Inovação
no ambiente amazônico: ilhas de alta produtividade
Raimundo
Cláudio Gomes Maciel
Atualmente, o
grande desafio na Amazônia é a implementação
de políticas públicas que alterem o padrão de
desenvolvimento vigente no sentido de garantir mais justiça
social, de contenção do desflorestamento e de
utilização racional do meio ambiente de forma
conservacionista. Há um crescente reconhecimento de que as
atuais formas predatórias de desenvolvimento na região
acarretam pesados ônus sócio-econômicos e
ambientais, aliados à compreensão de buscar alternativas
de desenvolvimento sustentável.[1]
Com o crescente
movimento ambientalista mundial aliado ao crescente movimento das
populações tradicionais, em especial do seringueiro,
excluídas do processo de desenvolvimento, ganham destaque como
alternativa de desenvolvimento sustentável para a Amazônia
as Reservas Extrativistas (Resex), que surgiram como uma alternativa
para atenuar o problema fundiário de concentração
de terra, promover a exploração dos recursos naturais de
forma sustentável e de conservar a biodiversidade no
território amazônico.[2]
Entretanto, do ponto de
vista econômico, há claras divergências sobre a sustentabilidade
das Resex. Alfredo Homma, representante do mainstream, peremptoriamente
refuta as Resex, que têm como cerne o extrativismo vegetal tradicional
(em particular da borracha), como modelo de desenvolvimento viável
para a Amazônia, uma vez que o atraso tecnológico inerente a
essa atividade econômica, que se traduz nos baixos rendimentos da terra
e da mão-de-obra, fatalmente levará ao seu desaparecimento no
médio e longo prazo. Ou seja, o extrativismo vegetal da borracha seria
uma atividade obsoleta, incapaz de incorporar o progresso tecnológico.
[3]
O imenso atraso
tecnológico existente nas regiões extrativistas vegetais
é um ponto comum entre os estudiosos da Amazônia,
além da necessidade urgente de superação desse
entrave para um efetivo desenvolvimento. O que se torna divergente
é a inerência ao extrativismo vegetal.
Não
obstante, nota-se que uma das premissas básicas para efetiva
sustentabilidade das Resex é a implementação de
instrumentos econômicos que estimulem alternativas produtivas
promotoras do processo de inovação tecnológica.
Pois a inovação é o motor do desenvolvimento
capitalista, constituindo-se no elemento fundamental de mudança
econômica do mundo atual, sendo fundamentalmente um processo
endógeno às unidades produtoras.[4]
Ora, sabe-se que
até recentemente o extrativismo vegetal esteve engessado pelas
perniciosas relações sociais da economia do aviamento,
cuja característica essencial era a total
subordinação do seringueiro ao patrão
(seringalista). Nesse sistema, o patrão adiantava os mantimentos
e equipamentos básicos, a preços aviltantes, para o
seringueiro, enquanto este pagava seu débito com a
produção de borracha. O saldo dessa
transação sempre era amplamente favorável ao
patrão.
O resultado desse processo
do ponto de vista da inovação foi que praticamente não
houve progresso tecnológico no sistema de produção extrativista
na região amazônica, uma vez que os lucros do seringalista advinham
muito mais da exploração direta das trocas do que do processo
produtivo em si e, portanto, não tinha o menor interesse em modernizar
a extração do látex. Ou seja, esse sistema "simplesmente"
não evoluiu.
Entretanto, as amarras
do sistema de aviamento foram quebradas pela criação das Resex.
Assim, o extrativismo vegetal da borracha, além de outras atividades
florestais, tem amplas chances de incorporar toda a tecnologia disponível
- desde o final do século XIX -, aproveitando-se dos avanços
científicos na área, em particular sobre o "mal-das-folhas",
um dos principais entraves à racionalização da seringueira
na Amazônia.
Nesse processo de busca
de soluções inovadoras para a atividade extrativa surgem as
Ilhas de Alta Produtividade (IAPs), que é justamente o resultado de
um arranjo institucional composto pelo movimento seringueiro, organizações
governamentais e não-governamentais, em torno das Resex[5], sob a égide
de um novo sistema produtivo denominado Neoextrativismo, que supõe
"a construção de uma nova base técnica ou um desenvolvimento
técnico por dentro do extrativismo, subordinado aos padrões
e exigências sócio-culturais dos seringueiros"[6].
As IAPs
são pequenos plantios de seringueira dentro da floresta[7] e,
portanto, uma forma de adensamento, ou seja, uma nova forma de produzir
borracha que incorpora ao mesmo tempo o conhecimento acumulado dos
seringueiros (herança tecnológica passada), os
conhecimentos técnico-científicos disponíveis
(herança tecnológica dos cultivos racionais), além
de proporcionar a implantação das bases para
avanços subseqüentes (caráter cumulativo).
Destarte, as
IAPs promovem inovações tecnológicas no processo
produtivo do extrativismo vegetal da borracha, rompendo com o arcaico
padrão tecnológico dessa atividade. Ajustando, deste
modo, a atividade florestal dentro da dinâmica concorrencial
capitalista.
Em outras palavras, as
IAPs promovem a mudança tecnológica transformando desvantagens
estruturais - notadamente no processo produtivo, em virtude da dispersão
das árvores de seringa e dos limites físicos da floresta -,
em vantagens estruturais - como se estivessem organizando essa dispersão,
imitando a própria floresta. Dessa forma, isto impossibilita a ocorrência
do "mal-das-folhas", uma das principais causas do fracasso dos cultivos
racionais na região amazônica. Além disso, o adensamento
com espécies selecionadas permite o aumento da produção
e da produtividade do sistema e, conseqüentemente, a redução
dos custos e aumento da rentabilidade.
