Raios
cósmicos contribuíram com a física no Brasil
As
pesquisas sobre raios cósmicos no Brasil contribuíram
para o início do desenvolvimento da física no país
e conquistaram destaque internacional. O maior êxito aconteceu
em 1947 com a descoberta da subpartícula méson pi,
pelo físico brasileiro César Lattes, a partir de análises
de raios cósmicos. Logo após a descoberta, Lattes
também descobriu como fazer a produção artificial
dessas subpartículas. O avanço nessa área possibilitou
o surgimento de novas instituições científicas,
como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o
Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Hoje o Brasil tem tradição
no estudo de raios cósmicos e em outras áreas da física
com importantes núcleos de pesquisa nas universidades e centros,
como o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron de Campinas,
o único com esse tipo de equipamento no hemisfério
sul, utilizado para analisar os átomos e as moléculas.
No
começo da história do Brasil, da época do Brasil
Colônia até a começo da República, não
havia muitos exemplos de pesquisas científicas e de estudos
na área da física. Mas houve alguns feitos extraordinários,
como a experiência do padre Bartolomeu de Gusmão que,
em 1709, conseguiu fazer subir uma balão com ar quente. Santos
Dumont, apesar de se dedicar mais à engenharia e à
aerodinâmica, também se preocupava com fórmulas
físicas para fazer voar um objeto mais pesado do que o ar,
o que possibilitou a invenção do avião.
O primeiro
laboratório de física e química do Brasil só
surgiria em 1823, instalado no Museu Nacional por João da
Silveira Caldeira, onde aconteceram as primeiras aulas práticas
de física para médicos e militares do Rio de Janeiro.
Mas foi Joaquim Gomes de Souza o cientista considerado o primeiro
físico do Brasil. Ele nasceu no Maranhão em 1829 e
produziu muitos trabalhos sobre física e matemática
apresentados em instituições científicas da
França e da Inglaterra, onde morreu em 1856. No começo
do século 20, os estudos sobre física eram feitos
por poucos professores das escolas superiores. Em 1925, o físico
Albert Einstein visitou o Brasil, encontrando o professor Roberto
Marinho de Azevedo, que fez as exposições anunciando
a Teoria da Relatividade.
O ano
de 1934 marcou o início de uma nova fase no desenvolvimento
da física no Brasil, com a produção de trabalhos
de dois importantes centros de pesquisa, o Instituto Nacional de
Tecnologia do Rio de Janeiro e o então recém-criado
Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo (USP). No Rio de Janeiro,
o instituto era coordenado por Bernardo Gross, que se dedicou inicialmente
aos estudos teóricos dos raios cósmicos. Em São
Paulo, o orientador era Gleb Wataghin, direcionado às pesquisas
experimentais e teóricas para as áreas de radiação
cósmica e física nuclear.
Os
pioneiros e o méson pi
O Departamento de Física na USP foi criado em 1934 e marcou
o início das pesquisas de física experimental no país.
O departamento foi organizado por dois cientistas estrangeiros,
o ítalo-russo Gleb Wataghin e italiano Giuseppe Occhialini.
Junto com alguns jovens estudantes brasileiros, como Mário
Schemberg e César Lattes, entre outros, foi formada a primeira
equipe de pesquisadores experimentais e teóricos sobre física
nuclear e radiação cósmica.
No
começo, as pesquisas eram feitas no porão do Departamento
de Física, praticando uma física experimental de baixo
custo para o estudo dos raios cósmicos, com métodos
e equipamentos montados pelos próprios cientistas. César
Lattes procurava detectar as partículas elementares previstas
teoricamente. Foram feitas experiências na natureza, em Campos
de Jordão (SP) e em Morro Velho (MG), já utilizando
chapas de chumbo e equipamentos eletrônicos para registrar
os raios vindos do espaço.
A Segunda
Guerra Mundial paralisou as pesquisas experimentais em todo o mundo,
que passaram a ser direcionadas ao desenvolvimento de tecnologia
militar. No Brasil, o impacto maior aconteceu com os cientistas
estrangeiros contratados pela USP, principalmente os italianos,
uma vez que o Brasil estava na guerra contra o fascismo. Occhialini
se afastou da USP e foi para a Universidade de Bristol na Inglaterra.
Em 1946, ele convidou Lattes para trabalhar em Bristol. O desenvolvimento
de novas placas de emulsões nucleares (detectores de partículas
de raios cósmicos), mais densas e sensíveis, possibilitaram
novas descobertas científicas.
Foi
nesse contexto que Lattes chegou ao Laboratório de Bristol
e conseguiu aprimorar as placas de emulsão, solucionando
o problema do desaparecimento das imagens. Ugo Camerini, que trabalhava
com Lattes e Occhialini no porão da USP, também se
juntou ao grupo. Eles concluíram que deveriam diminuir o
tempo de exposição das chapas e que elas deveriam
ser colocadas em altitudes bastante elevadas, onde a atmosfera é
mais rarefeita e os raios cósmicos podem se chocar mais facilmente
contra os núcleos dos átomos das placas de emulsão
nas chapas fotográficas. Uma primeira experiência foi
feita nos Montes Pirineus, perto da fronteira entre França
e Espanha. Algumas das chapas expostas tinham o elemento bórax,
ou tetraborato de sódio, que mantém o poder de detecção
dos impactos por mais tempo na chapa fotográfica. Sem o bórax,
as placas perdem o registro em uma semana. Essa foi a chave para
a descoberta do méson pi.
