Haja Energia!:
Carlos Vogt

Termelétricas receberão investimentos

Tecnologia pode melhorar transmissão

Mercado atacadista pode levar à especulação

Energia limpa é o novo desafio para a ciência:
Ulisses Capozoli

Energia e meio ambiente:
Gilberto Jannuzzi

A solução para a crise energética do país:
José Luz Silveira

Usinas Nucleares, panorama mundial:
Afonso de Aquino e Martha Vieira

Energia e Meio Ambiente

Gilberto De Martino Jannuzzi

O sistema energético compreende as atividades de extração, processamento, distribuição e uso de energia e é responsável pelos principais impactos ambientais da sociedade industrial. Seus efeitos nocivos não se restringem ao nível local onde se realizam as atividades de produção ou de consumo de energia, mas também possuem efeitos regionais e globais. Na escala regional pode-se mencionar, por exemplo, o problema de chuvas ácidas, ou ainda o derramamento de petróleo em oceanos, que pode atingir vastas áreas. Existem ainda impactos globais, e os exemplos mais contundentes são as alterações climáticas devidas ao acúmulo de gases na atmosfera (efeito estufa), e a erosão da camada de ozônio devida ao uso de CFCs (compostos com moléculas de cloro-fluor-carbono) utilizados em equipamentos de ar condicionado e refrigeradores.

Todas as etapas da indústria energética até a utilização de combustíveis provocam algum impacto ao meio ambiente e à saúde humana. A extração de recursos energéticos, seja petróleo, carvão, biomassa ou hidroeletricidade, tem implicações em mudanças nos padrões de uso do solo, recursos hídricos, alteração da cobertura vegetal e na composição atmosférica. As atividades de mineração (carvão e petróleo) empregam cerca de 1% da mão de obra global, mas são responsáveis por cerca de 8% dos acidentes de trabalho fatais.

As atividades relacionadas com a produção e uso de energia liberam para a atmosfera, água e solo diversas substâncias que comprometem a saúde e sobrevivência não só do homem, mas também da fauna e flora. Alguns desses efeitos são visíveis e imediatos, outros tem a propriedade de serem cumulativos e de permanecerem por várias décadas ocasionando problemas.

A seguir, apresentamos as principais conseqüências ambientais decorrentes da produção e usos dos energéticos mais importantes.

Poluição atmosférica
O setor energético é responsável por 75% do dióxido de carbono lançado à atmosfera, 41% do chumbo, 85% das emissões de enxofre e cerca de 76% dos óxidos de nitrogênio. Tanto o enxofre como os óxidos de nitrogênio têm um papel importante na formação de ácidos na atmosfera que, ao precipitarem na forma de chuvas, prejudicam a cobertura de solos, vegetação, agricultura, materiais manufaturados que sofrem corrosão e até mesmo a pele do homem. A constante deposição de compostos ácidos em rios e lagos afeta a vida aquática e ameaça toda a cadeia alimentar de ecossistemas. Nos solos, a acidez das chuvas reduz a presença de nutrientes. Para a saúde humana, a presença de particulados contendo enxofre e óxidos de nitrogênio provocam ou agravam doenças respiratórias como bronquite e enfisema, especialmente em crianças. Esse tipo de problema tem sido verificado em regiões da China, Hong Kong e Canadá que sofrem os efeitos de termoelétricas a carvão situadas muitas vezes em locais distantes de onde ocorrem as chuvas ácidas.

O consumo de derivados de petróleo pelo setor de transporte é o que apresenta a maior contribuição para a degradação do meio ambiente em nível local e global. Estima-se que 50% dos hidrocarbonetos emitidos em áreas urbanas e aproximadamente 25% do total das emissões de todo dióxido de carbono gerado no mundo, resultem das atividades desenvolvidas com os sistemas de transporte.

