O
dilema da garantia de energia elétrica com baixos custos
e reduzidos impactos ambientais: a solução para a
crise energética do país
José
Luz Silveira
A geração
de energia elétrica no Brasil é calcada em um parque
predominantemente hidráulico, merecendo destaque neste momento
de crise energética, a diversificação imediata
do nosso parque gerador, quer seja através da incorporação
imediata de termelétricas utilizando o gás natural,
quer seja através da implantação de sistemas
de cogeração e através da incorporação
de energias renováveis. Nesta sequência, e também
através das medidas de racionalização e conservação,
conseguiremos aumentar a oferta de energia elétrica no país,
tentando acompanhar satisfatoriamente a demanda, que desde o início
da privatização do setor elétrico, 1995, tem
acompanhado o crescimento do PIB, sem o devido acompanhamento por
parte da capacidade geradora ou aumento da oferta de eletricidade.
Assim sendo, poderemos manter o crescimento econômico do país,
desde que busquemos saídas plausíveis para o a crise,
sem nos importarmos em primeira instância, de quem é
culpa da crise. O que importa é a solução para
a crise!
De
certo modo, essas alternativas para aumento da oferta de eletricidade
no Brasil, devem ser incorporadas visando um desenvolvimento no
mínimo auto-sustentável, quando da não possibilidade
de sustentável, tendo em vista os custos associados a geração
e os limites de emissões estabelecidos pela legislação
brasileira e pela Organização Mundial da Saúde
(OMS). O brasileiro não pode pagar muito caro pela energia
elétrica, pois não possui renda adequada para isso.
Está previsto, ainda para esse ano, um aumento médio
de 20 % nas tarifas de eletricidade e acredito que maiores aumentos
deverão ser entraves para o desenvolvimento do país.
Desde
1995, quando do início do modelo de privatização
do setor elétrico brasileiro, a oferta de eletricidade não
acompanhou a demanda associada ao crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB). Como conseqüência, a geração
termelétrica é uma parte importante neste cenário,
tendo em vista, o curto tempo de implantação de centrais,
o baixo custo de investimento e a baixa emissão de poluentes
em se tratando da implementação do gás natural
na matriz energética brasileira.
Esse
cenário de disparidade oferta/demanda complica-se quando
analisamos diversos fatores. Primeiro, a indústria de eletricidade
no Brasil precisa de uma reestruturação, passando
de uma matriz extremamente hidrelétrica, altamente dependente
das variações climatológicas, para uma matriz
competitiva, capaz de atender à demanda e ao crescimento
econômico em tempo hábil. Sem a definição
dessa transformação, fica difícil prever as
características estruturais e operacionais do mercado elétrico
para os próximos anos. Sabe-se que a produção
de eletricidade depende das unidades geradoras que serão
retiradas, reestruturadas e construídas entre hoje e os próximos
anos.
As
próximas seções descrevem algumas mudanças
que certamente ocorrerão nos próximos anos, diferentes
formas de obtenção de energia e as minhas projeções
para o setor de eletricidade.
Em
resposta à crise energética anunciada, um programa
de uso racional, de geração e transmissão,
com o propósito de eliminar os problemas associados com o
mercado consumidor e assegurar um bom desempenho do setor elétrico,
deve ser estabelecido imediatamente.
Muitos
são os fatores que forçam a indústria de eletricidade
brasileira a mudar. Esse fatores incluem o baixo preço do
gás natural (relativamente aos outros combustíveis),
melhorias substanciais na eficiência das turbinas a gás
(incluindo melhorias tecnológicas nas emissões de
poluentes) e o sentimento público contrário ao racionamento
e outras turbulências no cotidiano dos usuários de
eletricidade. Veremos um futuro no qual o setor de geração
será guiado primeiramente por forças competitivas
mais que por mandados reguladores e motivações políticas,
como é o que tenho observado nesses dias, entre a oposição
e o governo. As decisões sobre quando, onde e quanto construir,
reativar ou retirar unidades geradoras serão tomadas pela
sociedade organizada e empreendedores, mais que por reguladores.
Historicamente,
o sistema de utilização tem planejado, construído
e operado plantas de potência para minimizar o custo do sistema
de energia elétrica por um prazo muito longo de tempo. No
ambiente competitivo, e na crise em que estamos, as regras de decisão
devem ser substituídas por uma regra que dê ênfase
à exequibilidade de unidades geradoras individuais próximas
ao centro de carga, outras que não a hidroeletricidade, em
um menor espaço de tempo, o que ocorre com as usinas térmicas
de geração de energia.