Em
janeiro de 1947, ao retornar a Bristol com os resultados obtidos,
Occhialini escreveu uma nota para a revista Nature divulgando
o sucesso da nova emulsão. O desafio dos pesquisadores era
comprovar para a classe científica que os mésons estavam
inscritos nas emulsões. A confirmação deveria
ser feita no laboratório de Chacaltaya, a 20 km de La Paz,
nos Andes bolivianos, com os recursos liberados pela Universidade
de Bristol.
Lattes
chegou a La Paz e foi com o físico Ismael Escobar para Chacaltaya.
"Nós fizemos um laboratório lá em cima,
o Laboratório de Física Cósmica, a 5.200 metros
de altitude. Tem pouco ar lá, metade do ar que tem aqui.
Em geral, quem chega lá, a primeira noite tem que tomar chá
de coca, o índio masca a coca para poder agüentar o
esforço. Mas eu não tive "sorochi", que
dá uma dor de cabeça. Eu me dava bem na altura",
diz César Lattes, que na época tinha 22 anos. Hoje
ele está com 77 anos e mora em Campinas.
Um
mês depois, ele retornou ao Brasil e analisou uma placa revelada
com dois completos duplos mésons, um méson leve e
um méson pesado, o méson pi. Através de um
microscópio do Departamento de Física do Rio de Janeiro,
os pesquisadores conseguiram localizar um terceiro duplo méson.
Retornando a Bristol com a chapa, foram encontrados mais 30 duplos
mésons. Mas muitas discussões com outros cientistas
ainda seriam necessárias para comprovar aquelas experiências
e a descoberta de uma subpartícula do átomo. O processo
de descoberta do méson pi está registrado em seis
trabalhos publicados na revista Nature e no jornal inglês
Proceedings of the Physical Society. Atualmente já
foram descobertos dezenas de mésons e o livro das partículas
elementares é extenso.
Outra
importante descoberta de Lattes foi a detecção de
mésons pi artificiais, ou seja, obtidos em laboratório,
ao invés de produzidos naturalmente pelos raios cósmicos.
Logo após a confirmação da descoberta do méson
pi, o cientista se afastou do laboratório de Bristol e se
transferiu para o Radiation Laboratory de Berkeley, onde havia um
ciclotron, um tipo de acelerador de partículas. Em duas semanas
trabalhando no novo laboratório, ele conseguiu detectar os
mésons pi usando o eletroímã do acelerador.
Essas partículas se chocavam com os núcleos de carbono
e os mésons deixavam marcas nas emulsões. Enquanto
a descoberta do méson pi entrava para a história da
física de partículas, a detecção artificial
dos mésons criava a era dos aceleradores de partículas.
Novos
centros de pesquisas
O sucesso das descobertas de pesquisadores brasileiros e a importância
estratégica para o governo fez com que fossem criados novos
institutos de física no Brasil. Após a descoberta
dos mésons artificiais em Berkeley, Lattes retornou ao Brasil
com seus trunfos, no auge do reconhecimento pela comunidade científica
internacional. Sua intenção era criar novas bases
para a pesquisa no país, aproveitando o sucesso mundial para
atrair investimentos
Ele
diz que sentia a necessidade de retribuir o que aprendeu aqui no
Brasil e que não achava justo seguir uma carreira em outro
país, sendo contrário ao processo chamado de "fuga
de cérebros". Além disso, o uso estratégico
da tecnologia nuclear fazia com que cientistas estrangeiros não
fossem aceitos nos principais laboratórios de pesquisa do
mundo.
"Eu
preferi ir para o Rio", conta Lattes, "e fazer o Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas, que era uma sociedade civil
sem fins lucrativos." Lattes destaca a importância de
Getúlio Vargas nessa fase histórica para o desenvolvimento
da ciência no Brasil: "Quando o Getúlio foi eleito,
ele me disse: 'mantenha particular, senão o DASP (Departamento
Administrativo do Serviço Público) vai meter o bedelho
e vocês não vão poder trabalhar'. O Departamento
era a burocracia que Getúlio fez para pôr em ordem
a administração, mas não para cuidar de ciência.
Para cuidar da ciência ele criou o Conselho Nacional de Pesquisas.
Mas mesmo assim ele disse: 'eu vou dar posse, vou dizer a eles para
te darem uma verba, agora mantenha como sociedade civil sem fins
lucrativos, para poder ter liberdade de comprar material, trazer
gente de fora, pagar salários, com livros'".
Em
1949, foi criado no Rio de Janeiro o Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas (CBPF), coordenado por César Lattes e José
Leite Lopes, pesquisador de física que publicou importantes
trabalhos, como por exemplo, sobre a captura de mésons leves
por núcleos atômicos, sobre a teoria do elétron
e sobre os spins dos mésons. Foi a primeira vez que se montou
no Brasil um centro autônomo de pesquisas, com apoio financeiro
da iniciativa privada, com maior investimento da Confederação
Nacional das Indústrias. O CBPF foi importante pela criação
de novos laboratórios, pela modernização dos
currículos e para a formação de novos pesquisadores
e professores.
A criação
do CBPF possibilitou também o surgimento de novas instituições,
como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, da Escola
Latino-Americana de Física e o Centro Latino-Americano de
Física. Outra importante instituição criada
em 1951 foi, como dito antes, o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq),
trazendo novos incentivos e investimentos para o desenvolvimento
das ciência no Brasil.
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também:
O
CBPF e a política nuclear brasileira, ComCiência
(10/06/02)
(GP)
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