Comunidade
realiza primeiro encontro da área
Mais
de 300 especialistas, estudantes e interessados em bioinformática
estiveram reunidos entre os dias 14 e 16 de maio deste ano, em Ribeirão
Preto (SP), no primeiro encontro internacional da área realizado
no Brasil. A ICoBiCoBi, nome simpático com que ficou conhecida
a 1ª Conferência Internacional em Bioinformática
e Biologia Computacional, trouxe à tona algumas discussões
centrais, tratando desde a que área do conhecimento pertence
a bioinformática, se é apenas um modismo ou, ainda,
se valem os investimentos que têm sido realizados em todo
o mundo para o seu desenvolvimento.
Um
dos organizadores do evento, o professor do Instituto de Matemática
e Estatística da USP, Junior Barrera, diz que o objetivo
do encontro era criar para a comunidade, uma estrutura mais científica,
com apresentação e publicação de trabalhos
produzidos no país na área de bioinformática
e biologia computacional.
A conferência
veio na esteira de outra iniciativa, da qual tomou parte Barrera:
o doutorado em bioinformática,
que está sendo oferecido desde 2002. "Consideramos que
seria muito bom para os alunos que houvesse um fórum que
permitisse a eles ver o que está acontecendo na área".
Para ele, o maior desafio foi conseguir atrair as comunidades das
diferentes áreas que se envolvem com o tema, tais como biologia,
computação, matemática, estatística,
física, engenharia, entre outras.
E parece
que este objetivo foi atingido. Segundo Luciano Fontoura da Costa,
professor do Departamento de Física e Informática
do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), também
organizador do evento, impressionou a amplitude observada. "No
início, imaginava-se essa área muito ligada à
descoberta e seqüenciamento de genes e realmente há
muitos trabalhos nessa linha, mas talvez já tenha até
mais pesquisas em áreas que são complementares a isso,
tais como genômica funcional, proteômica, desenvolvimento
animal, neurociências, modelos dinâmicos, abordagem
estatística e outros", afirma Costa.
Para
outro pesquisador da área, Christian Probst, do Instituto
de Biologia Molecular do Paraná, qualquer área
da atividade biológica que necessite do uso de programas
e métodos computacionais, desenvolvidos de forma científica,fará
uso da bioinformática. Portanto, para ele, a bioinformática
não representa somente a interação da informática
com a biologia molecular (ou a genômica), mas sim qualquer
área da biologia que necessite de um método científico
computacional para trabalhar (ecologia, evolução,
taxonomia, epidemiologia genética etc).
Essa
visão mais ampla da bioinformática, segundo Costa
e Barrera, é refletida também no doutorado, do qual
são coodenadores também. Para eles, a bioinformática
é modelagem e biologia ou, mais especificamente, métodos
matemáticos quantitativos em biologia. Eles concordam que
há áreas com nomes parecidos e que desenvolvem também
trabalhos parecidos, mas que não são bioinformática.
Como exemplo citam a biologia computacional. A principal diferença
estaria nos sistemas computacionais utilizados em uma e outra área,
que na bioinformática são rede, datamining (sistema
de buscar relações entre os dados, por métodos
estatísticos), base de dados, inteligência artificial,
que são mais modernos e complexos e que não são
usados na biologia computacional.
Destacada
a diferença, Barrera acrescenta que os trabalhos das duas
áreas podem ser complementares, pois os objetivos são
os mesmos, mas o ferramental computacional e matemático ficou
mais rico e poderoso na bioinformática.
A distinção
do que é a bioinformática entre tantas disciplinas
ou áreas com enfoque ou nome parecido, como biofísica,
neuroinformática, imunoinformática, informática
biomédica, foi tema de debate de uma das mesas de trabalho
da conferência, que foi mediada por Barrera. O tema era Perspectivas
em bioinformática. Segundo ele, as mesas redondas científicas
costumam ser "mornas", mas esta ficou bastante "quente"
com especialistas de diferentes áreas querendo atribuir para
si a "paternidade" da área. Composta por pessoal
das ciências biológicas e exatas, cada um tinha a sua
visão sobre o tema e essas visões eram conflitantes.
Barrera acrescenta que logo na primeira intervenção
surgiu a idéia de que a bioinformática é parte
da Biologia, uma vez que as perguntas viriam dessa área do
conhecimento. "Como ninguém se manifestou eu tirei o
chapéu de mediador e vesti o de pesquisador da área
de matemática e contestei a afirmação",
conta Barrera.
Ele
disse ainda que quando, finalmente, passou a palavra para a platéia,
50% dos presentes quiseram se pronunciar. "Foi esse ritmo o
tempo todo", conta Costa, dizendo ainda que houve discussões,
principalmente com professores antigos da física, que foi
a primeira ciência a usar sistematicamente essa abordagem
de sistemas e que, por essa razão, tem um papel importante
na sua constituição. Surgiu então a pergunta:
"até que ponto a bioinformática dos biólogos
está dentro na física ou não?"