Além disso, partículas em suspensão decorrentes da queima de material orgânico ou de combustíveis constituem um problema sério em várias partes do mundo. Isso ocorre sempre que há queimadas de florestas ou de diesel e óleo combustível nas áreas urbanas. A baixa qualidade desses combustíveis em muitos países, aliada à precariedade de veículos, trânsito congestionado e condições climáticas desfavoráveis em grandes cidades, contribuem para que exista uma quase permanente concentração de finas partículas no ambiente urbano. A saúde respiratória fica comprometida para milhões de pessoas expostas a essas partículas. Devido ao pequeno tamanho dessas partículas, elas vão se acumulando ao longo do tempo nos pulmões das pessoas e são especialmente problemáticas porque podem carregar ainda compostos carcinogênicos para esses órgãos.

O efeito estufa
Um dos mais complexos e maiores efeitos das emissões do setor energético são os problemas globais relacionados com mudanças climáticas. O acúmulo de gases, como o dióxido de carbono na atmosfera, acentua o [efeito estufa] natural do ecossistema terrestre a ponto de romper os padrões de clima que condicionaram a vida humana, de animais, peixes, agricultura, vegetação, etc. É cada vez mais evidente a constatação de crescentes concentrações de CO2 na atmosfera e o aumento de temperaturas médias. São imprevisíveis as implicações de mudanças climáticas para os países e suas populações. Alteração na produtividade da agricultura, pesca, inundações de regiões costeiras e aumento de desastres naturais estão entre as mudanças provocadas pelas alterações climáticas esperadas.

A seriedade desses efeitos tem sido reconhecida por diversos estudos científicos internacionais e vários países estão procurando consenso para uma agenda mínima de atividades para controle e mitigação de emissões, como o [Protocolo de Kyoto], discutido no âmbito dos países signatários da Convenção Climática. Infelizmente, ainda não se tem acordado um sistema de controle de emissões de gases estufa entre os países industrializados, historicamente os maiores contribuintes para os altos níveis de concentração desses gases na atmosfera.

Termoelétricas
A produção de eletricidade em termoelétricas representa em escala mundial cerca de um terço das emissões antropogênicas de dióxido de carbono, sendo seguida pelas emissões do setor de transporte e indústrial. Os principais combustíveis utilizados em todo o mundo são o carvão, derivados de petróleo e, crescentemente, o gás natural. Existem ainda outros tipos de usinas termoelétricas que queimam resíduos de biomassa (lenha, bagaço) e até mesmo lixo urbano.

Além das emissões de gases e partículas, existem outros problemas associados com utilização de água para o processo de geração termoelétrica, pois muitas usinas usam água para refrigeração ou para produção de vapor. Esse tem sido um dos principais obstáculos para a implantação de termoelétricas no país, pois diversos projetos se localizam ao longo do principal gasoduto construído, que segue exatamente as bacias hidrográficas com problemas de abastecimento e de qualidade de água em regiões densamente povoadas.

É importante notar também que houve bastante progresso com relação ao aumento da eficiência de usinas termoelétricas através da introdução de tecnologias de co-geração e turbinas a gás. As possibilidades de gaseificação de carvão, madeira e bagaço oferecem novas oportunidades de usinas mais eficientes e com menores impactos que as convencionais.

Hidroelétricas
Muitas vezes faz-se referência a hidroeletricidade como sendo uma fonte "limpa" e de pouco impacto ambiental. Na verdade, embora a construção de reservatórios, grandes ou pequenos, tenham trazidos enormes benefícios para o país, ajudando a regularizar cheias, promover irrigação e navegabilidade de rios, elas também trazem impactos irreversíveis ao meio ambiente. Isso é especialmente verdadeiro no caso de grandes reservatórios. Existem problemas com mudanças na composição e propriedades químicas da água, mudanças na temperatura, concentração de sedimentos, e outras modificações que ocasionam problemas para a manutenção de ecossistemas à jusante dos reservatórios. Esses empreendimentos, mesmo bem controlados, têm tido impactos na manutenção da diversidade de espécies (fauna e flora) e afetado a densidade de populações de peixes, mudando ciclos de reprodução.

O Brasil tem acumulado grande experiência com o resultado das várias usinas hidroelétricas que foram construídas, sendo um dos seus maiores exemplos o caso da hidroelétrica de Balbina, que provocou a inundação de parte da floresta nativa, ocasionando alterações na composição e acidez da água, que depois teve impacto no próprio desempenho da usina. Até recentemente as turbinas apresentavam problemas de corrosão e depósito de material orgânico, devidos a alterações que ocorreram na composição da água.