A demanda e a oferta como estão? Enquanto a demanda cresce
de modo acentuado, a oferta vem crescendo muito pouco. Isto devido
ao modelo adotado pelo governo ser de concorrência. Assim
sendo, se não houver expansão da oferta de energia,
os preços associados a esse insumo essencial, serão
elevados, estrangulando de modo geral os consumidores, tendo em
vista que os custos dos bens de consumo também terão
elevação. É preciso sem dúvida gerar
energia! Se houver aumento de oferta o preço em R$/MWh tenderá
a baixar! Para se ter uma idéia a tarifa de energia elétrica
dobrou de 1990 a 2000, passando em valores médios de 60 R$/MWh
a 150 R$/MWh, respectivamente. Neste mesmo período, o risco
de déficit triplicou. Ou seja, a energia hoje é mais
cara e o risco de déficit é iminente!
Mas
por que a oferta não acompanha a demanda no Brasil? Porque
o sistema tradicional de geração através de
usinas hidráulicas está com apenas 28 % da capacidade
dos reservatórios! Alem disso, não existe mais grandes
recursos hidrelétricos disponíveis! O Governo já
vem investindo no que pode ser feito. Nos reservatórios esteve
e está "em uso" a água que iria produzir
a energia em anos futuros. Ou seja, o que aconteceu é que
desde 2000, avançamos sobre as reservas de 2001 e 2002. Além
disso não tivemos chuvas adequadas. Não tivemos racionamento
de energia elétrica até agora, mas o risco de déficit
é iminente. É só ler ou ver os jornais.
Geralmente,
quanto mais segura a oferta de energia, mais cara é a mesma?
É lógico que não! Ao mesmo tempo que aumentam
o preço da eletricidade cada vez mais, colocam o abastecimento
em risco! A população, carente de informações,
e muitas vezes influenciada por ecologistas radicais, pergunta:
Será que existem outras formas de gerar energia de modo sustentável?
É lógico que existe! Mas tudo tem razão e época
para ser dominado e desenvolvido. É o que veremos a seguir...
-Energia
Eólica:
A energia eólica pode ser aplicada quando houver ventos constantes
com uma velocidade média de 10 m/s e velocidade mínima
de 6 m/s. No Brasil isto só é possível em alguns
locais do Nordeste e Sul do País.
Uma turbina eólica, por exemplo, com 30 metros de diâmetro
de rotor, pode gerar 225 kW de potência elétrica. Entretanto
é necessário manter distâncias mínimas
entre fileiras de turbinas eólicas. Numa mesma fileira, a
distância entre duas turbinas deste porte, seria de 3 a 8
vezes o diâmetro, ou seja de 90 a 240 metros. Um fileira procede
outra, numa distância entre 130 e 170 metros, dependendo da
velocidade média do vento. O custo de investimento na geração
eólica é cerca de 3000 US$/kW. Ou seja a energia eólica
ainda é cara e tem limitação pela velocidade
do vento. É uma solução coadjuvante complementar
que não resolverá o problema do Brasil de imediato,
mas deve sim ser utilizada com subsídios do governo.
-Energia
Fotovoltaica:
A energia fotovoltaica utiliza o processo de radiação
solar. No território brasileiro existe uma radiação
solar média de 900 W/m2. Uma planta fotovoltaica converte
deste total, no máximo 81 W/m2 de eletricidade, durante 6
horas do dia (parâmetro de projeto, que depende da posição
do sol). Deve-se no entanto utilizar banco de baterias para armazenar
energia a ser utilizada em períodos nos quais a radiação
não pode ser aproveitada. Isto encarece muito o investimento.
O Brasil ainda não tem domínio de processo de fabricação
de painéis fotovoltaicos.
A título
de exemplo, um painel de 250 W possui uma área de 2,27 m2.
Entretanto é necessário uma mesma área mínima
para a instalação de equipamentos periféricos,
entre os quais, conversores de tensão, alternador de corrente
contínua para corrente alternada, banco de baterias, entre
outros. O custo de investimento na geração fotovoltaica
é muito alto: cerca de 4500 US$/kW gerado.
Ou
seja, a energia fotovoltaica é muito cara e tem limitação
tecnológica no caso brasileiro. Já existem projetos
em desenvolvimento de Nacionalização de Painéis,
P&D - ANEEL, realizado de acordo com Legislação
Federal, entre Concessionária e Centro de Pesquisa Nacional.
É uma solução coadjuvante complementar que
não resolverá o problema do Brasil de imediato, mas
também deve ser utilizada com subsídios por parte
do governo.