Para
Costa, o que estava sendo discutido ali eram modelos. "A bioinformática
pode se transformar em uma procura, por si só, de coisas
ou é orientada por hipóteses que ajudem a direcionar
esse esforço?", questiona o pesquisador de São
Carlos. Nesse sentido, na opinião de Marcelo Briones, o primeiro
a se pronunciar na sessão, essas hipóteses viriam
da biologia.
Ele
acrescenta que apesar de, durante o debate, algumas pessoas falarem
em seqüenciar por seqüenciar, não acredita que
alguém pense realmente em fazer isso e que é necessário
ter modelos e hipóteses para direcionar a investigação.
Essa
primeira mesa foi composta por Marcelo Briones, da Universidade
Federal de São Paulo, Paula Kuser Falcão,
da CNPTIA/Embrapa, Rubem Mondaini, da UFRJ, João
Carlos Setubal, da Unicamp e Ana Tereza Vasconcelos, do Laboratório
Nacional de Computação Científica.
A segunda
mesa foi coordenada por Hugo Armelin, professor do Instituto de
Química da USP e reuniu pesquisadores da área, mas
que têm também ligação com o setor privado
ou com agências de fomento. Entre eles estavam Luciano Costa,
Georgios Pappas, da PUC de Brasília,
e o diretor científico da Fapesp, José Fernando
Perez.
Pela
própria constituição da mesa, a conversa se
centrou mais em questões administrativas. O tema era Bioinformática:
modismo ou área estratégica? e, com ar de brincadeira,
Costa diz que espera que a conclusão tenha sido a de que
não é modismo.
Foi
abordado entre os participantes que, mesmo considerando a hipótese
de ser um modismo, este também apresentaria vantagens, se
for bem direcionado. Depois, a área firmar-se-á como
estratégica. "A ciência tem um pouco disso, ela
vem em ondas, quando se tem uma descoberta, ela gera um modismo,
outras idéias são desencadeadas e a tecnologia vem
junto", diz ele referindo-se à teoria das Revoluções
Científicas do historiador da ciência Thomas Kuhn.
Para
Barrera, a biologia molecular tem o poder de alavancar todo esse
processo, por ser tão básica e por estar presente
no estudo de todos os organismos conhecidos. Ele conta que houve
uma reunião entre os especialistas da área, na qual
foi discutido o que há de interesse comum entre os vários
grupos que trabalham com bioinformática, que inclui estudos
sobre vírus, câncer, agropecuáreia, agricultura
e outros. A conclusão foi de que todos têm um núcleo
de intercecção, justamente porque lidam com fenômenos
básicos que afetam praticamente todos os organismos conhecidos
e, para entender esses fenômenos, é necessário
uma interpretação quantitativa cuidadosa. "Não
dá para voltar atrás. Não vamos deixar de usar
conhecimentos de biologia molecular para criar medicamentos ou para
produzir diagnósticos, ao contrário, a tendência
é que se aumente o uso disso. E para isso vai ser preciso
avançar cada vez mais nesse ferramental da informática",
completa Barrera.
Os
pesquisadores destacam também que, no panorama mundial, é
possível observar que a área é a que tem recebido
mais investimentos tanto do setor privado como público, o
que de certa forma revela que aqueles que estão envolvidos
com os projetos de bioinformática acreditam que esta seja
estratégica. Barrera diz que, na história da ciência,
em três grande momentos contou-se com grande acúmulo
de recursos em setores específicos. O primeiro, na segunda
guerra mundial, quando se investiu grandes somas em pesquisas para
o desenvolvimento da energia nuclear, depois, a corrida espacial
e agora, na área da genética. "Mesmo fazendo
as correções devidas ao tempo, é muito maior
a quantia investida agora, principalmente porque não é
concentrada em um único país e não são
investimentos apenas governamentais", diz ele.
A expectativa
do pesquisador é de que essa área tenha uma pesquisa
crescente nos próximos anos e que isso dure por muitos outros.
Ele cita os investimentos governamentais na capacitação
de recursos humanos como prova de que tal anseio não é
só dele. Em 2001, o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento
(CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançaram
um programa de apoio a projetos de pesquisa
em bioinformática que trouxessem soluções inovadoras.
Além disso, o objetivo é incentivar a integração
entre instituições de pesquisa e empresas para modernização
da capacidade instalada no país. E, em 2002, a Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
lançou um edital convocando as universidades a oferecerem
cursos de doutrado para a área. A USP e a Universidade Federal
de Minas Gerais tiveram seus projetos aprovados e os cursos já
estão em andamento.
O ICoBiCoBi,
realizado em Ribeirão Preto, contou com a colaboração
de várias instituições de pesquisa e ensino
que trabalham com bioinformática e recebeu apoio da Capes,
do CNPq, da Fapesp e das empresas do setor de informática
Sun Microsystems, Oracle e IBM.
(SP)
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