Energia nuclear
A energia nuclear é talvez aquela que mais tem chamado atenção quanto aos seus impactos ambientais e à saúde humana. São três os principais problemas ambientais dessa fonte de energia. O primeiro é a manipulação de material radioativo no processo de produção de combustível nuclear e nos reatores nucleares, com riscos de vazamentos e acidentes. O segundo problema está relacionado com a possibilidade de desvios clandestinos de material nuclear para utilização em armamentos, por exemplo, acentuando riscos de proliferação nuclear. Finalmente existe o grave problema de armazenamento dos rejeitos radioativos das usinas. Já houve substancial progresso no desenvolvimento de tecnologias que diminuem praticamente os riscos de contaminação radiativa por acidente com reatores nucleares, aumentando consideravelmente o nível de segurança desse tipo de usina, mas ainda não se apresentam soluções satisfatórias e aceitáveis para o problema do lixo atômico.
Fontes alternativas
As chamadas fontes alternativas como solar, eólica e biomassa, não estão totalmente isentas de impactos ambientais, embora possam ser relativamente menores. A utilização em larga escala de painéis fotovoltaicos ou biomassa implica em alteração no uso do solo. A fabricação de componentes dessas tecnologias também produzem efeitos ambientais, como é o caso da extração do silício para painéis fotovoltaicos. Muitos desses sistemas dependem de baterias químicas para armazenagem da eletricidade, que ainda apresentam sérios problemas de contaminação por chumbo e outros metais tóxicos para o meio ambiente.

O que fazer?
Os desafios para se continuar a expandir as necessidades energéticas da sociedade com menores efeitos ambientais são enormes. É praticamente impossível eliminar os impactos ambientais de sistemas energéticos. O trabalho dos cientistas e analistas de energia é, na verdade, oferecer alternativas de escolhas para a sociedade e facilitar seu acesso a esse tipo de informação. No entanto, o problema energético não se reduz a uma escolha entre tecnologias para atender a crescente demanda de energia. Essa é uma matéria de grande complexidade, que envolve não só a discussão de aspectos técnicos, mas também de preferências, padrões de conforto desejados pela sociedade e custos de energia. Existe urgentemente a necessidade de questionar os principais condicionantes da crescente demanda de energia: nosso sistema de urbanização, as atividades econômicas e estilos de vida. Somente mudanças nessas áreas possibilitarão maior utilização de tecnologias mais limpas e eficientes, fontes renováveis e descentralizadas.

Existem avanços importantes como o aparecimento de tecnologia de células combustível que são capazes de gerar eletricidade a partir de elementos como hidrogênio e oxigênio, ou gasolina, etanol, gás natural, e outros. É um tipo de tecnologia que pode ter impactos bastante reduzidos quando comparada com as opções existentes de geração de eletricidade, mas ainda existem limitantes técnicos e econômicos para maior disseminação. O futuro parece promissor para as células combustíveis e alguns modelos de pequeno porte já aparecem comercialmente nos EUA e Japão.

O avanço em escala comercial de tecnologias avançadas que reduzam a utilização de energia e emissões ainda é muito tímida, especialmente no Brasil. Para que seja possível conceber um futuro mais sustentável do ponto de vista energético é necessário maior participação de fontes renováveis e maior eficiência para produção e uso de energia. É fundamental maior compromisso e esforço por parte do setor público e privado, seja em nível local ou internacional.

No caso do efeito estufa existem três possibilidades para reduzir a contribuição do setor energético: promover a substituição de combustíveis fósseis por renováveis, realizar a substituição de combustíveis fósseis por outros com menor conteúdo de carbono, como o gás natural, e finalmente acelerar a redução do uso de energia, através de tecnologias eficientes e sistemas menos intensivos em energia.

Essas são as direções que deverão guiar os esforços de inovação tecnológica para a área energética daqui em diante, para um futuro com menores impactos ambientais.

Gilberto de Martino Jannuzzi é professor da faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e autor da coluna Energia, Meio Ambiente e Cidadania na Com Ciência.

Atualizado em 10/07/2001

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