Raios
cósmicos podem causar dano à saude
Desde
a década de 90 vem sendo intensamente discutidos os efeitos
dos raios cósmicos sobre a saúde de pessoas que permanecem
em grandes altitudes, como tripulações de aviões,
astronautas e pessoas que vivem em regiões muito altas, como
o Tibet, e sofrem exposição maior e continuada a esse
tipo de radiação.
Apesar
da grande incidência de raios cósmicos sobre a Terra,
a maioria de nós está protegido pela atmosfera e magnetosfera
(campo magnético da Terra). Pela atmosfera porque conforme
os raios cósmicos chocam-se com ela, perdem energia e, portanto,
poder de penetração. Dessa forma, quanto maior a altitude,
maior a exposição a esse tipo de radiação,
pois menor é a camada de atmosfera que a radiação
atravessa. Ao nível do mar, a exposição é
considerada baixa. A magnestosfera, por sua vez, protege-nos pois
desvia parte da radiação cósmica em direção
aos pólos da Terra. Assim, a influência dessa radiação
sobre a saúde da maioria das pessoas não é
uma questão que tenha merecido tratamento mais detido por
parte dos pesquisadores. Já com relação aos
astronautas, que permanecem em regiões onde o campo magnético
da Terra é menos intenso e onde a atmosfera é muito
pouco densa, e também com relação às
tripulações de aviões que voam em grandes altitudes,
existem muitas pesquisas nas áreas de física e medicina,
buscando minimizar os efeitos nocivos dos raios cósmicos
sobre a saúde das pessoas.
Constantemente
somos atingidos por vários tipos de radiação,
tais como ondas de rádio, raios infravermelho e ultravioleta,
microondas ou raios X. Essa radiação pode interagir
com a matéria de várias formas, podendo ser prejudicial,
ou não, à nossa saúde. Isso é o que
explica o físico Renato Casemiro, no trabalho que desenvolveu
do Grupo de Pesquisa em Ensino de Física (Gopef) da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo. "Por
exemplo, a exposição excessiva aos raios ultravioleta
do sol podem causar problemas na pele e nos olhos. A exposição
aos raios X, que penetram nossa pele e são barrados pelos
ossos, também é prejudicial quando em excesso, e inofensiva
em doses baixas", diz Casemiro. Em ambos os casos, existem
recomendações de proteção sobre a exposição
a esses raios. Com relação aos raios cósmicos,
que possuem alto poder de penetração e podem atravessar
a espessura de até 5 cm de chumbo, as recomendações
ainda são recentes e remetem a posições polêmicas.
Um
dos estudos sobre essa questão foi publicado em 1996, pelo
American Journal of Epidemiology, e relatou uma incidência
maior de câncer em pilotos canadenses. De acordo com esse
estudo, os pilotos apresentavam uma porcentagem maior de quatro
tipos de câncer quando comparados com a população
em geral: leucemia mielóide (acúmulo de células
na medula óssea), astrocitoma (tipo de câncer cerebral),
câncer de próstata e melanoma maligno (tipo de câncer
de pele). Outro estudo publicado em 1999, pela revista The Lancet,
realizado pelo Instituto de Câncer de Copenhagen, na Dinamarca,
também afirmou que pilotos de aviões das linhas comerciais
têm mais risco de sofrer de leucemia mielóide e outros
tipos de câncer por causa da exposição aos raios
cósmicos. Além dessas pesquisas feitas no Canadá
e Dinamarca, um grande número de estudos já foi realizado
na Finlândia, Islândia, Estados Unidos, Rússia,
França e Reino Unido, entre outros países.
Muitos
desses estudos fazem parte da união de forças entre
equipes internacionais de pesquisa, Nasa (Administração
Nacional para Aeronáutica e Espaço) e várias
companhias aéreas comerciais, para avaliar como os campos
de radiação variam dentro da atmosfera, dependendo
da latitude, altitude e atividade solar. Além disso, os estudos
sobre esse tema também foram impulsionados pelo desagrado
expresso, no início dos anos 90, pela União Européia,
sobre o pequeno conhecimento disponível sobre campos de radiação
em aeronaves em altas altitudes, o que levou a uma intensa investigação
da questão entre os anos de 1995 e 1998.
