Degradação
de biomas brasileiros
Waldir Mantovani
A
exploração de recursos naturais e a
ocupação do território brasileiro têm uma
longa história de alterações relevantes e da
degradação de áreas naturais. É resultado,
entre outros fatores, da ausência de uma cultura de
ocupação de seus espaços que respeitasse as
características dos seus diversos biomas, da
apropriação dos bens da natureza por grupos restritos de
pessoas ou instituições, sendo seus benefícios
distribuídos de forma desigual entre os componentes da
sociedade, e da desconsideração, por parte dos projetos
institucionais e de diversos empreendimentos, das
alterações do meio ambiente em seus custos, em geral
restando à sociedade os prejuízos causados.
Essas
alterações em nossos biomas são mais evidentes a
partir das atividades agrícolas das numerosas tribos
indígenas que ocupavam principalmente a faixa litorânea de
nosso país, e que dominavam a técnica da agricultura de
corte e queima, e é ampliada na colonização pelos
portugueses, a partir do século XVI, inicialmente com os ciclos
do pau-brasil, uma espécie de árvore da floresta pluvial
tropical atlântica, e da cana-de-açúcar em extensas
áreas das zonas litorâneas, mormente no Nordeste e,
após, com a busca de minérios preciosos e posterior
estabelecimento de áreas de garimpos em várias
regiões do território brasileiro.
Atividades de agricultura
e de garimpo exigiam mão-de-obra não disponível
entre os colonizadores, o que estimulou entradas de tropas organizadas
ao interior de nosso continente até a região
amazônica, na busca de mão-de-obra indígena e de
plantas aromáticas, medicinais e alimentícias.
A mão-de-obra
indígena foi posteriormente substituída pela
mão-de-obra escrava trazida da África, ainda no
século XVI, aumentando as populações nas vilas e
cidades, o que exigiu uma maior produção de alimentos e
incentivou a importação de animais, como cavalos e gado
bovino, que ocuparam áreas interiores de pastos naturais, no
cerrado e nos campos sulinos, principalmente no Nordeste, Centro-Oeste
e Sul do Brasil. As moendas de cana-de-açúcar ainda
exigiam grande quantidade de lenha, o que era obtido das florestas.
O século XIX
é marcado pela exploração de recursos naturais,
como a borracha na Amazônia, pela exploração de
madeira de elevado valor econômico, nas diversas florestas
brasileiras, e pelas implantações das culturas do
café, em áreas dos domínios das florestas pluvial
atlântica e estacional semidecídua, principalmente no
Sudeste e Sul do Brasil, do fumo, em áreas da floresta com
araucária, no Sul, e da caatinga, no Nordeste, e do
algodão, em áreas da caatinga, no Nordeste. Agrava a
conservação de áreas desses biomas o
caráter itinerante que essas culturas tiveram, sempre ocupando
novas áreas, com solos não desgastados.
Um importante fluxo
imigratório deu-se nas épocas das primeira e segunda
guerras mundiais e acentuou-se durante a expansão da
cafeicultura, principalmente no final do século XIX, fazendo com
que muitos europeus se estabelecessem nas regiões Sul e Sudeste
do Brasil, aumentando as populações humanas nessas
regiões e a demanda por moradia, alimentação e
diversos outros recursos da natureza.
No século XX houve
novamente uma expansão das culturas de
cana-de-açúcar e de algodão, principalmente no Sul
e Sudeste, e um estímulo às culturas de citros, no
sudeste, de chá, no sul e sudeste, e da soja, desde o Sul, pelo
Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, sob o impulso da
industrialização nacional ocorrida no terço final
deste século, com grande impacto em áreas dos
domínios da floresta com araucária, estacional
semidecídua e do cerrado.
O crescimento das
atividades pecuárias no século XX levou à
ocupação de extensas áreas nas regiões Sul,
Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país, em detrimento de
áreas naturais dos campos sulinos, do cerrado e das florestas
com araucária, estacional semidecídua e pluvial
amazônica. Esta expansão foi realizada com o
estabelecimento de pastos baseados em espécies de
gramíneas exóticas, em geral africanas, muitas das quais
se transformaram em competidoras com as espécies nativas de
diversos biomas, por um processo que se denomina de invasão
biológica.
Na década de 70 as
áreas do domínio do cerrado foram designadas
prioritárias para a expansão de uma nova fronteira
agrícola, a ser ocupada por diversas atividades
agropecuárias, sem que houvesse um planejamento à sua
conservação.
Nosso país
é extremamente rico em diversos minerais, em grande parte ainda
exportados em sua forma bruta, cuja extração representa
das mais importantes fontes de problemas ambientais, localmente levando
a modificações no ambiente e, em escala maior, exigindo
soluções ao seu escoamento.
Por sua história
de ocupação, as grandes cidades brasileiras estão
preponderantemente situadas no litoral brasileiro ou nos planaltos sob
clima temperado quente e úmido, influenciando diretamente a
conservação de áreas das florestas pluviais
atlântica, com araucária e sobre as planícies
litorâneas.
