Haja Energia!:
Carlos Vogt

Termelétricas receberão investimentos

Tecnologia pode melhorar transmissão

Mercado atacadista pode levar à especulação

Energia limpa é o novo desafio para a ciência:
Ulisses Capozoli

Energia e meio ambiente:
Gilberto Jannuzzi

A solução para a crise energética do país:
José Luz Silveira

Usinas Nucleares, panorama mundial:
Afonso de Aquino e Martha Vieira

Energia limpa é o novo desafio para a ciência

Ulisses Capozoli

Desde que o Prêmio Nobel sueco Svant Arrhenius tocou o problema pela primeira vez, até que um climatologista norte-americano confirmasse experimentalmente suas previsões, passaram-se exatos 112 anos. Foi em 1863 que Arrhenius escreveu sobre o risco de o clima da Terra ser alterado pelas crescentes emissões de dióxido de carbono liberadas pela atividade industrial.

O artigo de Wallace Broecker, do Observatório Geológico Lamont-Doherty, nos Estados Unidos, apareceu em 1975, numa edição da revista Science, órgão da Associação Americana para o Avanço da Ciência, a AAAS.

Broecker, provavelmente sem conhecer o texto de Arrhenius, retomou as idéias do sueco para explicar o registro de uma lenta subida observada nas médias das temperaturas globais. Ele descobriu o que foi popularizado como efeito-estufa, aquecimento da Terra pelo aprisionamento da energia solar que, com menor teor atmosférico de gás carbônico, era devolvida ao espaço em maior escala.

As temperaturas médias da Terra nunca foram as mesmas. Variações na radiação solar, eventual travessia de nuvens de poeira interestelar, uma perturbação no movimento de translação e mesmo atividade vulcânica têm sido apontados como as principais razões destas alterações. O ciclo atual de aquecimento, no entanto, na avaliação majoritária e crescente da comunidade científica internacional, é indiretamente produzido pelo homem. Mais espeficamente, pelas fontes de energia utilizadas pelo homem.

Desde que usou o fogo pela primeira vez, a humanidade começou, ainda que numa escala insignificante, a mudar a composição da atmosfera e, assim, dar sua própria contribuição para a variação climática, especialmente pela elevação da temperatura global média.

As mudanças significativas chegaram com a Revolução Industrial. Quando as máquinas a vapor começaram a se espalhar pelo mundo, por volta de 1750, a madeira era responsável por 90% da energia disponível no mundo. Os dados são de pesquisadores do Goddard Institute for Space Studies, nos Estados Unidos.

Por volta de 1890 o carvão mineral já superava a lenha e seu predomínio chegou até os anos 60. Isso significa que o carvão foi a fonte energética mais duradoura do controvertido século 20. A partir dos anos 60, começou o reinado do petróleo e esse predomínio estendeu-se até 1999. No penúltimo ano do século passado, o combustível líquido foi superado pelo gás e essa forma de energia deve estender-se por um longo tempo, ainda que sujeita a muitas transformações.

Do ponto de vista prático, a maior eficiência de cada um destes combustíveis, incluindo suas disponibilidades e especialmente facilidades de transporte, contribuiram para essas mudanças. Quanto ao impacto ambiental, como considera Seth Dunn, num trabalho (Descarbonizing the Energy Economy) publicado no State of the World -2001, do Worldwatch Institute, o relevante é a redução na emissão de dióxido de carbono por unidade de energia.

O carvão libera duas moléculas de carbono para cada uma de hidrogênio por unidade de energia, enquanto na lenha, essa relação é de dez moléculas de gás carbônico por uma de hidrogênio. Essa mudança, caracteriza Dunn, foi a primeira onda da descarbonização da energia, embora o impacto ambiental não fosse a preocupação intencional na substituição.

Com uma única molécula de carbono para duas de hidrogênio, o óleo combustível deflagrou a segunda onda de descarbonização. Mais eficiente, o gás natural desprende apenas uma molécula de carbono para cada quatro moléculas de hidrogênio. Essa fonte crescente de energia caracteriza a terceira e talvez última fase da descarbonização. Antes da difusão do hidrogênio, quando, finalmente, ninguém mais terá peso na consciência por queimar combustível num final de semana pelo simples prazer de pegar uma estrada e fazer deslocar continuamente a linha do horizonte.

Entre 1950 e 1999, a tonelagem de liberação de gás carbônico produzida por milhão de dólares de crescimento econômico em todo o mundo teve uma redução de 39%, caindo de 250 para 150 toneladas. Essa queda foi acentuada na década passada, quando a redução aproximou-se da taxa de 2% ao ano. É um comportamento promissor, mas nem por isso livre de problemas, como revelam dados do painel das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, reunindo uma equipe internacional de mais de 2 mil pesquisadores.

