Haja Energia!:
Carlos Vogt

Termelétricas receberão investimentos

Tecnologia pode melhorar transmissão

Mercado atacadista pode levar à especulação

Energia limpa é o novo desafio para a ciência:
Ulisses Capozoli

Energia e meio ambiente:
Gilberto Jannuzzi

A solução para a crise energética do país:
José Luz Silveira

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Afonso de Aquino e Martha Vieira

Mercado atacadista de energia pode levar à especulação

O setor elétrico brasileiro vive seu terceiro momento. No primeiro, e durante as décadas iniciais do século XX, este setor se caracterizou pela utilização do modelo descentralizado de aproveitamentos locais, tendo havido poucas exceções de caráter mais integrado. Na década de 30, a política nacionalista adotada no país pressupunha que certas atividades de infra-estrutura, entre elas a energia elétrica, por serem extremamente estratégicas para o desenvolvimento do Brasil, eram de competência da União. O avanço federal no setor elétrico, entretanto, só foi significativo a partir década de cinqüenta, com a criação de empresas estatais e da década de sessenta com a instituição da Eletrobrás.

Este segundo modelo começou a ser questionado a partir da década de 80, o que gerou o projeto Revise, Revisão Institucional do Setor Elétrico (1987-1989), a partir do qual surgiram novos conceitos como produtor independente, consumidor livre, livre acesso às redes de transmissão e distribuição, além de privatização.

A fim de potencializar todas estas transformações desejadas, em dezembro de 1996, a lei n. 9.427 instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, em substituição ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE. A nova agência, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, executou o projeto Re-seb, Restruturação do Setor Elétrico Brasileiro (1996-1997), com técnicos e profissionais do setor energético brasileiro, juntamente com uma consultoria internacional. Foi concebido, então, um sistema energético mais aberto, mais dinâmico, e mais atraente para os investidores externos, em oposição ao sistema vertical e monopolista que vigorava no país desde a década de 30. Este é o terceiro modelo energético nacional, tendo sido instituído pela Lei n. 9.648/98.

De acordo com este novo modelo, são quatro as atividades ligadas ao setor energético: geração, transmissão, distribuição e comercialização, sendo a competição própria da geração e da comercialização. A mesma lei criou também o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE), além de normatizar o processo de privatização.

O ONS é responsável pela coordenação e controle da geração e transmissão de energia elétrica nos sistemas interligados Sul/Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste e é um agente de direito privado, estando sujeito à autorização pela ANEEL. O MAE (regulamentado pelo decreto n. 2.655, de 02/07/1998), pressupõe uma assembléia geral (agentes de produção e de consumo), um comitê executivo (11 representantes eleitos por categoria produção e 11 representantes eleitos por categoria consumo) e um braço operacional, o Agente Administrador de Serviços (ASMAE), para detalhar as regras e gerenciar o processo de compra, venda, contabilização e liquidação de energia no curto prazo, assim como para garantir a volatilidade dos preços e uma eficiente coleta e tratamento de informações. Todos estes mecanismos foram criados para garantir a transparência do processo de formação de preços e permitir que a sociedade possa avaliar a eficiência dos agentes econômicos envolvidos.

Os objetivos declarados da implementação e consolidação do mercado atacadista de energia elétrica foram, basicamente, a garantia de maior competição e, consequentemente, o benefício de preço ao consumidor final, além de benefícios para os investidores. A questão da competição sempre se revestiu de uma importância crucial, tanto que, na reunião da APINE de 1999, o então Secretário de Energia do Ministério das Minas e Energia, Benedito Aparecido Carraro, afirmou que a competição deveria realmente ser implantada até 2003, pois se o sistema elétrico brasileiro, a partir desse ano, não estivesse equilibrado em termos de oferta e demanda, o modelo estaria acabado. No entender do secretário, o crescimento da oferta era um elemento importante para se implantar a livre competição, principalmente considerando-se as metas do Governo no Plano Plurianual, o PPA, que previa o crescimento do mercado em quase 18% até 2002.