As IAPs têm como
característica principal a mudança técnica por dentro
do processo produtivo da borracha, alterando essencialmente o processo de
corte e coleta do látex e, assim, reduzindo drasticamente as extenuantes
jornadas de trabalho dos seringueiros, bem como o grau de insalubridade dessa
atividade, já que, nesse novo processo, prevê-se uma redução
em torno de 80% da força de trabalho utilizada na forma tradicional.
Tudo isso, no entanto, utilizando-se de técnicas "amigáveis"
ao produtor, de fácil assimilação. E, neste ponto, ressalta-se
o papel do conhecimento científico ligado ao processo de mudança
tecnológica, uma vez que, dadas as condições estruturais
do processo produtivo - intensividade do uso de mão-de-obra e baixo
índice de capitalização -, ao invés de pesados
investimentos em capital constante e insumos modernos alheios a esse público,
a inovação está baseada nos avanços da genética
e sua focalização na direção das mudanças
específicas e adequadas ao local.
Por outro lado,
os efeitos microeconômicos das IAPs podem ser identificados
mediante três características essenciais da
inovação: oportunidade tecnológica,
apropriabilidade privada dos efeitos de mudança técnica e
cumulatividade do progresso técnico, além da
sustentabilidade ambiental.[8]
Tendo em vista o
alto grau de maturidade da trajetória tecnológica da
indústria de elastômeros, a oportunidade
tecnológica da borracha é baixa. Deste modo, a
ênfase na apropriabilidade da inovação tem que ser
elevada. Essa característica está presente nas IAPs, pois
essa inovação somente se aplica aos seringueiros que
são detentores de grandes áreas de floresta natural, em
especial na Resex, por isso há fortes indícios de que o
produtor se apropriará dos resultados econômicos gerados
e, por conseguinte, pode garantir sua manutenção.
A cumulatividade das IAPs
pode ser apreendida verificando-se como foram implantados os plantios, em
particular os denominados de "pé franco" (a partir de sementes)
que demonstram um avanço tecnológico em relação
aos seringais de cultivo tradicionais, pois está sendo pesquisada a
utilização de sementes selecionadas na própria colocação,
procurando-se evitar a utilização de clones devido às
barreiras impostas à aquisição dos mesmos, como os altos
preços de mercado.
Quanto à
sustentabilidade ambiental das IAPs, pode-se afirmar que é uma
inovação inerentemente prudente do ponto de vista
ecológico, visto que primordialmente servem de reflorestamento
de áreas de roçados abertos na floresta.
Assim, a busca
por alternativas produtivas sustentáveis na região
amazônica, em especial nas Resex, deve pautar-se, em
última instância, pela promoção de
políticas públicas promotoras da inovação
tecnológica das atividades tradicionais da região,
notadamente aquelas que apresentam harmonia com a natureza e as
populações tradicionais. As IAPs claramente se constituem
numa alternativa produtiva ao extrativismo tradicional da borracha.
Portanto, no primeiro mandato do atual governo do Acre, essa
inovação foi incorporada às suas políticas
públicas, constituindo-se numa das principais ferramentas para a
mudança econômica das atividades florestais da
população extrativista. No atual mandato, contudo, ao
contrário do aprofundamento e difusão dessa
inovação, as IAPs foram relegadas ao segundo plano, num
claro processo de reorientação política,
comprometendo seriamente todo o progresso alcançado, além
de minar decisivamente a continuidade desse empreendimento,
principalmente levando-se em consideração o prazo de
maturação do sistema que gira em torno de 12 a 13 anos.
Raimundo Cláudio
Gomes Maciel é economista, doutorando em economia aplicada no IE/UNICAMP.
Contato: rcgmaciel@bol.com.br
[1] - Cf. BECKER, Berta
K. Síntese do Processo de Ocupação da Amazônia:
Lições do passado e desafios do presente. In: BRASIL. Ministério
do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia.
Brasília: MMA, 2001. p. 5-28
[2] - Cf. COSTA FILHO, Orlando Sabino da. Reserva extrativista
- Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida. 1995. 156 p. Dissertação
(Mestrado em Economia) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1995.
[3] - Cf. HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal na Amazônia:
Limites e oportunidades. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1993. 202 p.
[4] - Cf. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984. 534 p.
[5] - As IAPs resultam de um projeto de pesquisa coordenado pelo Prof.
Dr. Paulo Kageyama (ESALQ/USP). Entre as instituições
participantes estão: Centro Nacional de Desenvolvimento
Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT), vinculado
ao IBAMA; Universidade Federal do Acre (UFAC); ESALQ/USP; Conselho
Nacional dos Seringueiros (CNS); Cooperativa Agroextrativista de Xapuri
(CAEX); Secretaria de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado do Acre (SEATER-AC).
[6] - Cf. KAGEYAMA, Paulo. Reserva extrativista: um modelo
sustentável para quem? São Paulo, 1996.; REGO, J. F. Amazônia:
do extrativismo ao neoextrativismo. Ciência hoje, Rio
de Janeiro, v. 25. n. 147, p. 62-65, mar.1999.;
[7] - Os plantios, com áreas de no máximo 1 hectare,
foram realizados de 1995 a 1998.
[8] - Cf. DOSI, Giovanni. Technical change and industrial transformation:
The theory and an application to the semiconductor industry. London: Macmillan,
1984. 338 p.