População
paga pela falta de investimentos no setor elétrico
O
Brasil está enfrentando uma crise energética sem precedentes.
A falta de investimento no setor, aliada ao aumento gradativo do
consumo de energia elétrica - um apelo inerente ao tempos
modernos - culminaram, este ano, no estabelecimento da crise que
afeta a população, já sob efeito do racionamento
imposto pelo Governo Federal. Desde de junho, todos os setores da
sociedade brasileira vivem sob a meta da redução do
consumo de energia elétrica, de cunho linear e obrigatório,
sob pena de cortes do fornecimento e multas.
Apesar
da insatisfação de muitos, especialmente dos pequenos
consumidores que têm dificuldades para atender a meta estipulada
pelo governo porque já consomem o mínimo, é
fato também que uma significativa parcela da população
tem procurado colaborar com a redução do consumo de
energia elétrica. A substituição de lâmpadas
incandescentes por fluorescentes, o corte do uso de um ou mais aparelhos
eletro-eletrônicos e a vigilância contra o desperdício
tem sido as atitudes comuns da população diante da
crise. Nas instituições públicas e privadas,
comissões internas de conservação de energia
foram instaladas a fim de estabelecer estudos e medidas para racionalizar
o uso de energia elétrica.
Prevista
e anunciada por diversos organismos da sociedade (institutos de
análise econômico-social, especialistas, partidos políticos,
parlamentares), especialmente nos últimos dois anos, a eminente
crise energética, oficialmente, sempre foi negada pelo Governo.
"Em 99, o Ministério das Minas e Energia (MME) e da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) elaboraram
um Plano Emergencial de Energia Elétrica, para enfrentar
a prevista crise de 2001. Já constava naquele documento oficial
a inevitável ameaça de racionamento para este ano",
disse o especialista em energia Adilson de Oliveira, do Instituto
de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A crise
não surgiu por acaso e nem a causa pode ser resumida a só
item. Esse processo tem como referência histórica a
redução de investimentos na transmissão, distribuição
e conservação de energia elétrica; a dependência
do país com relação às usinas hidrelétricas,
responsáveis pela produção de quase a totalidade
(mais de 90%) da energia consumida no território nacional;
as transformações ambientais, incluindo os baixos
índices pluviométricos, que produziram impactos negativos
na matriz energética brasileira; aumento da demanda em razão
do desenvolvimento de novos empreendimentos nos diferentes setores
da economia (agricultura, indústria e serviços) associado
a um aumento de consumo residencial de energia elétrica.
Gerenciar
tais fatores é reponsabilidade do Governo Federal, cuja intenção
nos últimos é privatizar o setor. Esse processo teve
início há cerca de seis anos, com a venda da concessão
do serviço de distribuição a empresas estrangeiras.
Data daí, segundo especialistas, a principal fase caracterizada
pela falta de investimentos que culminou na atual crise. Sem ampliação
da capacidade do sistema, as chamadas "reservas" dos anos
seguintes foram sendo utilizadas, causando déficits. Conseqüentemente
houve perda de confiabilidade do sistema, cuja margem de segurança
era de 5%, no máximo, e chegou a 17% na região Sudeste/Centro-Oeste,
neste ano.
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Energia
armazenada no Sul e Sudeste. Fonte Plano Decenal de Expansão
2000-2009
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Para
sair da crise, é unânime entre os especialistas apontar
para a necessidade da elaboração de um novo planejamento
e regulamentação para o setor, a curto, médio
e longo prazos. "É preciso reunir os diversos setores
da sociedade, governo, ONGs, instituições públicas
e privadas, etc, para o estabelecimento de uma política para
o setor, que não inviabilize os investimento e penalize mais
a sociedade", disse o professor Ildo Sauder, da USP.
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Riscos
de déficit de energia maiores do que 5% no antigo sistema.
Fonte: Plano Decenal de Expansão (2000-2009)
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Faltam
chuvas?
A explicação
do Governo sobre a falta de chuvas para a crise de energia elétrica
não convenceu os especialistas da área que apontam
a falta de investimentos no setor como a principal causa do racionamento.
"A escassez de chuvas só piorou o que já era
previsto", reafirma o professor Giovanni Rabelo, da Comissão
Interna de Conservação de Energia da Universidade
Federal de Lavras (Ufla).
