Energia
e Meio Ambiente
Gilberto
De Martino Jannuzzi
O sistema
energético compreende as atividades de extração,
processamento, distribuição e uso de energia e é
responsável pelos principais impactos ambientais da sociedade
industrial. Seus efeitos nocivos não se restringem ao nível
local onde se realizam as atividades de produção ou
de consumo de energia, mas também possuem efeitos regionais
e globais. Na escala regional pode-se mencionar, por exemplo, o
problema de chuvas ácidas, ou ainda o derramamento de petróleo
em oceanos, que pode atingir vastas áreas. Existem ainda
impactos globais, e os exemplos mais contundentes são as
alterações climáticas devidas ao acúmulo
de gases na atmosfera (efeito estufa), e a erosão da camada
de ozônio devida ao uso de CFCs (compostos com moléculas
de cloro-fluor-carbono) utilizados em equipamentos de ar condicionado
e refrigeradores.
Todas
as etapas da indústria energética até a utilização
de combustíveis provocam algum impacto ao meio ambiente e
à saúde humana. A extração de recursos
energéticos, seja petróleo, carvão, biomassa
ou hidroeletricidade, tem implicações em mudanças
nos padrões de uso do solo, recursos hídricos, alteração
da cobertura vegetal e na composição atmosférica.
As atividades de mineração (carvão e petróleo)
empregam cerca de 1% da mão de obra global, mas são
responsáveis por cerca de 8% dos acidentes de trabalho fatais.
As
atividades relacionadas com a produção e uso de energia
liberam para a atmosfera, água e solo diversas substâncias
que comprometem a saúde e sobrevivência não
só do homem, mas também da fauna e flora. Alguns desses
efeitos são visíveis e imediatos, outros tem a propriedade
de serem cumulativos e de permanecerem por várias décadas
ocasionando problemas.
A seguir,
apresentamos as principais conseqüências ambientais decorrentes
da produção e usos dos energéticos mais importantes.
Poluição
atmosférica
O setor energético é responsável por 75% do
dióxido de carbono lançado à atmosfera, 41%
do chumbo, 85% das emissões de enxofre e cerca de 76% dos
óxidos de nitrogênio. Tanto o enxofre como os óxidos
de nitrogênio têm um papel importante na formação
de ácidos na atmosfera que, ao precipitarem na forma de chuvas,
prejudicam a cobertura de solos, vegetação, agricultura,
materiais manufaturados que sofrem corrosão e até
mesmo a pele do homem. A constante deposição de compostos
ácidos em rios e lagos afeta a vida aquática e ameaça
toda a cadeia alimentar de ecossistemas. Nos solos, a acidez das
chuvas reduz a presença de nutrientes. Para a saúde
humana, a presença de particulados contendo enxofre e óxidos
de nitrogênio provocam ou agravam doenças respiratórias
como bronquite e enfisema, especialmente em crianças. Esse
tipo de problema tem sido verificado em regiões da China,
Hong Kong e Canadá que sofrem os efeitos de termoelétricas
a carvão situadas muitas vezes em locais distantes de onde
ocorrem as chuvas ácidas.
O consumo
de derivados de petróleo pelo setor de transporte é
o que apresenta a maior contribuição para a degradação
do meio ambiente em nível local e global. Estima-se que 50%
dos hidrocarbonetos emitidos em áreas urbanas e aproximadamente
25% do total das emissões de todo dióxido de carbono
gerado no mundo, resultem das atividades desenvolvidas com os sistemas
de transporte.
Além
disso, partículas em suspensão decorrentes da queima
de material orgânico ou de combustíveis constituem
um problema sério em várias partes do mundo. Isso
ocorre sempre que há queimadas de florestas ou de diesel
e óleo combustível nas áreas urbanas. A baixa
qualidade desses combustíveis em muitos países, aliada
à precariedade de veículos, trânsito congestionado
e condições climáticas desfavoráveis
em grandes cidades, contribuem para que exista uma quase permanente
concentração de finas partículas no ambiente
urbano. A saúde respiratória fica comprometida para
milhões de pessoas expostas a essas partículas. Devido
ao pequeno tamanho dessas partículas, elas vão se
acumulando ao longo do tempo nos pulmões das pessoas e são
especialmente problemáticas porque podem carregar ainda compostos
carcinogênicos para esses órgãos.
