O papel da psiquiatria psicanalítica
   
 
Poema
Conflito e cultura
Freud na cultura brasileira
Cronologia

Fim do séc. XIX: efervescência científica 
O que é a psicanálise
Maurício Knobel
Sonho, o despertar de um sonho
Fabio Herrmann
Freud e Jung: a cisão com o príncipe herdeiro
Ulisses Capozoli
Freud e Lacan
Marcia Szajnbok
Freud e Reich: duas matrizes
André Valente de Barros Barreto
A psicanálise no Brasil
Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho
Cartas freudianas
Mariza Corrêa
Psiquiatria psicanalítica
Sílvio Saidemberg
Do começo ao fim
Daniel Delouya 
Psicanálise e arte
Giovanna Bartucci
Coincidência ou Freud explica?
Carlos Vogt
Pré-história do sonho
Yannick Ripa

Homenagem a Hélio Pellegrino
Miriam Chnaiderman

 

A psiquiatria psicanalítica é freqüentemente conhecida por psiquiatria dinâmica. Tanto em teoria quanto em prática, ela define-se como sendo a abordagem que assume ser o comportamento humano o produto de motivações; mesmo, quando não haja consciência de cada motivação. Também, que a personalidade desenvolve-se a partir de interações do organismo portando suas particularidades únicas, em um meio ambiente também particularizado. O meio ambiente influenciando a personalidade e sendo por esta influenciado. Investigam-se e entendem-se os transtornos funcionais, como sendo causados pelas limitações de resistência e de resposta aos estímulos em cada fase do desenvolvimento. Conflitos internos, mensagens contraditórias emitidas ou recebidas e as experiências infantis mais precoces são de grande importância no desenvolvimento de reações e percepções na vida adulta.

Psiquiatras psicodinâmicos não se limitam a um modelo único e sim, tendem a levar em consideração conceitos elaborados por Freud, Adler, Rank, Ferenczy, Horney, Rado, Melanie Klein, Sullivan, Bion, Anna Freud, Margaret Mahler, René Spitz, Erich Fromm e outros. Às vezes, considerações abrangem as elaborações de Reich, Jung e as de vários pensadores existencialistas; Buber, Frankl, Jaspers, Sartre, Rogers, Ginott etc.. Muitos têm-se por ecléticos, isto é, utilizam-se de conceitos de escolas distintas de pensamento, em busca de explicações que são mais adequadas para os fenômenos de seus pacientes; também adaptam práticas de "role playing", originadas no psicodrama de Moreno; ou práticas derivadas das teorias de aprendizagem social de Bandura, da teoria cognitiva de Piaget, ou de Vygotsky e das demais teorias de aprendizado.

A teoria do desenvolvimento psico-sexual de Freud; de Erik Erikson: os marcos de atitudes adquiridas nos estágios de desenvolvimento; em acréscimo, as constatações por John Bowlby sobre o vínculo mãe-criança, acabam sendo considerados como as bases do desenvolvimento afetivo da psiquiatria dinâmica. Outros modelos teóricos têm engrossado a lista de contribuições para as concepções psicodinâmicas, entre elas figuram as teorias de aprendizado, a teoria de campo de Kurt Lewin, a teoria geral dos sistemas (Leopold von Bertalanffy), teoria sistêmica de Salvador Minuchin no estudo de famílias etc.

Em contraste com a elaboração original Freudiana bastante fechada nas ocorrências intrapsíquicas, agora, temos um sistema aberto que leva em consideração fatores biológicos, intrapsíquicos e sociais. Contextos interpessoais têm sido incluídos, a exemplo de terapias de grupo, de casal, de família e orientação dirigida à comunidade. Enfoca-se também o cérebro, o órgão da mente, com toda a sua complexidade de funções necessárias à percepção, à análise de informações e à criatividade.

Desta forma, a psiquiatria tem seu papel alargado para entender fenômenos humanos e para os predizer. Entrevistas face à face, algum direcionamento de sessões, adaptando o número de entrevistas às contingências de cada paciente, o uso menos freqüente do divã; em geral, apresentando muito mais poder de se ajustar a pessoas e situações do que possui a prática do psicanalista tradicional. O terapeuta sendo um observador participante, nas palavras de Harry Stack Sullivan. Na década de quarenta, Franz Alexander e Thomas French insistiram sobre a importância de se distinguir a essência do processo analítico dos rituais da técnica analítica. Defenderam eles flexibilidade, as técnicas de psicoterapia adaptando-se às necessidades psicodinâmicas de cada paciente individual.