Segundo
o pesquisador da seção de astrofísica, do Instituto
de Estudos Avançados de Dublin, na Irlanda, Denis O'Sullivan,
em artigo
publicado em maio de 2000, no periódico britânico
Physics Web, as avaliações através da monitoração
da exposição da tripulação à
radiação vêm se tornando uma rotina nesses últimos
anos. Isso reflete a implementação pela União
Européia das diretrizes discutidas em 1996 pelo Conselho
da União Européia (EURATOM)
sobre medidas básicas de segurança contra a exposição
à radiação cósmica. Esse conselho definiu
a exposição das tripulações aos raios
cósmicos como uma exposição ocupacional, ou
seja, que deve-se à ocupação ou ao trabalho
cotidiano desse grupo. Tais diretrizes têm sido incorporadas
nas leis dos Estados membros da União Européia e por
diversas companhias aéreas e baseiam-se nas recomendações
da Comissão Internacional de Proteção Radiológica
(ICRP, sigla em inglês).
O Comitê
de Ciência e Tecnologia, do parlamento do Reino Unido, por
exemplo, faz uma série de sugestões em seu quinto
relatório sobre a questão das radiações
cósmicas e os perigos potenciais para tripulação
e passageiros baseado na ICRP. Segundo essa comissão, a exposição
anual por pessoa à radiação cósmica,
medida em sieverts, não deve exceder a 6 milisieverts (mSv),
sendo que as mulheres grávidas da tripulação
têm um limite mais baixo, 1 mSv por ano. Tais estimativas
foram feitas a partir de medições dos níveis
de radiação em detectores a bordo dos aviões.
A quantidade de radiação cósmica recebida está
relacionada com a quantidade de horas de vôo, a altitute e
latitude dos vôos, e a atividade solar.
Segundo
o relatório do parlamento do Reino Unido, baseado na ICRP,
um indivíduo comum precisa voar cerca de 200 horas em latitudes
polares, ou 400 horas na latitude equatorial, ou ainda, realizar
40 vôos transatlânticos por ano, para exceder os limites
anuais. De acordo com o relatório, os passageiros de aviões
britânicos não estão excedendo esses limites,
mas aqueles que voam como parte do seu trabalho parecem estar expostos
ocupacionalmente. Eles afirmam que a responsabilidade para limitar
essa exposição deve ser das empresas aéreas.
As
diretrizes determinam ainda algumas intervenções para
casos que excedem os 6 mSv anuais recomendados para cada indivíduo.
Para isso, o ministro de defesa do Reino Unido chamou a atenção
para a necessidade de utilização de um dosímetro
individual, um aparelho para medir incidência de radiação,
para os membros da tripulação. Ainda segundo o relatório,
cálculos mostram que a exposição da maioria
dos tripulantes de vôos comerciais do Reino Unido não
passa de 4 mSv, e a maioria está no nível de 2,2 mSv.
Os únicos membros que têm possibilidade de exceder
o limite de 6 mSv são aqueles que fazem vôos transcontinentais
e, segundo o parlamento, devem evitar isso, fazendo uma agenda mais
adequada de vôos. Outra exceção que pode ultrapassar
os limites recomendados são as ocasiões em que ocorrem
explosões solares (que acontecem
a cada 11 anos). Mesmo afirmando que, em comparação
com outros fatores, a radiação cósmica é
um fator insignificante para elevar os riscos de tripulações
aéreas sofrerem de câncer, o relatório recomenda
que esses trabalhadores sejam constantemente informados sobre tais
questões pelas empresas aéreas que os empregam.
O Centro
de Aprendizagem Cósmica e Heliosférica da Nasa, por
sua vez, aceita
a possibilidade de que esses grupos de pessoas tenham riscos mais
elevados de sofrer de câncer pela maior acumulação
de radiação no organismo. Ao mesmo tempo, afirmam
que o peso de escudos para proteger contra essa radiação
tornaria praticamente impossíveis os vôos e finalizam
afirmando que: "Não há nada que realmente se
possa fazer, a não ser decidir não voar".
Em
janeiro de 1997, a revista The Lancet anunciou que, de acordo
com o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, apesar da
Nasa ter destinado dezenas de milhões de dólares para
pesquisas sobre os efeitos da radiação cósmica
sobre a tripulação espacial da Missão Marte,
seriam necessários entre 10 e 30 bilhões para um escudo
protetor da tripulação dessa missão espacial.
Para conhecer mais os possíveis danos que os raios cósmicos
causam no DNA, mensurar se há elevação dos
riscos de câncer ou maior incidência de catarata em
astronautas devido à radiação, o Centro Espacial
Johnson da Nasa, construiu um modelo anatômico de um torso
humano, chamado de Fred, que ficou quatro meses no espaço
e retornou para a Terra em agosto de 2000.
