Será
a bioinformática uma área já constituída?
Após
a formulação da estrutura do DNA em dupla hélice
por Watson e Crick, em 1953, os ácidos nucléicos que
constituem o código genético se tornaram o objeto
de estudo de uma área que ficaria conhecida como biologia
molecular. Os métodos de seqüenciamento desses compostos
foram evoluindo ao longo dos anos, e na segunda metade da década
de 1990, surgiram os seqüenciadores automáticos de DNA.
A enorme quantidade de seqüências que passaram a alimentar
os bancos de dados e que precisavam ser analisadas criaram uma demanda
por soluções computacionais mais eficientes. Assim
surgiu a bioinformática. Seria ela uma nova disciplina, uma
área multidisciplinar do conhecimento, uma especialização?
"Em
geral, não se define em princípio o que é ou
o que vai ser uma área do saber. Ela vai se constituindo
na medida em que evolui", afirma Décio Krause, coordenador
do Núcleo de Epistemologia e Lógica da Universidade
Federal de Santa Catarina. Segundo ele, a bioinformática
não seria propriamente uma especialização da
informática aplicada a uma área do conhecimento (a
biologia molecular). "Eu diria que trata-se de uma área
de especialização da biologia, de caráter multidisciplinar,
que congrega a biologia e a informática, pelo menos e, com
toda certeza, a matemática, que é a linguagem básica
de tudo, e a lógica", sugere. "É uma especialização
nova, multidisciplinar, que pode ser investigada como ciência
pura e como ciência aplicada", completa.
Apesar
de ser um campo recente em todo o mundo, os países com pesquisa
de ponta já contam com uma certa tradição na
análise de seqüências de genomas, proteínas
e estruturas químicas tridimensionais. No livro Bioinformatics:
Sequence and Genome Analysis, publicado pelo Cold Spring Harbor
Laboratory, nos Estados Unidos, David Mount define a bioinformática
como uma subárea da biologia computacional, que envolve a
ciência da computação, a matemática,
a estatística e a física, para analisar e comparar
seqüências genômicas ou protéicas e seu
arranjo, e com isso, determinar a função e a estrutura
de macromoléculas. A biologia computacional, por sua vez,
é definida por Richard Durbin, em Biological Sequence
Analysis, publicado pela Cambridge University Press,
na Inglaterra, como uma área interdisciplinar voltada para
o desenvolvimento de modelos quantitativos para explicar determinados
fenômenos biológicos.
No
Brasil, onde esse campo de atuação científica
ainda é incipiente, já existem alguns cursos de bioinformática
em nível de graduação, extensão e pós-graduação.
Na Unesp de São José do Rio Preto (SP), por exemplo,
o Laboratório de Sistemas Biomoleculares do Departamento
de Física já ofereceu um curso de extensão
universitária em bioinformática estrutural. O Laboratório
Nacional de Computação Científica, por sua
vez, foi a primeira instituição do país a criar
uma especialização lato sensu em bioinformática.
No Instituto de Química da USP, a bioinformática é
uma disciplina oferecida na graduação. E na Universidade
Católica de Brasília, a bioinformática é
parte do curso de pós-graduação stricto
sensu em biotecnologia genômica. Em setembro de 2002,
a USP lançou o doutorado em bioinformática, cujo programa
envolve cinco diferentes unidades de ensino, incluindo a Faculdade
de Medicina e o Instituto Ludwig. E em 2003, também iniciou-se
a primeira turma do doutorado em bioinformática da Universidade
Federal de Minas Gerais no Departamento de Bioquímica e Imunologia.
Os dois cursos foram criados em resposta a um edital da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
o que demonstra que os órgãos governamentais já
enxergaram a necessidade de capacitar profissionais para atuarem
nessa área.
A complexidade
da análise de genomas e proteomas demanda o conhecimento
de diversas áreas, e por isso, os laboratórios brasileiros
de bioinformática estão ligados a diferentes departamentos
e congregam profissionais de formação variada. No
Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná,
por exemplo, o Laboratório de Bioinformática está
vinculado ao programa de pós-graduação em engenharia
elétrica e informática industrial, que tem como uma
de suas especializações o estudo de sistemas de informação.
O Laboratório de Bioinformática da USP fica no Departamento
de Bioquímica do Instituto de Química, e o da Unicamp,
no Instituto de Computação. Para se ter uma idéia
da variedade de profissionais que atuam na área, no Laboratório
de Bioinformática e Biologia Computacional, vinculado à
pós-graduação em computação aplicada
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo
(RS), trabalham pessoas com formação em física,
informática, química (bioquímica), biologia
(biologia molecular), engenharia elétrica e engenharia de
alimentos.
Bioinformática
proteômica
Na Universidade de Brasília (UnB), além do projeto
de bioinformática do Laboratório de Química
Computacional, há também o Centro Brasileiro de Serviços
e Pesquisa em Proteínas (CBSPP) que trabalha com bioinformática
proteômica, voltada para a análise de proteomas, que
representam os conjuntos de proteínas expressos por seres
vivos. O professor Wagner Fontes, pesquisador do CBSPP, explica
que um dos principais objetivos da proteômica é identificar
um grande número de proteínas separadas por uma técnica
de laboratório conhecida por eletroforese. "Para isso,
usamos ferramentas que procuram por características dessas
proteínas em bancos de dados", diz. Alguns exemplos
que ele aponta dessas características são as massas
moleculares de seqüências parciais ou completas e a composição
de aminoácidos das proteínas.
Fontes
explica que apesar de a análise de genomas também
ter como um dos objetivos principais a identificação
de genes em um banco de dados, os métodos experimentais são
diferentes da análise de proteomas, e por isso, as estratégias
para buscas em bancos de dados também precisam ser diferentes.
Segundo o pesquisador, o CBSPP usa nessas buscas além de
ferramentas produzidas por centros especializados em engenharia
de software, como BLAST
e ExPASy, algumas
desenvolvidas no próprio laboratório. "Uma das
que desenvolvemos está atualmente em processo de registro
de software para proteção de direitos autorais. Outras
ainda estão sendo aperfeiçoadas", conta o pesquisador.
De
acordo com Fontes, é comum encontrar no campo da bioinformática
profissionais com formação acadêmica clássica
em ciências da vida - como ele próprio - e que posteriormente
desenvolveram habilidades em informática. No CBSPP, além
de criarem novos softwares, os pesquisadores também desenvolvem
aperfeiçoamentos em hardware. É o que fez também
um estudante de matemática no Laboratório de Sistemas
Biomoleculares da Unesp, quando ainda estava na graduação:
ele desenvolveu um supercomputador a partir de 17 PCs interligados
e o aperfeiçoou para as complexas rotinas de processamento
de modelagens moleculares. A capacidade de processamento desse equipamento
é 120 vezes mais rápida que a do supercomputador da
IBM que o laboratório já possuía, e a sua montagem
custou 40 vezes menos do que a compra do equipamento da IBM. (Veja
notícia
sobre o assunto).
"Com
certeza, a bioinformática vem crescendo muito nos últimos
anos e apresenta características que a consolidam como pesquisa
básica, além de ser uma ferramenta indispensável
à bioquímica", afirma o professor Fontes, da
UnB. "A questão é que existe uma grande integração
entre diversas áreas, fazendo com que a linha que divide
o que é uma nova área ou não se torne um tanto
difusa", conclui.
(RC)
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