Em
entrevista recente ao jornalista Marcos Sá Corrêa,
o especialista da UFRJ, Adilson de Oliveira informou que "Há
uma certa quantidade de água que cai quase inexoravelmente.
É com ela que se deve contar para gerar eletricidade. O excedente
se armazena. No nosso caso, desde 94, todo ano fomos usando um pouco
dessa reserva, para manter as turbinas funcionando com uma carga
que compensasse o déficit de geração de energia
causado pela falta de investimentos na expansão do sistema.
Segundo ele, a margem de segurança acaba em 97 e, dali para
frente, o déficit aumenta anualmente, culminando na crise
em 2001.
A imprensa
nacional e estrangeira anunciou: a culpa não é de
São Pedro. A verdade é que o Brasil já enfrentou
períodos de seca maiores. Um dos mais críticos foi
entre 1951 a 1956, quando a média das afluências anuais
do Rio Grande, onde estão localizadas as principais unidades
do sistema sudeste, chegaram a índices abaixo de 60% - a
média é de 95%. Outro período crítico
foi registrados nos anos de 68-71 e 89 sem, contudo, afetar tanto
o sistema de abastecimento de energia elétrica. Os anos de
97 e 98, os índices de afluência ficaram 20% acima
da média e, em 98, um pouco abaixo da média.
As
alternativas precisam ser viáveis
Como
em toda crise, autoridades, especialistas e até a sociedade
discutem as possíveis soluções para o setor
de energia elétrica no Brasil. São muitas as alternativas.
Busca-se, no entanto, critérios de viabilidade.
Portal
do Ministério da Ciência e Tecnologia mostrará
produtos para gerenciamento do consumo de energia
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O
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) disponibilizou
um portal
na Internet que irá mostrar produtos inovadores
e tecnologias já disponíveis para racionalização
do consumo de energia elétrica. O site faz parte de
um grupo de sete medidas do MCT para dar soluções
alternativas à atual crise de energia que afeta as
regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil.
Atualmente, o site conta matérias que falam sobre fontes
alternativas de energia como a eólica, solar, gás
natural e dendê.
As
sete medidas do MCT são de curto e médio prazo
que servem como apoio ao plano divulgado pelo Câmara
de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Para
as medidas, o governo disponibilizou uma verba de R$ 200 milhões.
Parte desse dinheiro será do Fundo de Infra-Estrutura.
Oito técnicos trabalham na construção
do portal de energia do ministério. Alguns produtos
a serem colocados no site também integrarão
uma feira tecnológica. Ela será fixa e montada
em algumas das principais capitais brasileiras. "Teremos
várias feiras simultâneas nas capitais e dos
alguns produtos expostos serão de empresas pequenas,
de incubadoras", disse José Carlos Gomes Costa,
coordenador geral de Políticas Setoriais do MCT.
"Além
de fazer a promoção e os ensaios para testar
a eficiência do produto, a Finep (Financiadora de Estudos
e Projetos) poderá financiar, se houver interesse,
o crescimento ou implantação da produção
desses equipamentos", contou. "É bom destacar
que não se trata de desenvolvimento de tecnologia,
mas de produtos que já estão prontos, que podem
ser produzidos e utilizados em curto prazo", explicou.
A
Finep tem um edital aberto com o objetivo de levantar as empresas
que desenvolveram essas tecnologias. Caso o projeto seja aprovado,
as companhias irão expor seus produtos na feira, sem
nenhum custo. As empresas que tenham projetos nessa área
podem enviar suas propostas até o dia 31 de julho para
o e-mail energia@finep.gov.br. A avaliação será
feita por um grupo de especialistas e o resultado deve sair
até 15 de agosto. Na análise, os especialistas
irão considerar o mérito do projeto, o resultado
esperado em relação à eficiência
energética e a viabilidade econômica.
Mesmo
projetos que tenham bom potencial, mas longo prazo para chegar
ao mercado, poderão se inscrever e, se aprovados, participar
da feira. "Não estamos nos comprometendo a financiar
o projeto, vamos identificar, avaliar e convidar para participar
da feira e levar seu produto, sem haver custo para essa divulgação",
explicou André Amaral, diretor da Finep. "Mas,
se ao fazermos isso, descobrirmos bons produtos, podemos pedir
uma detalhamento do projeto e financiá-lo, se atender
as exigências da Finep para o financiamento", completou
ele.