O problema, neste caso, é que o ciclo global do carbono é um dos processos mais complexos e por isso mesmo menos satisfatoriamente conhecidos pela ciência. Dados do painel sobre mudanças climáticas da ONU avaliam em 42 trilhões de toneladas o volume de gás carbônico confinado na biosfera, uma faixa de espaço que conecta a atmosfera e os oceanos. Os mecanismos que transferem porções do gás de uma a outra região da biosfera são ainda pouco conhecidos, ainda que tenha havido avanços nos últimos anos.

Investigações de bolhas de ar aprisionadas nas calotas polares do Ártico e da Antártida sugerem que aproximadamente 270 bilhões de toneladas de gás carbônico foram liberadas na atmosfera desde o início da Revolução Industrial pela queima de combustíveis fósseis. Os dados atuais são de um despejo anual de outros 6,3 bilhões de toneladas, volume só superado pela água, enquanto recursos manipulados pela humanidade. Os dados são de pesquisadores do Oak Ridge National Laboratory, nos Estados Unidos.

As amostras de gelo polar, especialmente as colhidas na base russa de Vostok, na Antártida, revelam que a quantidade de gás carbônico na atmosfera, medida em partes por milhão (ppm) é a maior dos últimos 420 mil anos. A base de Vostok, onde fica o Pólo da Inacessibilidade, na Antártida, é a região mais fria da Terra registrando temperaturas próximas de 90 graus Celsius negativos no início dos anos 1980. Em 1999, a concentração deste principal gás do efeito-estufa na atmosfera chegou a 368,4 ppm, contra 280 ppm em 1750. O crescimento foi de 32%, com quase a metade deste volume, 17%, concentrado apenas a partir de 1958.

Levantamentos feitos pelo mesmo Goddard Institute of Space Studies, um dos centros da pesquisa da agência espacial norte-americana (Nasa), avaliaram a subida na temperatura global média de 0,6 grau Calsius desde 1866. Este dado tem sido o ponto de partida para todas as análises de climatologistas que atribuem o aquecimento à atividade humana e não a processos naturais como a atividade vulcânica que também libera gás carbônico, além de material finamente particulado, os aerossóis que, temporariamente, reduzem a temperatura atmosférica. A ação dos aerossóis é comparada a uma miríade de pequenos espelhos que refletem para o espaço parte da radiação que chega do Sol.

Dados relativos aos anos 90, obtidos por pesquisadores da University of Massachusetts, sugerem fortemente que este período foi o mais quente dos últimos 1000 anos, com o ano de 1998 batendo o recorde de calor.

Como o aquecimento tem se mostrado menor que o previsto pelas modelagens físico-matemáticas, a principal ferramenta de trabalho dos climatologistas, a dedução natural é que parte dos estoques de gás carbônico foi absorvido pelos oceanos. Com isso, os especialistas pensam que está sendo montada uma bomba de calor que, mesmo que as emissões fossem paralisadas agora, o que é impossível de ocorrer, faria com que a atmosfera ainda sofresse aquecimento pelos próximos dez anos.

O aquecimento da atmosfera e do corpo inteiro da Terra por liberações constantes de gás carbônico é considerado o pior desastre ambiental da história da civilização. Comparado ao efeito-estufa, o desaparecimento do Mar de Aral pelo desvio das águas de dois rios que o alimentavam, é um desastre menor, pois é um acontecimento localizado, se é possível dizer que ocorrências desta escala possam ter efeitos localizados, do ponto de vista ambiental.
É neste contexto que deve ser observada a crise de energia elétrica no Brasil. Por dispor de hidrelétricas e não de termoelétricas, alimentadas por combustíveis fósseis, o Brasil tem emissões comparativamente reduzidas de gás carbônico.

Um dos maiores focos de emissão de gás carbônico no Brasil são as queimadas registradas especialmente na Amazônia para a formação de pastagens. A pecuária é uma forma tradicional de posse de terras no Brasil e mesmo a pressão ambiental que elas provocam, com o inconveniente adicional de perda de biodiversidade, ainda não foram suficientes para alterar essa prática arcaica, tanto do ponto de vista ambiental quanto social.

A necessidade de construir termoelétricas, movidas a gás, deve aumentar as emissões de gás carbônico pelo Brasil, advertiu o físico e especialista em energia Luiz Pinguilli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), num encontro no final de junho para debater esta crise.

