O
que mudou na Física depois da radiação cósmica
de fundo?
A possibilidade
de observar e medir fenômenos consiste, muitas vezes, em uma
verdadeira prova de fogo para as teorias científicas. As
respostas dos cosmólogos às questões "De
onde viemos?" e "Para onde vamos?" foram consideradas
durante muito tempo como meras especulações. Somente
após 1965, quando a radiação cósmica
de fundo foi observada e medida por Arno Penzias e Robert Wilson,
é que a teoria do Big Bang ganhou força na comunidade
científica. Até hoje, essa teoria orienta grande parte
dos estudos no campo da Física e seu impacto foi tão
intenso que, para alguns, de hipótese passou a fato. Pesquisadores
ressaltam que é importante compreender o Big Bang como uma
construção teórica humana e não como
a realidade. Curiosamente, estudos sobre a história das previsões
da radiação cósmica de fundo apontam que resultados
anteriores a Penzias e Wilson, realizados por pesquisadores que
defendiam outros modelos de surgimento do universo, foram desconsiderados.
Radiação
cósmica de fundo: a evidência mais persuasiva a favor
do Big Bang
A
radiação cósmica de fundo
é uma radiação eletromagnética, com
pequeno comprimento de onda e invisível ao olho humano. É
comum encontramos a expressão "registro fóssil
do Big Bang" para essa radiação. Para
o professor Roberto de Andrade Martins, do Departamento de Raios
Cósmicos do Instituto de Física da Unicamp, essa é
uma boa definição para a radiação cósmica
de fundo e justifica: "o fóssil do peixe não
é mais o peixe, virou algo diferente, não tem mais
carne, osso, escama. A radiação também não
é mais como era antigamente, ela seria um vestígio
residual da era primitiva". A expressão "registro
fóssil" também dá uma idéia de
antigo, de algo que permite conhecer o passado, e é esta
a compreensão que grande parte dos físicos faz da
radiação de fundo que também ficou conhecida
como radiação remanescente da Explosão Primordial,
ou ainda, pela expressão técnica mais utilizada: radiação
cósmica de fundo em microondas.
A história
mais conhecida da radiação de fundo atribui a Penzias
e Wilson, dos Laboratórios Bell, em New Jersey, EUA, sua
detecção, por acidente, em 1964. Essa detecção,
inclusive, rendeu aos pesquisadores o prêmio Nobel de Física
em 1978. É interessante saber que antes que Penzias e Wilson
medissem a radiação cósmica de fundo a teoria
do Big Bang já estava pronta. Pesquisadores da Universidade
de Princeton, liderados por Robert Dicke, perceberam que os resultados
proporcionavam uma pista crucial para a teoria sobre a origem do
universo. Os dois grupos de pesquisadores publicaram simultaneamente
suas descobertas e possíveis implicações.
Mais
tarde, os pesquisadores verificaram que essa radiação
tinha uma intensidade uniforme em todas as direções.
Até então, sabia-se que qualquer outra radiação
produzida perto do Sol, em nossa galáxia ou mesmo nas galáxias
vizinhas, seria irregularmente distribuída. A distribuição
uniforme da radiação cósmica de fundo foi considerada
como uma importante evidência de que a matéria estaria
distribuída de maneira homogênea no momento da criação
do universo, e que sua emissão teria origem nessas mais longínquas
fronteiras. Nessa perspectiva, o universo primitivo seria muito
quente e denso e durante alguns segundos, até cerca de três
minutos após o Big Bang, teriam ocorrido reações
nucleares e a conseqüente formação dos primeiros
núcleos atômicos. Desde então, o universo estaria
se expandindo e esfriando, da mesma maneira que o ar quente se expande
e esfria. Hoje, todo o universo ainda é banhado por essa
"radiação fóssil" do Big Bang,
na forma de microondas, que aparecem de todas as direções.
Para
Carlos Alexandre Wuensche de Souza, chefe da Divisão de Astrofísica
(DAS) que faz parte da Coordenação Geral de Ciências
Espaciais e Atmosféricas (CEA) do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), dois desdobramentos da radiação
cósmica de fundo merecem destaque. O primeiro é que
informações sobre essas regiões mais distantes
do universo desconhecido tornaram-se acessíveis aos cientistas
e com isso, abriu-se um amplo campo de pesquisas. Hoje, os cientistas
têm monitorado a radiação cósmica de
fundo procurando pequenas oscilações da temperatura
que podem indicar pequenas irregularidades na distribuição
de matéria. Desta maneira, lançando o olhar para este
passado longínquo do universo, procuram compreender como,
por exemplo, esse universo, que inicialmente seria homogêneo,
teria se diferenciado em estrelas, planetas e galáxias.
O segundo
desdobramento da radiação cósmica de fundo
é tecnológico. Um grande investimento em pesquisas
e desenvolvimento para medição dessa radiação
resultou em grandes avanços na tecnologia de receptores,
por exemplo, que podem no futuro ser largamente utilizados em equipamentos
de telecomunicações e estar acessíveis ao público
em geral. Para Wuensche, é "impagável" o
preço da autonomia que os pesquisadores alcançam quando
se investe na construção dos instrumentos e na capacitação
tecnológica, e destaca o fato do Inpe ter investido amplamente
nestes campos.