Uma
outra medida do MCT será o incentivo a projetos de
geração de energia elétrica e de implantação
de alternativas de energia nos campi das universidades. "Será
feito um investimento em equipamentos para co-geração
e geração de energia, sempre com o objetivo
de demonstração. Seria uma vitrine, um modelo
que outras entidades podem replicar", afirmou Costa.
Será aberto um edital para chamar as universidades,
que enviarão seus projetos para conseguir o financiamento.
Até o fim do ano, o MCT espera ter implantado essa
medida.
O
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), órgão do ministério, vai conceder
bolsas para especialistas que darão suporte técnico
a prefeituras, pequenas e médias empresas em relação
ao gerenciamento e redução do gasto energético.
Será aberto um edital para contratação
dos técnicos e o projeto tem parceria com o Sebrae.
Talvez a medida que demore mais tempo para ser implantada
é a certificação, que será feita
em conjunto com o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização
e Qualidade Industrial (Inmetro). O MCT irá incentivar
estudos temáticos que demonstrem o que falta para que
diversas alternativas de geração de energia
sejam adotadas, como por exemplo, a eólica. A sétima
medida prevê que o Centro de Previsão do Tempo
e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) receba um investimento extra
para compra de supercomputadores para aprimorar seu sistema
de previsão do tempo e análise de clima.
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Ao
contrário do que dizem alguns especialistas do setor, há
quem considere a dependência hidrológica do setor de
energia elétrica do Brasil uma vantagem. Além do custo
de geração mais baixo, o sistema hídrico proporciona
suprimento de energia mesmo quando não há investimento
no setor. As usinas termoelétricas, por exemplo, não
possuem a maleabilidade das hídricas, o que permitiu inclusive
"esconder da sociedade a real situação de deteriorização
das reservas e da confiabilidade do sistema". Tais considerações
estão no documento sobre os riscos de déficit de energia,
publicado em agosto de 2000, por um grupo de especialistas da área:
Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Instituto Virtual de Mudanças
Globais, Maurício Tolmasquim, presidente da Sociedade Brasileira
de Planejamento Energético, Roberto D'Araújo, diretor
do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético
e Sebastião Soares, conselheiro do Clube de Engenharia.
O mesmo
documento relata sobre a gestão integrada entre as usinas
hidrelétricas
como uma importante medida para a geração de energia.
Como algumas bacias estão sob regimes pluviométricos
diferentes é possível, através de uma gestão
integrada das usinas, obter uma maior disponibilidade de energia.
Atualmente a gestão das usinas interligadas eletricamente
é responsável por um acréscimo de cerca de
20% de energia disponível. Um exemplo disso é a linha
Norte-Sul, que possui associado à sua capacidade de transmissão
uma disponibilidade de energia garantida de cerca de 600MW médios
obtida sem acréscimo de capacidade de geração.
A parceria
com a iniciativa privada para a construção de novas
hidrelétricas, em linhas de transmissão, interligando
todo o sistema elétrico, é defendida pelo prof. Giovanni
Rabello, como medida a longo prazo. A curto prazo, para ele, a solução
da crise passa pela instalação de geradores movidos
a diesel nas grandes indústrias, o que já está
sendo implementado e incentivado pelo Governo, através da
isenção da taxa de importação; e a médio
prazo, é preciso viabilizar a instalação de
termoelétricas de médio porte.
Entre
as demais fontes alternativas de energia são consideradas
mais viáveis a energia da biomassa, como resíduos
(bagaço de cana) e carvão vegetal (florestas renováveis
de eucalipto) para a geração de vapor e acionamento
de turbinas a vapor; a utilização da energia solar
para aquecimento de água para residências e hotéis,
com incentivo financeiro, pois no Brasil o sistema é caro,
o custo médio é de R$2.500,00 por aparelho. O uso
de células fotovoltáicas para a iluminação
esbarra em um problema ecológico, pois as células,
utilizadas para manter a carga de baterias, tem vida útil
de apenas dois anos, após os quais passam a ser lixo tóxico.
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