-Energia
do Hidrogênio:
O hidrogênio como combustível é obtido de um
processo de eletrólise da água. Este processo consome
energia elétrica e consegue dissociar o H2 (hidrogênio)
e o O2 (oxigênio) da água (H2O). Este processo apresenta
custo elevadíssimo e é pouco dominado em grande escala.
Uma planta termelétrica a hidrogênio (por exemplo de
1200 MW), teria um custo de investimento muito elevado, tendo em
vista que além da planta de produção de hidrogênio,
teria associada a planta termelétrica (turbina a gás
+ caldeira de recuperação + turbina a vapor + outros
equipamentos).
Qual é a saída imediata para garantir oferta de energia
elétrica de modo mais racional e limpo possível?
Sou
cientista e pesquisador com muitas publicações científicas
e técnicas, incluindo vários serviços prestados
em nível de consultoria. Trabalho com ética e muita
responsabilidade. O que estou escrevendo aqui é para elucidar
a população e a comunidade, tendo em vista a minha
experiência. Tudo tem uma razão lógica. Sou
adepto e pesquiso energia renovável e sustentável,
com projetos desenvolvidos em energia solar, biodigestores, energia
de hidrogênio, conversão de fornos elétricos
para gás natural, cogeração, célula
de combustível, etc, sempre promovendo o Desenvolvimento
Sustentável ou Auto-Sustentável.
A saída
é aplicar um Planejamento Integrado de Recursos (PIR), procurando
conservar energia, aumentar a oferta por co-geração
e geração termelétrica com o gás natural,
combustível dos mais limpos e de maior densidade energética
disponível (alto poder calorífico inferior).
O consumo
per capita de eletricidade no Brasil já é muito baixo.
Conservar energia é possível e válido sempre,
mas não vai resolver, por si só, os problemas relacionados
com a pouca oferta e o elevadíssimo aumento de demanda, problema
que pode com certeza diminuir a possibilidade de desenvolvimento
para as regiões afetadas e consequentemente para o Brasil.
Posso
e devo citar um fato muito importante com relação
a conservação de energia na indústria. Cito
o caso de uma grande indústria de alumínio do Vale
do Paraíba (setor eletro-intensivo). Nesta indústria
há 6 fornos elétricos de 4 MW, nos quais estudamos
a possibilidade de conversão para operação
com gás natural. Os resultados se mostraram viáveis
tecnicamente e economicamente e a indústria já está
efetuando a conversão para a devida operação
com gás natural, perfazendo um total de 24 MW elétricos
conservados. Isto representa cerca de 60 % da demanda de eletricidade
da referida indústria. Ou seja, a conservação
de energia elétrica, quer seja, em nível industrial,
como em nível residencial, etc, sempre é válida.
A outra
saída para situação do setor elétrico
brasileiro é a cogeração. A cogeração
é um método efetivo de conservação de
energia primária (energia de um combustível) que pode
ser aplicado ao setor industrial ou ao setor terciário (hospitais,
hotéis, shopping centers, restaurantes, aeroportos, etc)
quando economicamente justificado. Este termo é usualmente
empregado para designar geração simultânea de
calor útil (vapor, água quente, água gelada,
ar quente e frio) e potência (mecânica ou elétrica)
a partir da queima de um único combustível, e sua
racionalidade comporta visões distintas de acordo com a aplicação
a que se destina. Entre as tecnologias empregadas para a cogeração,
se enquadram as que utilizam turbinas a vapor, turbinas a gás,
turbinas a gás associadas em série com turbinas a
vapor (ciclo combinado), motores de combustão interna (motores
automotivos ou industriais), entre outras em menor escala de comercialização.
Os níveis globais de eficiência destas modalidades
de plantas de cogeração se situam entre 50 e 85 %.
