Yanomami: um povo ameaçado
   
 
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Um dos maiores grupos étnicos indígenas existentes no país, habitando há mais de três mil anos a região montanhosa que hoje separa o Brasil da Venezuela, os Yanomami travam, nas últimas décadas, uma dura luta diária pela sobrevivência, enfrentando garimpeiros, madeireiras, a subnutrição, a malária e outras doenças.

No mês de outubro, um artigo publicado na revista The New Yorker fez denúncias que podem somar à lista de inimigos dos Yanomami dois cientistas norte-americanos, o antropólogo Napoleon Chagnon e o geneticista James Neel. Ambos são acusados no artigo - que é parte de um livro a ser lançado nos Estados Unidos em meados de novembro, intitulado Darkness in El Dorado: how scientist and journalist devasted the Amazon - de aplicarem uma vacina que teria causado epidemia de sarampo. As acusações são de Patrick Tierney, um jornalista que afirma ter passado dez anos pesquisando a atuação de cientistas (em especial Napoleon Chagnon) na Amazônia. Há ainda outras suspeitas levantadas por Tierney que envolvem a criação de um harém de meninos pelo antropólogo Jacques Lizot e a manipulação de dados de pesquisa somada a incitação de conflitos entre índios por parte de Chagnon.

Tierney dá a entender em seu artigo - apesar de não dizer textualmente - que James Neel e Napoleon Chagnon teriam espalhado o sarampo intencionalmente, buscando comprovar teorias eugenistas que afirmavam uma superioridade genética dos membros da etnia Yanomami mais violentos.

De fato, os trabalhos de campo realizados por Napoleon Chagnon entre os Yanomami a partir da década de 1960 deram origem a um livro, intitulado Yanomamö: the fierce people, que descreve a cultura Yanomami como construída em torno da violência. Chagnon afirmou, em artigo publicado pela revista Science, em 1988, que dentro da sociedade Yanomami, aqueles membros que praticaram algum tipo de asassinato têm maior facilidade para conseguir parceiras sexuais. Segundo ele, "em muitas sociedades, atingir o sucesso cultural parece levar ao sucesso biológico (genético)". Yanomamö: the fierce people vendeu desde seu primeiro lançamento, em 1970, mais de um milhão de cópias.

A idéia de que os Yanomami são "pessoas ferozes" ("fierce people") é bastante contestada por outros autores da antropologia. Segundo o artigo de Patrick Tierney, essa visão dos Yanomami foi conseguida através da falsificação de dados de pesquisa (que incluiu até a encenação de guerra para um filme etnográfico) e tinha o propósito de referendar a idéia evolucionista de Chagnon de que as sociedades indígenas são primitivas, e como tais vivem em um estado de guerra constante. A referência é clara ao filósofo Thomas Hobbes (século XVII), que afirmava que o homem no estado de natureza, antes da existência do contrato social (da instituição da sociedade), viveria em estado de guerra constante.

Para Chagnon, os Yanomami seriam como uma visão do passado da sociedade industrial. O conceito de sociedades que evoluem em um único sentido histórico, que dá base a trabalhos como o de Chagnon, tem muito poucos defensores na antropologia, a maior parte deles situados em universidades dos Estados Unidos. Para a maioria dos antropólogos, o evolucionismo é um etnocentrismo, ou seja, uma perspectiva que faz um juízo de valor negativo das outras culturas, colocando a sociedade do cientista como melhor que outras.

Bruce Albert, Alcida Ramos (ambos antropólogos com pesquisas entre os Yanomami) e Kenneth Good (um ex-orientando de Chagnon), além de outros antropólogos, vêm denunciando o engano cometido pela visão dos Yanomami como um "povo feroz" há mais de dez anos. Em um livro intitulado Into the heart, publicado em 1992, Good, pesquisador que se casou com uma Yanomami, além de discordar da caracterização de Chagnon afirma que ele tomava yopa, um alucinógeno usado pelos xamãs, e que chegava nas aldeias atirando, para mostrar que era mais feroz que os Yanomami.

As contestações de Bruce Albert a Chagnon não se restringiram ao trabalho do norte-americano junto aos Yanomami, mas referiram-se também às declarações dadas sobre o massacre do Haximú. Albert disse que Chagnon mentiu ao dar declarações sobre disputas entre os Yanomami e garimpeiros. Em junho de 1993, 16 Yanomami, incluindo mulheres e crianças, foram mortos, e outros ficaram feridos, em dois ataques realizados por aproximadamente vinte garimpeiros. Apenas cinco deles foram condenados a penas que chegaram a vinte anos de prisão por crime de genocídio.

Os conflitos dos Yanomami com garimpeiros tiveram seu ápice no final da década de oitenta, quando houve uma verdadeira corrida do ouro no então território de Roraima. Dados da época afirmam que havia mais de 40 mil garimpeiros no estado. Neste mesmo período, quando da gestão de Romero Jucá como presidente da Funai, o território Yanomami foi subdividido em 19 diferentes regiões. Segundo Bruce Albert e Alcida Ramos, em carta à revista Science em 1989, o chefe militar brasileiro, general Bayna Denys, claramente inspirado pela repercussão do trabalho de Chagnon, defendeu a idéia de que a divisão do território Yanomami serviria para pacificá-los.

Foi no final da década de oitenta que a questão Yanomami ganhou repercussão mundial. A divisão do território gerou denúncias partindo da comunidade acadêmica, nacional e internacional, além de diversas personalidades, afirmando que estava sendo preparado o genocídio dos Yanomami. Permitir o garimpo em regiões próximas das "ilhas" Yanomami significa torná-los mais expostos ao contato com garimpeiros, que frequentemente contaminam a água dos rios com mercúrio e trazem doenças que os índios não estão preparados para combater.

Durante o governo Collor, dentro do contexto do projeto Calha Norte de ocupação militar da Amazônia, foram abertas diversas clareiras na mata para o pouso de aviões das forças armadas. Estas clareiras, por sua vez, passaram a ser utilizadas ilegalmente por garimpeiros. Há acusações de que muitos soldados também passaram a participar do garimpo ilegal. No início deste mês de novembro surgiu ainda outra denúncia, feita pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que acusa militares de praticarem abusos sexuais contra crianças Yanomami. A Operação Colômbia, planejada pelos Estados Unidos, provocou a reativação e o envio de novas verbas (cerca de R$ 25 milhões) para o projeto Calha Norte.

Além disso, a precariedade da assistência sanitária e médica aos Yanomami continua. O índice de mortalidade entre eles em 1999 foi o dobro do registrado no resto do país. A mortalidade infantil no mesmo ano foi dez vezes maior do que a registrada em bolsões de miséria brasileiros. Os esforços de entidades como a ONG Urihi-Saúde Yanomami, criada no início deste ano, contudo, buscam a reversão desse quadro. Segundo dados divulgados no começo deste ano o índice de mortalidade caiu mais de 50% em apenas seis meses de atuação da ONG.

   
           
     

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Atualizado em 10/11/2000

   
     

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