Perspectivas da
recuperação e do manejo sustentável
das florestas de araucária
Carlos
Roberto Sanquetta
A floresta
ombrófila mista ou floresta de araucária é um dos
mais exuberantes ecossistemas do Brasil. Ela abriga uma das poucas
coníferas de ocorrência subtropical no hemisfério
Sul do continente americano: a araucária brasileira, conhecida
como pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-Paraná (Araucaria
angustifolia Bert. O. Ktze.). Por sua beleza e singularidade, a
araucária tem atraído a atenção de muitos
estudiosos.
A floresta de
araucária não abriga apenas a sua espécie
típica, mas muitas outras que formam comunidades interativas e
diferenciadas em florística, estrutura e
organização ecológica. Existe muita riqueza na
floresta de araucária, seja nos seus componentes
arbóreos, no sub-dossel ou nas copas que formam dosséis
irregulares. Ali a biodiversidade atinge níveis elevados, apesar
de sua aparente simplicidade estrutural.
Desafortunadamente
a floresta de araucária não foi respeitada ao longo do
processo de colonização do sul do país, o que
levou à redução drástica de sua
ocorrência. O processo de geração de riqueza e
desenvolvimento econômico experimentado na região foi
acompanhado pela dilapidação da maior parte do
patrimônio ecológico desse ecossistema. Ao longo do
processo histórico de ocupação do sul do Brasil,
assistiu-se a uma rápida eliminação de sua
cobertura florestal, produto dos ciclos econômicos,
particularmente o da exploração da madeira, o do
café em áreas restritas e, mais recentemente, o da soja.
Informações
recentes indicam que ainda existem extensos remanescentes da floresta
ombrófila mista. No Paraná são cerca de 2,7
milhões de hectares (23% da área original de 11,6
milhões de hectares) que ainda restaram, ou seja, uma
área ainda bastante expressiva. Contudo, a maior parte desse
remanescente constitui-se de fragmentos bastante alterados em sua
composição e estrutura e extremamente desconexos entre
si.
Essas
áreas, em diferentes graus de antropismo, compõem
atualmente um mosaico de formações em distintas fases
sucessionais e com grandes variações florísticas e
estruturais. Essa característica diferencia o ecossistema de
outros, onde o processo de sucessão florestal secundária
se processou de forma demarcada. Na floresta de araucária, a
distinção das fases sucessionais da
vegetação se constitui em tarefa difícil.
Até
meados da década de 1980 não existiam grandes
restrições à exploração
indiscriminada das florestas de araucária. Nos chamados
“Planos de Exploração Florestal”, era
permitida a supressão de praticamente todos os indivíduos
com diâmetros acima de 40 cm. Mudanças ocorreram a partir
de então com a substituição dos “Planos de
Exploração” pelos “Planos de Manejo Florestal
em Regime de Rendimento Sustentado”, que traziam em seu bojo
princípios da perpetuidade e da conservação da
floresta. Contudo, a falta de compromisso de muitos detentores e
técnicos com a seriedade e a ineficiência dos
órgãos de fiscalização forjaram Planos
apenas para atender à burocracia.
Por outro lado,
detentores de floresta e profissionais sérios persistiram com a
fixa convicção de que o manejo sustentável
é o caminho mais eficaz para garantir a
conservação da floresta em um sentido mais amplo, com
benefícios diretos e indiretos para toda a sociedade. Planos de
Manejo bem elaborados e executados dentro da ética e da
competência profissional se contrapõem àqueles mal
formulados e desonestos.
O manejo
florestal deve ser entendido como um elemento decisivo para perpetuar a
sobrevivência da Araucaria angustifolia, uma vez que
pode contribuir para estimular a regeneração natural,
aumentando também as taxas de crescimento das árvores
remanescentes e diminuindo as taxas de mortalidade natural na floresta.
Manejo também é sinônimo de
recuperação da capacidade produtiva e ecológica da
floresta.
Cabe citar que
é comum se observar, em florestas maduras com
predominância de pinheiro, um grande número de
plântulas desta espécie que definham e morrem antes mesmo
de atingirem um a dois metros de altura. Estudos em áreas com
dossel fechado mostram uma sobrevivência de no máximo 5%.
Quando intervenções programadas são promovidas,
por outro lado, a regeneração natural é restaurada
e observa-se um grande número de indivíduos jovens e de
meia idade crescendo favoravelmente. Pesquisas mostram que esse
percentual pode aumentar para até 20% em condições
ideais.