O
efeito estufa
Um dos mais complexos e maiores efeitos das emissões do setor
energético são os problemas globais relacionados com
mudanças climáticas. O acúmulo de gases, como
o dióxido de carbono na atmosfera, acentua o [efeito
estufa] natural do ecossistema terrestre a ponto de romper os
padrões de clima que condicionaram a vida humana, de animais,
peixes, agricultura, vegetação, etc. É cada
vez mais evidente a constatação de crescentes concentrações
de CO2 na atmosfera e o aumento de temperaturas médias. São
imprevisíveis as implicações de mudanças
climáticas para os países e suas populações.
Alteração na produtividade da agricultura, pesca,
inundações de regiões costeiras e aumento de
desastres naturais estão entre as mudanças provocadas
pelas alterações climáticas esperadas.
A seriedade
desses efeitos tem sido reconhecida por diversos estudos científicos
internacionais e vários países estão procurando
consenso para uma agenda mínima de atividades para controle
e mitigação de emissões, como o [Protocolo
de Kyoto], discutido no âmbito dos países signatários
da Convenção Climática. Infelizmente, ainda
não se tem acordado um sistema de controle de emissões
de gases estufa entre os países industrializados, historicamente
os maiores contribuintes para os altos níveis de concentração
desses gases na atmosfera.
Termoelétricas
A produção de eletricidade em termoelétricas
representa em escala mundial cerca de um terço das emissões
antropogênicas de dióxido de carbono, sendo seguida
pelas emissões do setor de transporte e indústrial.
Os principais combustíveis utilizados em todo o mundo são
o carvão, derivados de petróleo e, crescentemente,
o gás natural. Existem ainda outros tipos de usinas termoelétricas
que queimam resíduos de biomassa (lenha, bagaço) e
até mesmo lixo urbano.
Além
das emissões de gases e partículas, existem outros
problemas associados com utilização de água
para o processo de geração termoelétrica, pois
muitas usinas usam água para refrigeração ou
para produção de vapor. Esse tem sido um dos principais
obstáculos para a implantação de termoelétricas
no país, pois diversos projetos se localizam ao longo do
principal gasoduto construído, que segue exatamente as bacias
hidrográficas com problemas de abastecimento e de qualidade
de água em regiões densamente povoadas.
É
importante notar também que houve bastante progresso com
relação ao aumento da eficiência de usinas termoelétricas
através da introdução de tecnologias de co-geração
e turbinas a gás. As possibilidades de gaseificação
de carvão, madeira e bagaço oferecem novas oportunidades
de usinas mais eficientes e com menores impactos que as convencionais.
Hidroelétricas
Muitas vezes faz-se referência a hidroeletricidade como sendo
uma fonte "limpa" e de pouco impacto ambiental. Na verdade,
embora a construção de reservatórios, grandes
ou pequenos, tenham trazidos enormes benefícios para o país,
ajudando a regularizar cheias, promover irrigação
e navegabilidade de rios, elas também trazem impactos irreversíveis
ao meio ambiente. Isso é especialmente verdadeiro no caso
de grandes reservatórios. Existem problemas com mudanças
na composição e propriedades químicas da água,
mudanças na temperatura, concentração de sedimentos,
e outras modificações que ocasionam problemas para
a manutenção de ecossistemas à jusante dos
reservatórios. Esses empreendimentos, mesmo bem controlados,
têm tido impactos na manutenção da diversidade
de espécies (fauna e flora) e afetado a densidade de populações
de peixes, mudando ciclos de reprodução.
O Brasil
tem acumulado grande experiência com o resultado das várias
usinas hidroelétricas que foram construídas, sendo
um dos seus maiores exemplos o caso da hidroelétrica de Balbina,
que provocou a inundação de parte da floresta nativa,
ocasionando alterações na composição
e acidez da água, que depois teve impacto no próprio
desempenho da usina. Até recentemente as turbinas apresentavam
problemas de corrosão e depósito de material orgânico,
devidos a alterações que ocorreram na composição
da água.