A maioria da
população brasileira está concentrada em
áreas urbanas que raramente foram adequadamente planejadas, de
forma que a maior parte dos municípios não possui
sistemas de coleta e de tratamento de esgotos e do lixo, interferindo
na qualidade das águas interiores e continentais. Um fator de
agravamento do crescimento não controlado das grandes cidades no
sudeste deveu-se aos vários fluxos de migração,
principalmente do nordeste, que acompanharam o crescimento urbano e
industrial desta região.
As águas
interiores e continentais brasileiras são diretamente afetadas
pelo conjunto de atividades anteriormente citadas, seja pelo
lançamento de dejetos e produtos químicos oriundos das
aglomerações urbanas, de origem doméstica ou
industrial, ou das atividades agropecuárias, incluindo a
erosão de solos e a contaminação de águas
por produtos químicos, além da super
exploração de alguns recursos naturais, como
várias espécies de peixes, e a alteração da
velocidade e das características físicas e
químicas das águas, nas barragens para fins da
geração de energia e abastecimento.
A
industrialização e a opção pelo transporte
individual, na maioria das cidades, também geraram, desde o
final do século XX, problemas de poluição
atmosférica, com conseqüências importantes à
saúde humana.
A expansão da
malha de rodovias e da rede ferroviária permitiu o acesso a
diversas regiões do território brasileiro ainda
conservadas, e estimulou a produção agropecuária e
o crescimento populacional, preponderando a migração.
Principalmente a partir
da década de 70, mas emergindo de forma acentuada na de 80, os
problemas ambientais começaram a ganhar um grande espaço
nas discussões feitas em nossa sociedade, sempre relacionadas
à conservação biológica e dos recursos
naturais e à qualidade de vida humana, amparadas por uma
legislação bastante evoluída.
Para todos os biomas
brasileiros, um dos fatores mais relevantes à
degradação é o crescimento populacional, em geral
associado à ausência de planejamento para o uso de
espaços e recursos disponíveis de forma sustentada, como
é genericamente denominado o uso que não leve ao
esgotamento dos recursos naturais. Uma das conseqüências do
aumento populacional é a ampliação de áreas
para a atividade agropecuária, com devastação de
áreas da vegetação natural, que pode ter ampliado
seu efeito à degradação com o uso de tecnologia
avançada, além dos aumentos de áreas urbanas e da
demanda por serviços e recursos naturais. Os efeitos do
crescimento populacional podem ser multiplicados por processos de
migração, impactando ainda mais certas regiões.
Há diversos biomas
mantidos em Unidades de Conservação restritivas com
áreas insuficientes para representar toda a heterogeneidade que
contêm. As Unidades de Conservação com uso
indireto, gerenciadas pela União ou pelos estados, somam
19.625.376ha, enquanto as de uso direto, menos restritivas,
140.881.814ha, e as reservas de recursos 51.045ha. A
contribuição dos municípios é muito
pequena.
Entre os biomas
terrestres há problemas comuns que podem levar à
degradação, ressaltando-se a sua
substituição por culturas monoespecíficas ou
pecuária, com a diminuição da diversidade
biológica e, como conseqüência, a do uso potencial de
recursos contidos nas espécies. Em geral essas atividades
acarretam aumento de processos erosivos, agravados pela
existência de solos arenosos, topografia acidentada e
precipitações elevadas, além de promoverem a
destruição de hábitats. Na
substituição dos biomas por outros sistemas,
agrícolas ou urbanos, são perdidas, também,
importantes funções de equilíbrio que os biomas
exercem no ambiente, seja na proteção do solo, na
manuteção dos ciclos hidrológicos, no tamponamento
dos efeitos dos fatores físicos do ambiente sobre a
superfície da terra, seja a radiação solar, a
temperatura, a precipitação e a ação de
ventos. Também podem ser perdidos valores estéticos,
quando paisagens naturais, em geral heterogêneas, são
substituídas por paisagens antropizadas, geralmente
homogêneas.
Os recursos que
representam ou que estão contidos em muitas espécies de
plantas e de animais têm características restritivas
à exploração, que podem ser generalizados para os
diversos biomas, terrestres, aquáticos ou de
transição. Quanto mais rico e diverso for o bioma, mais
difícil a exploração do recurso, dado o pequeno
número de organismos apresentados por uma
população. Isto é relevado pelo fato de todos os
biomas apresentados possuirem variações regionais e
locais de estrutura e de composição florística e
faunística, que aumentam a diversidade biológica que
contêm.
Em relação
às espécies de animais, o maior problema relacionado com
a extração, caça ou pesca, bem como com a
extração seletiva de plantas, é a
diminuição excessiva de organismos nas
populações, o que pode acarretar a extinção
local ou, dependendo da extensão e da intensidade de
exploração, em grande escala, com
conseqüências nas cadeias ou teias tróficas das quais
participam as espécies exploradas.
