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A
influência de Freud na cultura brasileira
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A forte polêmica que cercou a exposição Freud: Conflito e Cultura em Washington não encontrou ressonância no Brasil. Debates intelectuais estão sendo travados nos simpósios que têm ocorrido desde a inauguração no dia 28 de setembro, no entanto, Freud: Conflito e Cultura encontrou aqui uma grande recepção que se demonstra pelo contraponto apresentado na mostra paralela "Brasil: Psicanálise e Modernismo". Com curadoria do crítico de arte e cineasta Olívio Tavares de Araújo e dos psicanalistas da Associação Brasileira de Psicanálise Leopoldo Nosek e Maria Angela Moretzsohn, a mostra aprofunda e insere a exposição no contexto brasileiro, remetendo-nos às vias de entrada da psicanálise no país. As relações entre a psicanálise nascida com Freud e a proposta estético-ideológica da Semana de 1922 foram estabelecidas a partir da pesquisa das professoras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Gilda de Mello e Souza e Telê Porto Ancona Lopez e um grupo de psicanalistas coordenados por Maria Ângela Moretzsohn. Segundo a psicanalista a pesquisa mapeou e verificou como se deram os elos que unem o modernismo e a psicanálise e evidenciou a precoce influência freudiana na cultura brasileira, que se deu antes mesmo do Manifesto Surrealista de Breton (1924) - no qual a psicanálise se manifesta fortemente na Europa. Mario e Oswald de Andrade foram relidos pela equipe juntamente com algumas obras de Manuel Bandeira, Sérgio Milliet, a produção literária de Flávio de Carvalho e os livros do psiquiatra e crítico de arte Osório Cesar. Foi feito também um extenso levantamento de documentos que recuperou cartas de correspondentes brasileiros de Freud e escritos de renomados e desconhecidos médicos, neurologistas e psiquiatras da época, que fazem parte da pré história da psicanálise no Brasil. A mostra brasileira é composta por mais de 300 obras e documentos variados. Além dos escritores mencionados, diversos artistas estão representados para dar a medida da revolução estética ligada a um procedimento mais intuitivo espontâneo, relacionando-se desta maneira com a psicanálise. Entre os modernistas estão Tarsila do Amaral, Isamel Nery, Cícero Dias e Flávio de Carvalho. Obras posteriores ao modernismo revelam a permanência de temas como a questão do inconsciente. Entre eles podem ser vistos: Leonilson, Farnese de Andrade e Aurora Cursino (ex-interna do Sanatório Juquery). Dentre os escritores modernistas Carlos Drummond de Andrade surge como o mais resistente e irônico à psicanálise. No entanto, sua poesia ilustra noções freudianas como as de catarse. Não é por acaso que a primeira tradução de um texto de Freud no Brasil (As cinco lições de psicanálise), aparece na publicação A Revista, fundada pelo grupo modernista de Drummond em Belo Horizonte. Os dois maiores expoentes da relação entre modernismo e psicanálise são Mario de Andrade e Flávio de Carvalho. Segundo a professora de literatura da USP e membro titular do conselho deliberativo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Telê Ancona Lopez, nota-se uma referência constante da psicanálise nos papéis de Mario. O autor tanto se interessava por psicanálise que tinha em sua biblioteca seis livros de Freud com muitas anotações e ainda a obra de Charles Baudoin (escritor francês que se dedicou à psicanálise) Psicanálise da arte. Estas obras compõe o acervo de Mário de Andrade no IEB. No prefácio de Paulicéia Desvairada (1922), o autor revela como sua obra e seu olhar sobre si mesmo têm esta influência: "Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi". Posteriormente, em 1925, na obra A escrava que não é Isaura, ele nos dá novas dicas: "A reprodução exata do subconsciente, quando muito, daria abstração feita de todas as imperfeições do maquinismo intelectual, uma totalidade do lirismo. Mas lirismo não é poesia." O escritor, artista, engenheiro e arquiteto Flávio de Carvalho também era uma assíduo leitor de Freud. Ele renovou a arte do retrato sob esta influência, iniciando seus retratos psicológicos. A última tela feita pelo artista é um retrato de Wilfred Bion. Oswald de Andrade, muito próximo ideologicamente de Flávio, cita Freud três vezes no Manifesto Antropófago de 1928. Para Olívio Tavares de Araújo certamente a psicanálise atuou sobre os artistas enquanto indivíduos e isso se traduziu em questões de linguagem e novos conteúdos formais. Por outro lado, é um erro, segundo ele, dizer que artes plásticas refletem ou traduzem conceitos de Freud. Com relação a pré-história da psicanálise no Brasil estão contemplados na mostra escritos de Juliano Moreira, Franco da Rocha, Durval Marcondes, Adelheid Koch, Antônio Austragésilo e outros menos conhecidos como Genserico Pinto, Luiz Ribeiro do Valle e Medeiros de Albuquerque. A primeira referência a Freud foi feita pelo médico baiano Juliano Moreira que fala aos seus alunos, já em 1899, sobre a A Interpretação dos Sonhos. Até a década de 1910 as idéias de Freud transitam pelo país sem que haja prática clínica, mesmo porque a compreensão sobre o assunto ainda era pequena. Entre os interessantes documentos da mostra encontra-se o primeiro manifesto psicanalítico, que se dá com a conferência do jornalista Medeiros de Albuquerque. Maria Angela Moretzsonh considerou a mostra brasileira uma grande oportunidade para pesquisa, na qual foi possível descobrir novas dimensões e alargar o conhecimento já existente sobre a psicanálise no Brasil. No contraponto estabelecido por esta mostra, o grande diferencial foi dar maior relevância à cultura e não ao conflito. |
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Atualizado em 10/10/2000 |
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