Ao liberar mais gás carbônico o Brasil estaria em contradição com o Protocolo de Kyoto, acordo que assinou e defende nos foros internacionais para a diminuição global dessas emissões. Mais que isso, estaria na contra-mão de uma mudança de rumos observada em países até recentemente grandes e, aparentemente, despreocupados emissores deste gás, caso da China. O consumo de carvão na China (24%), que divide com os Estados Unidos (26%) a metade do consumo mundial dessa fonte de energia, caiu 4% ao longo da década passada, com 25% desta redução concentrada entre 1997 e 1999. Essa alteração ocorreu pela desativação de indústrias obsoletas e aumentos no consumo de gás.

Os Estados Unidos, que se negam a assinar o Protocolo de Kyoto e com isso têm merecido uma condenação internacional, ao contrário da China, aumentaram em 11% seu consumo de carvão, especialmente de qualidade inferior, de acordo com estimativas do Worldwatch Institute.

Por tudo isso, antes que chegue a prometida Idade do Hidrogênio, as temperaturas na Terra devem subir. O aquecimento global não significa que todas as partes do planeta ficarão mais quentes. Ao contrário. Algumas podem até esfriar pela alteração de correntes marinhas e regimes de ventos.

Os cenários para esses eventos não são nada tranquilizadores: tendência a elevar o estresse hídrico que já é crítico em muitas partes, perdas de florestas por queimadas, destruição de florestas nas bordas do Círculo Polar Ártico que tende a se aquecer, perdas na agricultura, por mudanças de temperaturas e regime de chuvas, perda de biodiversidade com espécies animais, muitas delas endêmicas, incapazes de readaptações num período de tempo tão curto, subida dos níveis oceânicos tanto pelo derretimento de gelo das calotas polares quanto dos cumes montanhosos e elasticidade térmica das águas oceânicas, tempestades violentas e destruidoras especialmente nos países subdesenvolvidos, onde as populações vivem em áreas degradadas, ou sensíveis a fenômenos naturais como chuvas intensas.

O espalhamento de doenças como malária e cólera são outras das conseqüências de mudanças climáticas produzidas por fontes de energia que liberam gás carbônico. Pesquisadores norugueses estimam que, por volta de 2050, durante a vida de boa parte da população que já vive no planeta, os verões no Ártico, mais quentes que os da Antártida pela concentração próxima de terras, estarão livres de gelo
.
A Era do Hidrogênio como fonte energética livre de emissões de gás carbônico se anuncia sob a forma de células de combustível. A Daimler-Chrysler pretende colocar um ônibus no mercado europeu, já no ano que vem, movido por essa fonte de combustível que libera água em vez de gás carbônico. Embora o vapor d'água também pertença do clube do efeito-estufa, os problemas, neste caso, são comparativamente inofensivos. Em 2004 esta empresa pretende colocar 100 mil automóveis com essa propulsão no mercado. Toyota e Honda também trabalham nessa direção.

Por enquanto, o hidrogênio é mais utilizado como propulsor de foguetes para atividades espaciais. É da exploração espacial que as células de combustível estão migrando para as atividades rotineiras na superfície da Terra. Essa não é a primeira nem deverá ser a última das transferências de conquistas do espaço para a Terra. Os exemplos, neste caso, vão do marca-passo cardíaco e uma infinidade de exames médicos à previsão do tempo, pesquisas ambientais e rotas de navegação para aviões e navios. Deveriam fazer com que muitas pessoas, que desprezam as atividades espaciais, reavaliassem seus pontos de vista e abrissem suas mentes para os presentes que o futuro promete. Mas essa é uma alteração lenta que esbarra em obstáculos até de origem religiosa.

Enquanto o hidrogênio se insinua no cotidiano dos 6 bilhões de moradores da Terra, fontes de energia alternativas como a solar, eólica e das marés, especialmente, podem e devem, contribuir para minimizar as emissões de gás carbônico. Para isso é preciso desenvolver uma nova mentalidade, envolvendo especialmente a educação. Neste sentido, a crise energética no Brasil parece não ter muita contribuição a dar. Na opinião praticamente unânime dos especialistas, ela resultou de negligência e incompetência do governo em adotar uma posição preventiva, o que seria de se esperar de governos que têm uma visão estratégica para seus países. Mas nem tudo está perdido. A discussão, neste sentido, está apenas começando e, exatamente por se tratar de energia, certamente não poderá terminar em pizza.


Ulisses Capozoli, jornalista especializado em divulgação de ciência é historiador da ciência e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC)

 

Atualizado em 10/07/2001

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil