Entrevista
O Prof. Dr.
Sérgio Bonecker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), é coordenador da parte de oceanografia biológica
do Revizee Central (também chamado score central).
Nesta entrevista ele fala de como se estruturou o projeto, sua logística
e quais os principais resultados.
Revista
ComCiência - Qual a relevância do Projeto REVIZEE
? Bonecker - Como o Brasil é signatário do protocolo
da ONU sobre os direitos do mar, ele tem o compromisso de fazer
um levantamento dos recursos da sua zona econômica exclusiva. E,
no final do programa, a gente espera que o Brasil tenha condições
de dizer qual o potencial de recursos vivos sustentável que existe
nas 200milhas, qual a capacidade de a frota nacional explorar esses
recursos e o quanto a frota internacional pode vir a explorar esses
recursos. Então para nós é um momento bastante delicado, porque
vamos ter que estimar a quantidade que pode ser pescada, de forma
sustentável, e ao mesmo tempo, avaliar o quanto será preciso
abrir para a frota internacional.
RC
- Esta abertura seria dentro das 200 milhas?
Bonecker - Dentro das 200 milhas inclusive, na faixa de 12
a 200 milhas. Fora das 200 milhas é mar internacional. É importantíssimo
para a gente, porque pela primeira vez nós poderemos ter uma visão
integrada tanto no nível da pesca como ambiental. Não adianta nada,
por exemplo, você estimar a produção de bonito, sem saber como o
bonito participa do ecossistema marinho como um todo, ou seja, onde
ele desova ou onde cresce.
RC - Este
inventário de biodiversidade pode ser considerado um trabalho
mais acadêmico?
Bonecker
- O nosso objetivo é a avaliação da biomassa pesqueira, tanto
de peixes quanto de outros organismos, como crustáceos. Então trata-se
da pesca no sentido de recurso disponível. Porém esse recurso não
está inserido num ambiente que tem variações de salinidade, temperatura,
nutrientes... toda uma variação que o suporta e influi na sua abundância.
Então num primeiro momento o nosso objetivo é prático: identificar
os recursos pesqueiros e a relação com a biomassa ambiental disponível.
Por exemplo, no caso de peixes que se alimentam de plânton
(planctófagos) é preciso medir a quantidade desse
alimento no mar e dizer se ela é compatível com o mapeamento que
a equipe que pesquisa peixes está fazendo para aquela espécie. Assim
pode-se ver se essas populações buscam o recurso para consumir.
A partir daí, pode-se dizer se há condição de desova para
aquela espécie, se há condição para as larvas crescerem, se há predadores,
etc. E é claro que os dados se prestam também para estudos acadêmicos.
Esta é uma oportunidade única porque no Brasil nós temos dificuldade
de conseguir embarcações para a pesquisa. Antes, contávamos
com os navios da marinha; hoje nem isso temos mais. Nós acabamos
deixando de fazer trabalho de oceanografia por falta de embarcações.
No Projeto Revizee, há um compromisso nacional de criar condições
para estudarmos as 200 milhas.
RC -Qual
o prazo de entrega do relatório final do Revizee?
Bonecker
- Na verdade os resultados do Revizee já estão sendo gerados
desde a primeira campanha. Essas informações estão sendo sistematizadas
e vão ficar disponíveis em breve. Mas o mais importante é que o
Brasil tomou uma decisão política e iniciou o programa. A nossa
expectativa é que o Projeto não tenha fim neste momento. Mesmo por
que nós não conseguimos fazer tudo que havíamos planejado para dois
anos. Na área ambiental por exemplo, eram para ter sido feitas quatro
viagens de coleta de plâncton.
Nós fizemos uma pré-operacional, uma completa e vamos fazer
a segunda. Então teremos que fazer mais duas. Mas o custo operacional
é muito grande, o Brasil não tem recursos disponíveis para poder
parar todo o desenvolvimento e se concentrar nisso.
RC
- E para a prestação de contas junto à ONU?
Bonecker - Esta prestação de contas já está sendo feita.
Mas nós vamos ter que formalizar a definição dos números finais,
o que é um problema delicado, porque é uma informação política
muito importante. Essa decisão quem vai ter que tomar é o governo
brasileiro. Se a divulgação vai ser em dezembro de
2000 ou janeiro de 2002. Mas nós estamos trabalhando para, em novembro
próximo, fazer um relatório. A nossa meta para o ano que vem, por
exemplo, é concluir mais uma coleta de verão.
RC - O
REVIZEE conta com o apoio governamental em termos de estrutura?
E quanto às embarcações?