Energia
nuclear
A energia nuclear é talvez aquela que mais tem chamado atenção
quanto aos seus impactos ambientais e à saúde humana.
São três os principais problemas ambientais dessa fonte
de energia. O primeiro é a manipulação de material
radioativo no processo de produção de combustível
nuclear e nos reatores nucleares, com riscos de vazamentos e acidentes.
O segundo problema está relacionado com a possibilidade de
desvios clandestinos de material nuclear para utilização
em armamentos, por exemplo, acentuando riscos de proliferação
nuclear. Finalmente existe o grave problema de armazenamento dos
rejeitos radioativos das
usinas. Já houve substancial progresso no desenvolvimento
de tecnologias que diminuem praticamente os riscos de contaminação
radiativa por acidente com reatores nucleares, aumentando consideravelmente
o nível de segurança desse tipo de usina, mas ainda
não se apresentam soluções satisfatórias
e aceitáveis para o problema do lixo atômico.
Fontes alternativas
As chamadas fontes alternativas como solar, eólica e biomassa,
não estão totalmente isentas de impactos ambientais,
embora possam ser relativamente menores. A utilização
em larga escala de painéis fotovoltaicos ou biomassa implica
em alteração no uso do solo. A fabricação
de componentes dessas tecnologias também produzem efeitos
ambientais, como é o caso da extração do silício
para painéis fotovoltaicos. Muitos desses sistemas dependem
de baterias químicas para armazenagem da eletricidade, que
ainda apresentam sérios problemas de contaminação
por chumbo e outros metais tóxicos para o meio ambiente.
O
que fazer?
Os desafios para se continuar a expandir as necessidades energéticas
da sociedade com menores efeitos ambientais são enormes.
É praticamente impossível eliminar os impactos ambientais
de sistemas energéticos. O trabalho dos cientistas e analistas
de energia é, na verdade, oferecer alternativas de escolhas
para a sociedade e facilitar seu acesso a esse tipo de informação.
No entanto, o problema energético não se reduz a uma
escolha entre tecnologias para atender a crescente demanda de energia.
Essa é uma matéria de grande complexidade, que envolve
não só a discussão de aspectos técnicos,
mas também de preferências, padrões de conforto
desejados pela sociedade e custos de energia. Existe urgentemente
a necessidade de questionar os principais condicionantes da crescente
demanda de energia: nosso sistema de urbanização,
as atividades econômicas e estilos de vida. Somente mudanças
nessas áreas possibilitarão maior utilização
de tecnologias mais limpas e eficientes, fontes renováveis
e descentralizadas.
Existem
avanços importantes como o aparecimento de tecnologia de
células combustível que são capazes de gerar
eletricidade a partir de elementos como hidrogênio e oxigênio,
ou gasolina, etanol, gás natural, e outros. É um tipo
de tecnologia que pode ter impactos bastante reduzidos quando comparada
com as opções existentes de geração
de eletricidade, mas ainda existem limitantes técnicos e
econômicos para maior disseminação. O futuro
parece promissor para as células combustíveis e alguns
modelos de pequeno porte já aparecem comercialmente nos EUA
e Japão.
O avanço
em escala comercial de tecnologias avançadas que reduzam
a utilização de energia e emissões ainda é
muito tímida, especialmente no Brasil. Para que seja possível
conceber um futuro mais sustentável do ponto de vista energético
é necessário maior participação de fontes
renováveis e maior eficiência para produção
e uso de energia. É fundamental maior compromisso e esforço
por parte do setor público e privado, seja em nível
local ou internacional.
No
caso do efeito estufa existem três possibilidades para reduzir
a contribuição do setor energético: promover
a substituição de combustíveis fósseis
por renováveis, realizar a substituição de
combustíveis fósseis por outros com menor conteúdo
de carbono, como o gás natural, e finalmente acelerar a redução
do uso de energia, através de tecnologias eficientes e sistemas
menos intensivos em energia.
Essas
são as direções que deverão guiar os
esforços de inovação tecnológica para
a área energética daqui em diante, para um futuro
com menores impactos ambientais.
Gilberto
de Martino Jannuzzi é professor da faculdade de Engenharia
Mecânica da Unicamp e autor da coluna Energia,
Meio Ambiente e Cidadania na Com Ciência.
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