo de transformação social
pela prática da divulgação científica
na mídia, em suas distintas facetas, desenvolvemos alguns
exercícios. O primeiro deles foi a elaboração
de uma notícia objetiva sobre um determinado fato, seguida
de construção de uma reportagem a partir de um artigo
científico do bioquímico Walter Colli, da USP, sobre
Pesquisa Básica e Aplicada, além de um artigo opinativo
sobre o mesmo tema. A expectativa era que o texto de Colli servisse
apenas de apoio para uma avaliação pessoal da temática.
Não por acaso, de uma maneira geral, os jornalistas saíram-se
melhor no gênero reportagem e os cientistas nos artigos. Afinal,
os dois grupos são assim treinados para o exercício
profissional.
Com
esses exercícios foi possível avaliar o grau de dificuldade
e familiaridade dos alunos com a linguagem escrita e observar, desde
o início, as diferenças entre enfoques dados pelos
jornalistas acostumados à prática diária da
estrutura narrativa em forma da pirâmide invertida (ordem
de construção do texto pela prioridade das informações
de acordo com as teorias de jornalismo) e a dificuldade mais presente
nos cientistas sobre a hierarquização da informação.
Como costumamos observar em trabalhos acadêmicos, as conclusões
dos cientistas, quase sempre são os leads das reportagens
jornalísticas. Isto significa dizer que o lead está
no pé!
O objetivo
da Oficina era o de preparar o aluno na produção de
matérias de divulgação científica para
diferentes públicos, particularmente na mídia impressa.
Era também intenção do curso mostrar a importância
de produzir matérias contextualizadas sobre a pesquisa realizada,
numa perspectiva crítica e analítica sobre a realidade
brasileira. Partindo do processo de construção do
conhecimento do jornalista e do cientista, a pretensão era
desenvolver matérias que contivessem o que acreditamos ser
o rigor científico na precisão e interpretação
dos dados da informação relatada, aliadas ao feeling
e enfoque jornalístico no processo de seleção
dos dados, hierarquização das informações
e abordagem dos fatos.
A metodologia
no desenvolvimento da disciplina envolveu discussões teóricas,
análises e produção de textos. Além
dos exercícios introdutórios, foi proposta a produção
de uma revista temática em diferentes suportes: eletrônico
e impressa, destinadas a diferentes públicos (crianças,
jovens e adultos). A idéia era trabalhar o mesmo tema em
diferentes linguagens. Como nosso encontro era semanal, com três
horas de duração, ficou claro, desde o início
a dificuldade em cumprir o projeto integralmente. Ficamos, então,
com a revista eletrônica pela sua viabilidade técnica.
Dos
temas sugeridos, clonagem, transgênicos e outros, o preferido
por todos foi a velhice. Definido o tema, passamos a discutir editorias
e pautas. Desde o início, a possibilidade de construção
da revista praticamente on line, com a facilidade criada
pela aluna Daniela Nanni, web designer da empresa paulista
Techway, revelou-se de longe, a melhor alternativa. Desta forma,
foi possível experimentar diferentes projetos visuais elaborados
pela Daniela, com sugestões de Fábio Reynol de Carvalho.
Os projetos foram amplamente discutidos em sala de aula e depois
de vários comentários dos alunos, foi finalmente viabilizado
por Daniela. Na construção do site, detalhes considerados
importantes como o tamanho do corpo das letras dos textos para 16
textos, em lugar do usual 12, foi decidido em conjunto em função
da dificuldade de leitura do público-alvo: os idosos.
Da
criação do nome da revista, que variou entre "cabelos
brancos", "idosos", "terceira idade". "velhice"
à produção dos textos com revisão de
colegas e editores, praticamente todo o trabalho foi realizado em
grupo. A escolha do nome recadiu sobre IdadeAtiva, que representava
a perspectiva projetada para a revista de encarar o processo de
envelhecimento com respeito e dignidade, mantendo a expectativa
de qualidade de vida. No decorrer dos trabalhos tivemos editoriais
praticamente caminhando sozinhos, enquanto outros dependiam de incentivos
e cobranças permanentes para chegarem ao final. A diferença
de resultado pode ser observado no site da revista, provisoriamente
sediado na Techway, com o endereço http://techway.com.br/techway/revista_idoso/index.htm.
Para
dar uma visão geral do problema da velhice e facilitar o
surgimento de pautas para as diferentes editoriais, foi fundamental
para o processo a palestra inicial da professora Anita Liberalesso,
especialista em Psicologia do Desenvolvimento no Adulto e responsável
pela implantação de um programa de gerontologia na
Faculdade de Educação da Unicamp. Um vídeo
sobre a Terceira Idade produzido pela PUC de Campinas foi também
exibido aos alunos. A estratégia era garantir informações
básicas sobre a temática que pudessem auxiliar na
reflexão sobre a velhice e, consequentemente, na produção
das matérias.