Bonecker - O Projeto é uma parceria de vários ministérios,
o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Marinha,
O Ministério das Relações Exteriores, o Ministério
da Ciência e Tecnologia, o Minsitério da Educação
e Cultura. Há uma parceria envolvendo também várias secretarias,
como a de Planejamento, de Assuntos Estratégicos, que é a estrutura
maior do projeto. O Revizee é executado pelas universidades, que
é onde está a informação, o planejamento e a logística. O dinheiro
é oriundo do comitê executivo, coordenado pelo Ministério
do Meio Ambiente, e por parcerias, dependendo da necessidade local.
No nosso caso, a parceria mais importante é com a Petrobrás, que
cede o navio e o diesel. Está havendo um esforço da presidência
da Petrobrás, de ceder uma embarcação, cujo custo de manuseio está
em torno de 4 a 6 mil reais por dia, contando tripulação, combustível,
equipamento, e a universidade disponibiliza seus professores, funcionários
e alunos e alguns equipamentos para participarem das campanhas.
RC - O
prazo para entrega do relatório final, no fim do ano que vem, é
inadiável?
Bonecker - Até o fim do ano que vem teremos que dar
pelo menos uma informação preliminar consistente. Na área ambiental,
por exemplo, no nosso score central, a área da pesca está
bem adiantada. Nós já fizemos uma coleta completa pelágica, uma
campanha completa de fundo, uma campanha preliminar de fundo e pelágica,
e estamos planejando a segunda pelágica para o início do ano que
vem. E uma segunda de fundo no segundo semestre do ano 2000.
RC - As
coletas feitas pelo REVIZEE aumentaram muito o conhecimento da biota
marinha ?
Bonecker - No caso da UFRJ, a última amostra que nós
tínhamos de Ilha da Trindade e Vitória foi coletada em 1984. De
lá para cá nenhuma amostra foi coletada, nada de maneira sistemática.
Temos amostras esporádicas de um navio estrangeiro como o Victor
Henz alemão, que veio para cá fazer um trabalho conjunto conosco.
Há umas amostras de navios franceses que trabalharam com o pessoal
da Universidade Santa Úrsula. Mas o último projeto brasileiro,
com planejamento nosso, foi em 1984, com a viagem ao Espírito Santo
do navio "Alm. Saldanha". E em 1996 nós voltamos a ter
uma amostra de 150 milhas da costa.
RC - E
com o aumento da distância da costa a profundidade aumenta
muito?
Bonecker
-
Com o "Alm. Saldanha", por exemplo, nós tínhamos amostras
de até 100m de profundidade. Dentro do Projeto Revizee nós já conseguimos
amostras de até 450m de profundidade.
RC - Com
isso descobriu-se muitas espécies novas?
Bonecker - Não, nada muito novo. Quero dizer, na verdade tem,
a probabilidade de a gente encontrar espécies novas é grande. Mas
não que isso tenha um valor significativo para o Revizee. O valor
do Projeto está no fato de que espécies que sabemos existentes,
porém das quais não se conhece a biologia, passarão
a ser melhor estudadas. Este esquema de coleta sistemático pode
ajudar a gente a conhecer mais da biologia de cada espécie.
RC - Então o Revizee não é como uma grande
lista de espécies?
Bonecker - O Revizee é mais do que isso. Aliás, está mais interessado
na informação da biomassa disponível da espécie do que em catalogar
as espécies. Por exemplo, se há um caranguejo que
ocorre a 200m de profundidade, o Projeto quer saber quantos deles
existem por metro quadrado. Como muito ainda é novidade, eu não
sei se a gente vai chegar a este nível de detalhamento. Com relação
à análise da água poderemos dizer qual é a massa de clorofila,
de fitoplâncton, de zooplâncton existentes. Sobre o fundo do mar,
é bem improvável que com uma ou duas coletas a gente vá conseguir
esgotar a informação da fauna, mas um importante passo a gente vai
dar. Porque não vai ser uma amostragem ao acaso, a gente vai estar
jogando uma draga, sabendo como é o relevo do fundo do mar.
RC - E
como está o estado de taxonomia de todo este material? Como é
o trabalho de laboratório?
Bonecker - Nossa estratégia foi a de encontrar os laboratórios
com competência para poder entrar num projeto deste tipo. No caso
do plâncton foi simples, porque havia poucas instituições (no RJ,
ES e BA) com competência, pessoal e equipamentos instalados para
a tarefa. E aquelas que tinham competência, já estavam envolvidas
com outro score. Então, na coordenação de pelágicos, toda
a parte de plâncton ficou concentrada na UFRJ. Na parte de bentônicos,
a diversidade de especialistas era maior. Em crustáceos também
havia vários especialistas. Então, a nossa escolha foi de especialistas
que fossem reconhecidos nacionalmente, que tivessem laboratório
instalado e que pudessem dar uma garantia de apresentar os resultados
em tempo hábil. E os critérios vão de acordo com as possibilidades.
Se o material é recurso econômico, de maneira geral,
os especialistas têm comprometimento maior de identificar
a espécie. Senão, basta atribuir o nome da família.
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