Entrevista
Marcelo
Medeiros é biólogo e defendeu recentemente uma dissertação
de mestrado sobre octocorais na costa brasileira. Trabalhou em duas
viagens de coleta no Projeto Revizee. Seu depoimento mostra como
é o dia-a-dia de quem trabalha recolhendo e estudando espécimes
marinhas.
Revista
Com Ciência - Na época em que você esteve embarcado,
como era o trabalho nas coletas do Projeto Revizee?
Marcelo - Nós triávamos lama ou o que viesse
na draga. Às vezes é lama do fundo do mar, e às vezes é o
que a gente chama de alga calcária. São concreções de alga
calcária semelhantes a pedras. Você tem que ir quebrando aquilo
na marreta. A alga calcária vai abrindo e desmanchando. Depois
você pega o cascalho que sobra e coloca num sistema de peneiras
de várias aberturas e o material que passa você guarda, pois ali
existem muitos bichos pequenos. Então nestes módulos de alga calcária
vêm bichos incrustados e bichos perfurantes. Você tem que abrir
para tirar o que tem dentro.
RC - Quantos
dias dura uma viagem de coleta?
Marcelo - Algumas duram de dez a quinze dias, outras duram
mais, até trinta. E tem umas mais compridas, com mais de um mês.
A primeira
em que eu participei, em 1996, durou cerca de quinze dias. Na última
fiquei quase dois meses, foram cinqüenta dias no mar.
RC - Dormindo
com o barulho do motor do navio?
Marcelo - Não, há cabines, o navio tem uma boa estrutura.
A gente usou no Revizee Benthos, em 1996, um navio da Marinha chamado
Anthares. E agora a gente usou um navio chamado Astro Garoupa, de
uma empresa chamada Astro Marítima, que é utilizado pela Petrobrás.
A gente vai neste navio, que é um navio civil. É um navio que foi
adaptado para a função oceanográfica, funciona bem para as coletas
que ele faz, apesar das limitações. Tem um sistema de guinchos e
dois laboratórios para fazer, por exemplo, análises químicas da
água. Pode-se fixar amostras lá direto.
RC
- E vai uma equipe de biólogos que vai se revezando na triagem?
Marcelo - A equipe vai se revezando em tudo. No Revizee Benthos
tem muita triagem. No Revizee Plâncton não tem triagem. Tem fixação
do material. Geralmente no plâncton vai junto o pessoal de química
da água. Tem uma parte que dá muito trabalho depois da coleta que
é trabalhar as amostras químicas, fixar amostras para ver oxigênio
dissolvido, nutrientes, tem uma parte que tem que titular na hora.
E tem uma parte que você trabalha com aparelhos que já medem direto
esses parâmetros.
RC - Como
são os turnos de trabalho? O sono é tranqüilo?
Marcelo - O sono não é tranqüilo. Depende do percurso que
o barco vai fazer. Às vezes temos pontos de coleta que são separados
por poucos quilômetros. Então nós nem terminamos de processar
as amostras de um ponto quando o navio já chegou no próximo ponto
de coleta e já começa a pegar material do mar. A gente nem pode
descansar; já começa tudo de novo. E há casos de sequências
longas de pontos (estações) de coleta muito próximos em que a gente
passa muito tempo dormindo mal. Dias inteiros ou dois dias seguidos
onde as equipes se revezam para dormir duas horas, acordam, trabalham
mais, depois dormem duas horas de novo. E dorme-se muito em qualquer
canto no laboratório, mesmo no banco. No meu caso eu fui numa equipe
fixa do Revizee. Mas as equipes vão mudando ao longo do tempo, às
vezes uma equipe sai e entra outra e eu fui ficando. Eu fazia parte
de uma equipe fixa que era parte estrutural do projeto e fazia coleta
de água, ajudava a puxar a rede, a gente ficava fora deste esquema
de revezamento. Era trabalho o tempo todo. Muito raramente alguém
tirava uma folga. Só quando estivesse muito cansado, aí ficava
uma estação só dormindo. Mas era raro. Inclusive a qualquer hora
do dia ou da noite. Se o barco chegou na estação às três da manhã,
com chuva e temporal não importa. Se houver condições de segurança,
a equipe faz aquela estação. Pega água, volta, vai até a cantina
do navio, toma um café quente e espera que daqui a uma hora tem
outra estação. E assim segue.
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