Principalmente devido
à perda de hábitat, mas também por causa da
caça para diversos fins, dentre as espécies de animais em
perigo de extinção ressaltam-se aqueles do topo da cadeia
alimentar, como a onça-parda ou sussuarana, a onça
pintada, os gatos-do-mato, como a jaguatirica e os
gatos-maracajás, os cachorros-do-mato, o lobo-guará, os
gaviões e os falcões, que necessitam de
territórios muito amplos para caça e
reprodução, os jacarés, a lontra, as doninhas, as
ariranhas, as sucuris, as surucucus, os grandes mamíferos, como
a anta, os cervos, os veados, os tamanduás, os tatus, as
preguiças, as baleias, botos, golfinhos e peixes-boi, os
primatas: micos, sagüis, guaribas, bugios, uacaris, sauás e
diversos macacos, os peixes consumidos por sua carne, como o pirarucu e
o tambaqui e diversas outras espécies sob sobrepesca, assim como
as tartarugas, o jaboti, os cágados e o tracajá, e
lagartos, algumas aves são caçadas para consumo, como o
inambu, o jaó, o macuco, o mutum, o jacu, os patos, as pombas,
as rolinhas, enquanto outras são ornamentais, como os
periquitos, os papagaios, as arararas, os galos-da-serra e as
saíras, ou canoras, como os sabiás, o
canário-da-terra, o bicudo, o pitassilgo, o
pássaro-preto, o curió e as coleirinhas, entre outras.
Afora a grande quantidade
de espécies conhecidas que são extintas localmente,
ressaltam-se as extinções de espécies pouco
conhecidas ou ainda não descritas pela ciência, como as de
algas, fungos, briófitas, pteridófitas, insetos,
escorpiões, aracnídeos, miriápodes,
anfíbios e outros grupos de plantas e de animais, notadamente de
pequeno porte.
A
fragmentação de hábitats naturais acarreta a
diminuição do tamanho de várias
populações, de plantas e de animais, seja pela
diminuição das áreas ou pela
competição pelos recursos remanescentes, tornando-as
muitas vezes inviáveis, impedindo a circulação de
animais de diversas espécies, com o estabelecimento de
áreas de agricultura, áreas urbanas, estradas ou outros
obstáculos, intransponíveis, além do
estabelecimento de efeitos de borda, como mudanças
microclimáticas e da luminosaidade, que facilitam a
invasão biológica e o perigo de incêndios e de
outros fatores de perturbação.
Os tipos de usos mais
comuns em relação às plantas referem-se à
produção de alimentos na forma de frutos, sementes ou
palmitos, de condimentos, aromatizantes e corantes, de uso
têxtil, produtoras de cortiça, taníferas, com
elevados teores nas cascas ou nos troncos, com exsudatos no tronco,
como resinas, gomas, bálsamo, produtoras de óleos e
gorduras, medicinais, ornamentais para jardinagem, empregadas no
artesanato, plantas apícolas e aparentadas de plantas
cultivadas, como no caso do cajú, da mandioca, do abacaxi, da
ata, da pinha, do cará, do caqui, da goiaba, do maracujá,
do amendoim e do guaraná, entre outras.
A
introdução de espécies de plantas e de animais no
território brasileiro tem elevado o problema das invasões
biológicas passíveis de ocorrerem nos diversos biomas, o
que tem acarretado a diminuição da diversidade
biológica, quando são competidores mais fortes, ou
representam pragas ou agentes de doenças.
Alterações em áreas naturais têm levado
à transformação de espécies sob
equilíbrio em pragas ou patógenos, agentes de
doenças diversas.
Para todos os biomas, um
dos problemas mais relevantes refere-se ao aumento da
população humana, principalmente concentrada em grandes
núcleos urbanos, devido a geração de lixo, a
impermeabilização do solo, a necessidade de aumento da
produção agrícola, a geração de
esgoto, não tratado, o aumento na demanda de água para
fins domésticos, industriais, de serviços, de lazer e
para a produção de alimentos, seja pescado ou para uso na
agricultura.
A maioria dos
municípios brasileiros não possui rede coletora de esgoto
(Norte, 92%, Centro-Oeste, 87%, Nordeste 74%, Sul, 61% e Sudeste, 9%),
o que é agravado pelo fato de a grande maioria dos
municípios, independente da região, não promover o
tratamento deste esgoto (98% no Norte, 96% no Nordeste e no
Centro-Oeste, 93% no Sul e 85% no Sudeste). Também o lixo
não recebe tratamento adequado, sendo a grande maioria
depositada em vazadouros a céu aberto, sendo importante fator de
degradação de biomas, notadamente aquáticos.
Os biomas localizados ao
longo do litoral, terrestres, de interfaces ou aquáticos,
estão mais sujeitos à degradação
proveniente de grandes aglomerados humanos, já que a maioria da
população brasileira está concentrada nessa
região.
Waldir Mantovani é
Professor Titular do Depto de Ecologia IB - USP.