Bioinformática:
manual de utilização
João
Paulo Kitajima
"Experiência é o nome que damos
a nossos erros."
Oscar Wilde
A bioinformática é uma área fascinante. Vejo
nela a confluência de meus vários ideais de profissão:
a multidisciplinaridade e o equilíbrio entre teoria e prática.
O contato com biólogos, agrônomos, farmacêuticos
e químicos me tem sido muito enriquecedor. Estudar a vida
é uma experiência única e participar deste estudo
me é muito gratificante. Além destas razões,
pessoalmente, tornar-me bioinformata me possibilitou alinhar com
a área de trabalho de meu velho pai, agrônomo e microscopista
de longa data. Ao me envolver com biologia molecular aplicada a
plantas, consigo entendê-lo melhor, como profissional e mesmo
como pai.
Tenho
trabalhado como bioinformata desde 1999, quando deixei para trás
uma carreira promissora como professor adjunto no Departamento de
Ciências da Computação da Universidade Federal
de Minas Gerais. Cansado de empregar o dinheiro público em
projetos sem retorno mais imediato para a sociedade, decidi mudar
para uma área de trabalho mais aplicada. Cheguei mesmo a
prestar vestibular para agronomia e economia, mas a necessidade
de um salário falou mais alto e consegui uma bolsa de pós-doutorado
da Fapesp no Laboratório de Bioinformática (LBI) do
Instituto de Computação da Unicamp, então coordenado
por João Carlos Setubal e João Meidanis. No início
tudo era muito estranho, afinal de contas meu último contato
com DNA havia sido no segundo grau. Mal me lembrava do que era o
dogma central da biologia molecular, proteínas, enzimas e
ribossomos. E, de repente, estava eu lá, fazendo informática
para biólogos, envolto por uma atmosfera efervescente de
desafio. Afinal de contas, a bioinformática do primeiro projeto
genoma do Brasil estava acontecendo ali, ao meu lado. E depois do
genoma da Xylella fastidiosa, outros vieram. Em meados de
2001, o destino me chamava para novos desafios. João Meidanis
já havia mudado de rumo ao partir, alguns meses antes, para
a iniciativa privada na área de software e serviços
de bioinformática. João Setubal alçava vôos
mais altos também, trabalhando e realizando contatos acadêmicos
no exterior.
A ironia
do destino me fez bater, em dezembro de 2001, nas portas da Votorantim
Ventures (VV). Naquela mesma época, a Votorantim havia decidido
investir em empreendimentos de risco e, na área de biotecnologia,
as propostas de investimento estavam sendo analisadas por um grupo
chefiado por Fernando Reinach, um dos big boss da ciência
no país. Na verdade, eu o havia procurado para me orientar
sobre como submeter um projeto para a VV. Mas, nem tive tempo de
expor os meus planos. Fernando já havia uma contraproposta:
juntar-se, como sócio e diretor, a um novo grande empreendimento
que estava surgindo na área de genômica aplicada a
plantas - a Alellyx. Chamo isto tudo de "ironia do destino"
porque, alguns meses antes desta proposta, ir para a iniciativa
privada era para mim algo totalmente fora de cogitação.
Eu sentia mesmo ojeriza a esta possibilidade. Mas eu estava vendo
as pessoas a meu redor tomarem novos rumos e eu precisava encontrar
o meu. Voltar para a universidade também estava fora de cogitação.
O triângulo ensino-pesquisa-extensão era pesado demais
para mim. Eu precisava de algo com mais foco. Confesso que o projeto
Alellyx era tentador. Impus algumas condições e declarei
minha completa inexeperiência em assuntos empresariais. Condições
aceitas e inexeperiência tolerada, levamos, eu e mais 4 sócios,
3 meses para finalizar o projeto. Começamos a operar em março
de 2002. Durante aquele ano, compartilhei a coordenação
da bioinformática com João Setubal. Em 2003, com a
volta de Setubal para a academia, assumi sozinho esta área
na empresa. Atualmente, conto com uma equipe de primeira linha,
entre bioinformatas, analistas de sistemas e de suporte e me considero
privilegiado em estar onde estou.
Vivi,
nestes últimos 4 anos, então, diferentes experiências
na área de bioinformática, do aprendizado à
gerência, do público para o privado. Apesar do pouco
tempo, esta heterogeneidade de situações me permitiu
chegar a algumas conclusões que podem servir de orientação
para quem pretende trabalhar na área. Assim, como outras
áreas emergentes de trabalho, a bioinformática se
enquadra em um contexto onde o problema "não é
hardware, nem software, mas peopleware", como dizem por aí.
Não considero a bioinformática a profissão
do futuro, mas penso que ela exige profissionais do futuro.
Um
profissional de bioinformática bem colocado precisa:
- Ter
um bom conhecimento em ciência da computação:
isto significa basicamente possuir uma boa capacidade de abstração
algorítmica (isto é, saber traduzir a solução
de um problema em um conjunto de programas eficazes e eficientes).
Familiaridade e gosto por computação são
condições obrigatórias para o sucesso na
área;
- Conhecer
os príncipios da biologia molecular e as diferentes técnicas
de bancada nos diferentes domínios onde a bioinformática
se faz necessária (as "ômicas" principalmente:
genoma, transcriptoma, proteoma e metaboloma). Gostar de biologia
é essencial.
Parece
óbvio que um bioinformata qualificado precise preencher as
duas condições acima. Mas existe uma condição
adicional que, em várias situações, eu prezo
muito mais do que a capacidade técnica e que muitas vezes
não vem explicitada nos currículos dos profissionais:
a capacidade de compreender o que os usuários ou clientes
necessitam para resolver os problemas. Esta condição
é vital para qualquer contexto de análise de sistemas,
mas, em bioinformática, ela é mais dramática.
Os bioinformatas atendem um público que está envolvido
com um negócio bastante complexo: ciência. Biólogos
são cientistas e muitas vezes a solução bioinformática
que necessitam faz parte do processo da descoberta. Ou seja, nem
mesmo os usuários sabem exatamente o que querem e onde querem
chegar. O bom bioinformata deve estar ciente deste fato e sintonizado
com o usuário. O bioinformata deve ser parte da definição
da solução, antes mesmo da implementação
dela. Visto de outro ângulo, um bioinformata deve, antes de
tudo, saber se relacionar com pessoas e saber se colocar no lugar
dos cientistas. Em geral, profissionais de computação
que trabalham em ambientes de P&D devem possuir esta característica.
Na formação da minha equipe na Alellyx, eu valorizo
muito mais um profissional mediano entrosado e com foco do que um
aluno nota 10 na faculdade, mas anti-social e disperso.
Enfim,
a bioinformática é uma área de trabalho que
exige um profissional multidisciplinar. Isto implica obrigatoriamente
na facilidade em se relacionar com diferentes tipos de profissionais
(aqui, informatas se relacionando com outros informatas e com biólogos).
Além do mais, deve possuir boa capacidade de abstração
pois os problemas não são claros e as soluções
menos ainda.
João Paulo Kitajima é diretor de Bioinformática/Alellyx
Applied Genomics (joao.kitajima@alellyx.com)
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