A psiquiatria psicodinâmica difere também da psicanálise clássica pelo fato da primeira ponderar sobre o uso legítimo de medicamentos, já a segunda considera que o uso de medicação psiquiátrica tende a alterar os mecanismos psicológicos de defesa, promovendo repressão de conteúdos emocionais e retirando motivação para o progresso psicológico através das sessões de psicanálise. Ainda, na psicanálise tradicional qualquer direcionamento do terapeuta tende a ser visto como inoportuno e invasivo, um desrespeito à individualidade do paciente. A psicanálise tradicional se afasta do modelo médico, que é essencialmente intervencionista. No entanto, Sigmund Freud é um dos pioneiros dentro da medicina a fazer conjecturas a respeito do alcance da psicofarmacologia em um futuro então, ainda remoto. Na primeira metade do século vinte, este assunto permaneceu irrelevante, sendo reavivado com a revolução farmacológica da década de cinqüenta.

Na psiquiatria psicodinâmica, através de medicamentos, o terapeuta busca reduzir a intensidade dos sintomas e corrigir disfunções do sistema nervoso central; o que contribui para que pacientes aproveitem melhor suas sessões de psicoterapia que passam a ficar centradas em sua dificuldade em lidar com a vida, em entender suas motivações. Sintomas excessivos causariam um desvio de atenção do paciente para preocupações com o seu corpo, para o seu mau funcionamento mental e para dificuldades causadas pela conduta inadequada dos outros.

Um outro ponto importante é o do exame mais direto da vida familiar do paciente, os demais membros da família podendo ter um importante papel no sistema de vida mal ajustado do paciente. De regra, esta investigação é absolutamente essencial, quando se atende crianças e adolescentes. A abordagem psicanalítica tradicional evitaria a contaminação de informações e defenderia o atender pacientes apenas individualmente.

Primariamente, o psiquiatra psicodinâmico coloca-se como interessado nas questões várias do campo da saúde mental, tendo um desempenho mais diretivo quanto à vida de seu paciente e quanto às práticas preventivistas que visam educar a comunidade. Para ele, a neuroquímica e a neurofisiologia devem estar presentes na compreensão do comportamento humano e da psicopatologia. Evita-se posições reducionistas, que não reconhecem a contribuição dos vários campos do conhecimento.

No trabalho clínico psicodinâmico, estabelece-se a expectativa do terapeuta que mudanças maiores racionais e construtivas venham a ocorrer, na vida de seu paciente, os resultados práticos da terapia sendo considerados. Por exemplo, um paciente obeso é ajudado a lidar com as frustrações decorrentes da necessária mudança de hábitos; no caso do paciente esquizofrênico, que ele compreenda a importância de se manter medicado e que isto é desejável etc. A psicoterapia atuando como um processo de aprendizado mais do que de caça aos conflitos reprimidos com o objetivo de se conseguir uma cura automática. Naturalmente, continuando-se a olhar para a interpretação dos conflitos reprimidos, como um potente fator que facilita a recuperação da saúde mental; em acréscimo às reflexões não diretivas, que ajudam o paciente a perceber a sincera empatia de seu psicoterapeuta pelos seus sentimentos.

Através da experiência psicoterápica, busca-se o desenvolvimento de novos modelos de comportamento, de pensamento e de reações afetivas. Nem sempre há um entendimento consciente de como esses novos modelos foram adquiridos, não se podendo excluir as sugestões feitas de forma indireta, fenômeno de identificação com o terapeuta, experiências emocionais corretivas na interação do paciente com o terapeuta e até mesmo o condicionamento operante, no caso em que o paciente toma observações e o comportamento não verbal do terapeuta como referências válidas de aprovação e desaprovação.

A natureza e a qualidade da interação do médico com o seu paciente; a personalidade real de ambos, o grau de motivação, confiança, esperança e fé que o paciente traz para a experiência psicoterápica determinam o resultado da mesma. Transferência e contra transferencia são assuntos a serem identificados nessa interação; são referenciais essenciais, para se medir a evolução do relacionamento terapêutico e nisto, há uma maior semelhança com a psicanálise tradicional. Ao término do tratamento, ocorre uma fase pós analítica onde consolidam-se os ganhos obtidos durante a psicoterapia; o paciente aprende a lidar com o luto, em relação à perda da figura atuante do terapeuta, bem como, em relação aos contatos com a pessoa real do terapeuta. Em resumo, a psiquiatria psicodinâmica está em compasso com um espectro amplo de descobertas bio-psico-sociais, que fazem parte da teoria psiquiátrica atual. Pela sua plasticidade, deverá ela continuar a exercer uma forte influência integradora de conhecimentos e de procedimentos dentro da psiquiatria futura.

Prof. Dr. Silvio Saidemberg, Professor da disciplina de psiquiatria FCM - PUC Campinas; Fellow em psiquiatria da infância e da adolescência ( The University of Rochester, NY); tìtulo: American Board of Psychiatry and Neurology

   
           
     
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Atualizado em 10/10/2000
   
     
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