No Brasil, a evolução deste modo de geração
de energia vem ocorrendo principalmente nas indústrias de
grande porte (açúcar e álcool, papel e celulose,
químicas, petroquímicas, etc) e o problema maior que
temos enfrentado é com relação as regulamentações
que ainda não estão bem definidas e claras. Há
questões pendentes, entre as quais, tarifa de reserva, valor
cobrado pela concessionária que garante ao empreendedor da
cogeração o fornecimento de energia via rede, em caso
de pane ou de parada programada para manutenção do
sistema de cogeração, e ainda a falta de uma definição
para a tarifa de venda de excedentes de eletricidade, quando a planta
operar gerando uma capacidade maior que a necessária para
a indústria, neste caso injetando eletricidade na rede. De
outro modo, cabe informar neste ponto, que a cogeração
se mostra mais economicamente justificável quando da disponibilidade
de combustíveis originados nos próprios processos
industriais, como é o caso do bagaço de cana, na indústria
de açúcar e álcool, licor negro ou lixívia,
casca de madeira, na indústria de papel e celulose. O potencial
de cogeração no Brasil é relativamente grande
e deve sim ser aproveitado, mas ainda existe a necessidade de se
estabelecer regulamentações adequadas envolvendo o
setor produtivo, as concessionárias e os governos municipais,
estaduais e federal. Há que se estabelecer ainda, valores
plausíveis para o custo do combustível utilizado na
cogeração, principalmente se este for um derivado
do petróleo ou gás natural. Há que se formar
um Foro envolvendo o empreendedor (indústria que vai cogerar),
fabricantes de equipamentos para a cogeração, as Concessionárias,
os fornecedores de combustíveis, as Universidades, representantes
comunitários, etc, de modo a mostrar a importância
da cogeração para todos os envolvidos no processo.
A cogeração não deve ser vista como responsabilidade
única do empreendedor cogerador. Quando isto realmente acontecer,
a cogeração no Brasil vai sim desenvolver de modo
adequado e rápido.
A geração
de eletricidade em termelétricas de ciclo combinado, que
pressupõe a combinação de turbina a gás,
caldeira de recuperação e turbina a vapor, é
uma das técnicas mais racionais, atingindo níveis
de eficiência entre 54 e 64 % (razão entre a potência
elétrica produzida pela turbina a gás mais a potência
elétrica produzida pela turbina a vapor, pela potência
suprida pelo combustível). Esses níveis são
dos mais altos disponíveis tecnicamente e comercialmente
no mercado mundial, em caso de plantas termelétricas.
Para
se ter uma idéia, neste tipo de central, o calor disponível
nos gases de exaustão (saída) da turbina a gás
após o primeiro estágio de geração de
eletricidade (entre 450 e 650 oC), é reaproveitado para gerar
vapor superaquecido na caldeira de recuperação. Esse
vapor se expande então numa turbina a vapor, que produz mais
uma vez energia elétrica (segundo estágio de geração
de eletricidade). Os gases de escape numa termelétrica como
esta, saem para a atmosfera entre 150 e 250 oC e com pouca emissão
de gases poluentes, quando do uso do Gás Natural. As termelétricas
em ciclo combinado emitem pouco NOx, tendo em vista o grande avanço
tecnológico dos equipamentos, emitem muito pouco SOx e quase
não há emissão de particulados, sobretudo quando
do uso do gás natural
"As
termelétricas em ciclo combinado são o caminho natural
para se combater a crise energética. A queima do gás
natural permite pouca emissão de componentes e particulados
e uma alta eficiência termodinâmica".
De
acordo com decreto lei específico, sabe-se que há
a necessidade de audiência pública para licenciar novas
centrais termelétricas, onde normalmente são discutidos
e debatidos assuntos sobre o EIA - Estudos de Impactos Ambientais
e o RIMA - Relatório de Impacto ao Meio Ambiente. Percebo
no entanto que os assuntos discutidos nestas Audiências são
quase que em sua totalidade políticos, verificando-se a participação
por interesse mais de partidos políticos do que da nação
Brasil. No entanto, percebo uma falha muito grande neste sistema
de aprovação. Muitos leigos falam sem nenhum subsídio
técnico e/ou científico. Isto a meu ver está
errado! De fato, creio que os membros do CONSEMA - Conselho Estadual
de Meio Ambiente devam editar as filmagens antes de passar para
os órgãos superiores competentes.
A
título de exemplo, vamos supor que cerca de 1000 indústrias
brasileiras vão optar por instalarem em suas fábricas
geradores diesel de 1000 kW cada um. Neste caso, as indústrias,
atendendo ao programa de racionalização energética
do governo, simplesmente vão instalar sem audiência
pública (pois não há necessidade para isso,
sendo a única obrigação das empresas comunicarem
as concessionárias da instalação de autogeração),
um total de 1000 MW. A pergunta que deixo ao leitor, cuja resposta
eu já sei é: Será que 1000 MW com motor diesel
polui menos que 1000 MW ciclo combinado queimando gás natural?
Quem polui mais: o diesel ou o gás natural? De outro modo,
informo que a eficiência de um motor diesel é de cerca
de 26 % enquanto que a de uma termelétrica ciclo combinado
é 54 %, em alguns podendo atingir até os 64 %.
José
Luz Silveira é pesquisador do CNPq e do departamento
de energia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp)
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