Inventários
florestais mostram também que, em florestas maduras com
predominância da araucária (pinhais), as taxas de
crescimento volumétrico por hectare comumente são
inferiores a 2,00 m³/ha.ano-¹. Áreas bem manejadas,
por outro lado, podem ter seu incremento periódico anual
aumentado para até 5,00 m³/ha.ano-¹. Assim, se uma
área florestal sem manejo ou manejada pela primeira vez, sofrer
um corte de 30-40 m³/ha, o ciclo de corte a ser adotado deveria
ser de 15 a 25 anos. Para aumentar o incremento e diminuir o ciclo de
corte, deve-se promover a regeneração natural,
através de tratamentos silviculturais, com
condução da regeneração natural e desbastes
de liberação de espaço vital. Com uma maior taxa
de crescimento é possível diminuir o ciclo de corte ou
aumentar o nível de intervenção. Esse é o
caso em áreas com alto nível de competição.
Deve-se
salientar que manejo florestal não é sinônimo de
corte de árvores, como alguns querem advogar, e sim um conjunto
de atividades silviculturais que promovem o desenvolvimento da
floresta. Esse manejo, se conduzido dentro da técnica, deve ser
defendido e incentivado, ao invés de coibido
indiscriminadamente. Um plano de manejo florestal para ser
sustentável deve ter como premissa o respeito à
capacidade de resiliência da natureza. Em outras palavras, os
cortes promovidos no plano devem respeitar a capacidade de
restauração da floresta. Práticas de manejo que
extrapolem a capacidade natural de restauração da
floresta devem ser sumariamente condenadas.
Para
exemplificar, se uma floresta cresce a uma taxa de 2,00
m³/ha.ano-¹ e deseja-se efetuar um corte inicial de 40
m³/ha, então será necessário esperar 20 anos
para proceder a uma nova intervenção. A
definição do volume de corte inicial não deve ser
empírica, mas sim fundamentada em inventários florestais,
representativos e executados dentro de princípios de amostragem
na análise da base florística e da estrutura dimensional
da floresta. Esses conhecimentos indicam se uma espécie
está ou não se regenerando naturalmente e se será
viável realizar cortes e necessário promover a sua
regeneração.
Atualmente
existe pouco espaço na mídia para justificar que o corte
de árvores é algo necessário para revigorar a
própria capacidade restauradora de florestas senis. A crescente
consciência ecológica da sociedade impõe a
necessidade de conservar o pouco que resta. A preservação
integral da floresta por força da lei e da
fiscalização, todavia, parece inócua e
impraticável, dado o cenário sócio-econômico
dentro do ecossistema.
Manejar
racionalmente as florestas remanescentes além dos limites da
preservação permanente se constitui na única
opção à completa substituição da
floresta por outras formas de uso do solo. Esse manejo deve contemplar
não somente a utilização dos produtos madeireiros,
mas também os não madeiráveis, bem como os demais
benefícios e serviços proporcionados pela floresta, como
o lazer, o ecoturismo, entre outros.
Nos dias de hoje
existe uma área reduzida de florestas de araucária em
boas condições de conservação. Essas
florestas devem ser prioritariamente destinadas à
conservação ambiental, após
definições precisas substanciadas em um zoneamento
ambiental e sócio-econômico. Há pouco espaço
para defender que essas áreas sejam manejadas com fins
eminentemente econômicos. Todavia, conservação
também implica em manejo. De outro lado, existem muitas
florestas que podem e devem ser manejadas para fins produtivos.
É
imperativo que medidas sejam tomadas no sentido de conservar os
últimos remanescentes mais representativos da floresta original,
criando mais Unidades de Conservação e estimulando formas
alternativas de proteção ambiental a serem implementadas
pelos proprietários. Por outro lado, ainda existem extensas
áreas de florestas em diversos graus de alteração
que devem ser recuperadas e manejadas.
É preciso
encontrar formas de estimular os proprietários para que
continuem conservando essas florestas e possam utilizá-las
racionalmente, sobretudo as florestas em estágio médio de
sucessão (florestas sucessoras). Modelos silviculturais precisam
ser aplicados a essas florestas para recuperar seu potencial produtivo
e para resgatar seus valores ecológicos. Somente a força
da lei não será capaz de garantir a sua
perpetuação. O manejo florestal conduzido dentro dos
preceitos aqui defendidos poderá estimular a
utilização racional dos recursos naturais dessas
florestas, à luz do triângulo da sustentabilidade. O
desestímulo ao uso sustentável dos recursos florestais,
pelo contrário, pode frustrar expectativas e incentivar a
clandestinidade.
Em
síntese, ainda existem perspectivas para o manejo da floresta de
araucária. Há, entretanto que se ressaltar, que existem
limites para intervir na floresta, que devem ser respeitados. Planos de
manejo que contemplem esses limites devem ser apoiados pela
política florestal oficial. Leis e outros instrumentos legais
meramente impeditivos não serão suficientes para reverter
o processo de destruição que ainda vige.
Carlos
Roberto Sanquetta é professor da Universidade Federal do
Paraná. Contato: sanqueta@floresta.ufpr.br