O trabalho
de construção da revista foi estruturado inicialmente
em editorias de Política, Economia, Saúde, Ciência,
Cultura, Lazer, Comportamento, Histórias de Vida e Serviços.
Nossa pretensão era cobrir a maior gama possível de
temas que abordassem a questão dos idosos de forma realista,
mas otimista, em que a qualidade de vida na chamada Terceira Idade
fosse o diferencial. Como acontece numa redação de
qualquer veículo de comunicação, várias
sugestões iam surgindo e sendo descartadas no decorrer da
produção das matérias.
Após
o start inicial da divisão de trabalho em editoriais,
os alunos foram se agrupando nos temas de suas preferências
ou habilidades. A única regra não discutível,
uma vez que atende aos propósitos pedagógicos do Programa,
era mesclar em cada editoria jornalistas e cientistas. A expectativa
era que dessa troca fosse possível realizar matérias
mais elaboradas e reduzir o nível de distorções
normalmente atribuídos aos jornalistas. É importante
observar que essas distorções podem ainda ser atribuídas
à falta de clareza do cientista na exposição
de suas idéias e no relato de suas experiências, embora
nem sempre perceba ou reconheça isso.
No
andamento dos trabalhos ficou claro, que não poderíamos
ter uma editoria específica sobre ciência, como projetado
inicialmente. Isto porque, todas as editoriais deveriam ter além
do caráter informativo, um viés analítico e
interpretativo baseado em pesquisas científicas vinculadas
aos temas abordados. Acertadas as editorias, os alunos se distribuíram
em grupos que variavam de três a até oito pessoas.
Além dos textos produziram fotos, discutiram ilustrações
e editaram as matérias. Em diferentes momentos foram discutidos
coletivamente o conteúdo das editoriais, sugestões
e comentários dos colegas, conduta que se mostrou enriquecedora.
Estabelecida
a sistemática de trabalho, foi possível avançar
com as matérias. Se em alguns grupos a harmonia entre os
pesquisadores e os jornalistas corria tranqüila, com os cientistas
aceitando explicações dos colegas jornalistas sobre
a hierarquização das informações, bem
como os jornalistas aprendendo com os cientistas informações
técnicas, outras vezes essa relação foi tensa
e de difícil administração. A dificuldade maior
era mostrar ao pesquisador que alguns detalhes da pesquisa, pela
natureza da informação, não seriam necessários
no texto, sem prejuízo ao conteúdo. Em alguns momentos
a intervenção docente foi necessária para garantir
o andamento dos trabalhos. A delicadeza da situação
era, em alguns casos, fazer os dois grupos entenderem a diferença
de formação e aceitar críticas e/ou sugestões
de mudanças no texto do outro como uma forma de colaboração
para a melhoria do conteúdo e forma, assim como rejeitar
mudanças, quando não fossem pertinentes.
A possibilidade
de construção e reconstrução permanente
dos textos, a seleção dos títulos, revisão,
a escolha das fotos e ilustrações a partir das inserções
no site, decisão a ser tomada a partir das constantes
olhadas no "produto em construção", na tela
do computador, foi o principal motor do projeto. Às vezes
parecia que não iríamos chegar ao final. Nosso desafio
era apresentar a revista no último dia de aula para o coordenador
do Labjor, prof. Carlos Vogt. Assim como no processo de "fechamento"
de uma matéria para um veículo real, tínhamos
o nosso deadline. É claro que se tivéssemos
mais tempo poderíamos ter feito melhor. Como acontece no
cotidiano da mídia, o importante é fazer o melhor
possível no prazo real, seja ele diário, semanal ou
mensal.
O
resultado final é animador. Mostra a possibilidade de um
trabalho em regime de parceira, onde o leitor é o maior beneficiado.
A experiência será relatada na Conferência Mundial
de Jornalismo Científico, em novembro, em São José
dos Campos. Seguindo a proposta inicial, de atuação
conjunta, depoimentos dos alunos sobre os motivos que os levaram
a fazer o curso, avaliação pessoal da qualidade das
matérias divulgadas na mídia, a importância
do trabalho conjunto de jornalistas e cientistas e a uma avaliação
da experiência da Oficina serão incorporados num paper
escrito a muitas mãos.
Graça
Caldas é jornalista, professora do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação Social da UMESP, área de Divulgação
Científica e Políticas de C&T, professora da Oficina
de Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp e Diretora Acadêmica
da ABJC.
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