As
conclusões dos diversos estudos não são unânimes,
e a própria existência dos riscos é questionada
por alguns cientistas. Uma pesquisa realizada pelo Departamento
de Epidemiologia e Estatística Médica, da Universidade
de Bielefeld, na Alemanha, publicada no American Journal of Epidemiology,
em 2002, denuncia a prematuridade da conclusão de o risco
de tripulações de avião de sofrerem de câncer
ser maior do que a população em geral. Em seus argumentos,
o artigo publicado remete-se ainda a outro estudo realizado na Noruega
que também não confirmou tal risco.
Tecnologia
necessária
Independente das polêmicas, muitas pesquisas têm
sido feitas para monitorar a exposição à
radiação na aeronave e dos membros individuais
da tripulação. Um exemplo de pesquisa recente
é o Cosmic
Ray Dosimetry Project, desenvolvido pelo Laboratório
National de Física do Reino Unido (NPL) em conjunto
com a Virgin Atlantic Airways (VAA), o Mullard Space Science
Laboratory (MSLL) da Universidade de Londres e a Civil
Aviation Authority (CAA). Nessa pesquisa, o setor industrial,
o acadêmico e instituições regulatórias
uniram-se para encontrar qual a forma mais adequada de
medição da radiação cósmica
nas aeronaves e tripulação. |
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Quantidade
de horas de vôo no Brasil excedem recomendação
do ICPR mas estão de acordo com pesquisa brasileira
Segundo o almirante Marco Montegro, membro da International Academy
of Aviation and Space Medicine (ICASM), os encontros anuais
da ICASM têm discutido bastante a questão da radiação
cósmica e a saúde de pilotos, e é o que deverá
ocorrer também na 51ª Reunião Anual da ICASM,
que será realizada em outubro 2003, em Madrid. Segundo Montenegro,
apesar da literatura médica e física mundial ter uma
grande quantidade de estudos sobre esse tema, não há,
nesses encontros contribuições brasileiras. "As
pesquisas no Brasil sobre medicina aeroespacial até agora
são raras e há pouca formação nessa
área", afirma ele.
Um
desses raros estudos sobre a questão no Brasil é o
coordenado pelo médico da Fundação Ruben Berta
(FRB), Paulo Magalhães, e pelo físico Peter Beck,
do Austrian Research Centers (ARC). A pesquisa, ainda em andamento,
está sendo realizada numa parceria entre a Varig, através
da Fundação Ruben Berta, e a ARC, e tem como objetivo
monitorar vôos de longa duração para saber o
quanto a radiação cósmica afeta os pilotos
e a tripulação aérea no Brasil. Segundo a médica
da aviação da FRB, Vânia Melhado, a medição
vem sendo feita através de um aparelho chamado ACREM, (air
crew radiation exposure monitor), e os resultados iniciais são
bastante favoráveis. "Até agora o resultado inicial
é de que o Brasil está protegido, porque é
um lugar que sofre menos esse tipo de radiação por
causa de sua baixa latitude, próxima a linha do Equador.
É um resultado favorável, porque aqui até se
poderia voar mais horas, se isso não fosse prejudicial por
outros motivos, sem o prejuízos causados pela radiação",
diz Melhado.
De
acordo com a legislação trabalhista brasileira, o
limite máximo de horas de vôo para pilotos e tripulação
de jatos (que voam em altitudes maiores) é de 850 horas,
o que entra em contradição com o que recomenda o relatório
do parlamento do Reino Unido, baseado na ICRP (Comissão Internacional
de Proteção Radiológica), que afirma um máximo
de 400 horas de vôo em latitude equatorial.
Apesar
desses passos em direção a um estudo sobre o contexto
brasileiro, a questão dos raios cósmicos ainda está
distante não apenas das pesquisas brasileiras em medicina
aeroespacial, como também do cotidiano de trabalho dos pilotos.
De acordo com Carlos Camacho, diretor da sede de São Paulo
do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), o limite máximo
de horas de vôo para pilotos e tripulação de
aviões comuns é ainda maior do que 850 horas de vôo.
Segundo o diretor, o estabelecimento desses limites não incorpora
a questão da radiação cósmica sobre
a saúde dos trabalhadores. O Sindicato Nacional dos Aeronautas
tem participado de todos os fóruns, nacionais e internacionais,
sobre o assunto, mas atualmente ainda não há encaminhamentos
para que essa questão seja considerada pela legislação
trabalhista.
(MK)
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