Estudos
anteriores a Penzias e Wilson são desconsiderados na história
Os
estudos históricos sobre a previsão da radiação
cósmica de fundo realizados por André Koch Torres
Assis, professor do Departamento de Raios Cósmicos da Unicamp,
e Marcos César Danhoni Neves, professor do Departamento de
Física da Universidade Estadual de Maringá, apontam
que vários pesquisadores, antes de Penzias e Wilson, fizeram
previsões da temperatura da radiação cósmica
de fundo, obtendo, inclusive, resultados melhores, como podemos
ver na tabela abaixo:
Ano |
Pesquisador(es) |
Temperatura
da Radiação Cósmica de Fundo |
1886 |
Guillaume |
5
K |
1926 |
Eddington |
3,2
K |
1933 |
Regener |
2,8
K |
1937 |
Nernst |
2,8
K |
1949
|
Gamow |
5
K |
1953
|
Gamow |
7
K |
1954
|
Finlay-Freundlich |
1,9
K = T = 6,0 K |
1961
|
Gamow |
50
K |
1965
|
Penzias
e Wilson |
1,0
K = T = 3,5 K |
Conhecer
essa parte da história, que ficou à sombra durante
tanto tempo, na opinião do professor Assis, "permite
questionar se realmente a radiação cósmica
de fundo teria confirmado a teoria do Big-Bang, já que foram
encontradas medidas melhores por pesquisadores que não consideravam
o Big-Bang, Nernst, por exemplo, desenvolvia uma teoria do Universo
Estacionário sem Expansão".
Big
Bang: fato ou construção teórica
humana?
"De
um modo geral quando uma teoria começa a dar certo os cientistas
tendem a ficar cegos e a achar que a teoria é a realidade".
Esta é a avaliação que Martins faz do impacto
que a teoria do Big Bang teve sobre grande parte dos físicos
e lembra uma expressão comumente utilizada: "O Big
Bang é um fato!". Para Martins, marcar que o "Big
Bang não é um fato, mas uma construção
teórica humana" tem implicações interessantes,
porque abre possibilidades do conhecimento científico produzido
sobre o universo mudar com o tempo. Daqui a 500 anos, exemplifica
Martins, poderemos não acreditar mais no Big Bang.
Esse
poder de se constituir como a verdade do momento também aparece
quando se diz que o Big Bang "derrubou modelos alternativos"
que foram criados nas décadas de 40 e 50 por cientistas como
Fred Hoyle, Hermann Bondi e Thomas Gold, que defendiam a teoria
do Estado Estacionário, por exemplo. Porém, Wuensche
lembra que, apesar de grande parte dos pesquisadores aceitarem o
Big Bang, ainda hoje existem adeptos dessas teorias alternativas.
A teoria do universo estacionário prevê um aspecto
semelhante para o universo em todos os tempos. A matéria,
segundo este modelo, estaria sendo continuamente criada na proporção
exata e precisa para manter a mesma densidade média de matéria
em qualquer lugar do universo.
Wuensche
faz questão de assinalar que "o Big Bang é
um 'modelo cosmológico padrão', que resolve uma série
de questões, mas levanta várias outras e, filosoficamente,
não é satisfatório em vários pontos".
A questão "Como algo é criado do nada?",
ou a idéia que um certo conjunto de equações
matemáticas coincidem com o comportamento aproximado do universo,
por exemplo, ainda incomoda muitos pesquisadores. Para Wuensche,
é preciso levar em consideração que os modelos
são produzidos por pesquisadores que têm influências
culturais diversas.
No
mundo da Física, parece que grandes transformações
aconteceram com a possibilidade de se estudar a radiação
cósmica de fundo, mas fica uma questão: o quanto dessa
mudança atingiu o público não especializado?
Durante um programa de variedades tipo "escola x escola"
o apresentador pergunta ao garoto: "Como surgiu o universo?".
Ele imediatamente responde: "do Big Bang!", e senta
após ter conquistado pontos para sua equipe. Ao circular
por outros espaços como a mídia televisiva, por exemplo,
o Big Bang tornou-se uma resposta imediata (e sem detalhes)
para essa questão que durante tanto tempo envolveu (e envolve)
cientistas e filósofos.
Mais
Informações:
Sites:
http://www.das.inpe.br/
Conheça a Divisão de Astrofísica (DAS) que
faz parte da Coordenação Geral de Ciências Espaciais
e Atmosféricas (CEA) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE)
http://public.lanl.gov/alp/plasma/downloads/Assis.Neves.pdf
http://redshift.vif.com/JournalFiles/Pre2001/V02NO3PDF/V02N3ASS.PDF
Leia
artigos com visão alternativa sobre a radiação
cósmica de fundo dos pesquisadores André K. T. Assis
e Marcos C. D. Neves.
Livros:
O Universo Vermelho, Halton Arp, 2001.
Os Três Primeiros Minutos de Steven Weinberg, 1980.
O Big Bang de Joseph Silk, 1989.
(SD)
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