"Coloca-se essa meta como 1.º de janeiro de 2003 porque se tem certeza de que, antes da descontratação dos contratos iniciais, esse sistema tem que estar operando e essa é a data inflexível.", afirmou Eduardo Bernini, presidente do comitê executivo do MAE, em setembro de 1999 (leia). Ou como se pode ler no site da ANEEL: "As of 2003, the initially contracted volumes of electricity will be gradually reduced at a rate of 25% a year and released for new contracts governed by the market" (Note of clarification on Aneel resolution n. 022/2001, 6 February 2001: leia)

Esta data, 2003, é também a data limite para a redefinição do grau de avanço do consumidor livre, inclusive dos consumidores residenciais, de acordo com o diretor geral da ANEEL, José Mário Miranda Abdo, no encontro da APINE de 1999.

Portanto, o Brasil vem planejando, com detalhes e há mais de dez anos, o seu setor elétrico e, mesmo assim, encontra-se hoje em plena crise energética e racionamento, ou seja, "redução compulsória no consumo de energia elétrica pelos consumidores, decretada pelo Poder Concedente" (Acordo do Mercado Atacadista de Energia Elétrica, título I, 1998).

E, em meio a toda esta situação, existem ainda questões ainda não devidamente equacionadas e que deixam margem à especulações das mais diversas ordens.

No dia 6 de junho do corrente ano, técnicos da Companhia Energética de Minas Gerais, CEMIG, fizeram, em Belo Horizonte, uma demonstração de como funciona o sistema energético brasileiro, tendo também apresentado uma série de críticas e sugestões para o enfrentamento da crise.

Na ocasião, o Dr. Gui Vilela, vice-presidente da empresa, alertou todos os presentes para o alto preço do MWh cotado pelo MAE - R$ 680,00, em oposição ao valor que havia sido comercializado pela Cemig na mesma ocasião - R$ 110,00. "Qual a atividade econômica que pode adquirir energia a esse preço extraordinário para poder utilizar de uma forma econômica? Não se consegue imaginar uma coisa destas. Isto é um artifício de raciocínio ou de aritmética sem qualquer base real, prática ou praticável." disse ele. E acrescentou: "Nós temos aqui um consumidor eletrointensivo que nos compra energia a R$ 55,00 o MWh e que se dispôs a deixar de usar esta energia e nós a recompramos pelo dobro do preço, para disponibilizar. Mas parece um absurdo... Mas na realidade isto já é um esforço extraordinário para encarar uma crise dessas. Agora, colocar R$ 680,00, quase R$ 700,00, isto é abafar o mercado."

O vice-presidente da Cemig lembrou ainda que tudo isto pode levar muitas empresas, como tem sido noticiado pela imprensa, "a deixar de produzir, para passar a comercializar e especular com a energia.. É uma palavra forte, mas é a realidade. Então, desemprego, não paga tributo, deixa de fazer produção econômica e vai intermediar energia. É claro, se foi permitido isto não é um crime." Esta comercialização, especulação, intermediação será feita nos leilões, que são partes de um "processo perverso, perigosíssimo, não recomendável para ser instituído em um momento de crise."

Contrapondo a toda essa argumentação, o jornalista Pedro Lobato, da Gazeta Mercantil, levantou questionamentos sobre um hipotético empresário que tivesse sobra de energia e quisesse vendê-la. Será que ele se disporia a vendê-la a R$ 110,00 pela Cemig ou a R$ 680,00 pelo MAE? E o jornalista completou enfaticamente a sua fala: "Se eu fosse ele, eu vendia pelo MAE".

O Dr. Gui Vilela e o jornalista Pedro Lobato estavam, nas suas falas, raciocinando como mercado empresarial. E é em termos de mercado empresarial que é preciso considerar que a maior abrangência do MAE pode sinalizar para que seus preços se imponham sobre os da Cemig. E não se pode dizer que este é um cenário inverossímil, principalmente se considerarmos que no dia 25 de junho deste ano, no primeiro leilão de energia da Bovespa, foram vendidos 100 MWh, ao preço de R$ 595,00/MWh. No segundo dia, foram negociados 540 MWh a R$ 597,00/MWh, valores crescentes e muito próximos daquele que foi questionado na reunião do dia 6 de junho, em Belo Horizonte.

Certamente este aumento terá reflexos, em algum momento, nas contas de todos os milhões de brasileiros consumidores residenciais. O que resta saber é quanto significará este reflexo, ou seja, quantas vezes a energia elétrica ficará mais cara, apesar do fato da redução de preços ao consumidor final ser considerada uma conseqüência natural da competição e do livre comércio. Com os atuais valores fica difícil visualizar este cenário promissor previsto pelos idealizadores do modelo energético brasileiro em implementação.

Atualizado em 10/07/2001

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