O Caso
dos Corais
O Prof. Dr.
Clovis Barreira e Castro conversou com a Revista ComCiência sobre
seus estudos com corais dentro do Projeto Revizee e a problemática
envolvida com a conservação de biodiversidade dos ambientes de recifes
de coral. A respeito da conservação de biodiversidade, seja ela
terrestre ou aquática, é preciso ter em mente que cada espécie tem
seus próprios requisitos e especificidades. Uma área de mata definida
como reserva para uma espécie de primata pode não ser eficiente
para conservar felinos. Freqüentemente ambientalistas e ecólogos
debatem quais são as melhores políticas para se desenhar áreas de
conservação adequadas para cada espécie-alvo.
Porém o grande
problema é que, com o ritmo atual de crescimento das populações
humanas e de atividades econômicas predatórias, biomas
inteiros estão desaparecendo. Os profissionais de conservação da
atualidade têm se perguntado qual é a melhor maneira de desenhar
áreas que conservem trechos representativos do bioma ou ecossistema
em questão. É aí que começa a confusão. Biomas são formados por
inúmeras espécies vivas. Quais delas escolher como indicadores de
saúde da área estudada? Vegetais? Mamíferos? Insetos? Ou antes:
quais espécies devemos incluir como típicas de um dado ecossistema?
Existem critérios para isso? Infelizmente as respostas para estas
perguntas não são simples e depende do caso.
No Brasil
um ecossistema muito frágil, porém rico em biodiversidade e ainda
pouco conhecido, é o dos recifes de coral. Corais são organismos
agregadores, pois quando crescem formando suas colônias,
acabam servindo de abrigo para vários outros organismos diferentes.
Uma área de tamanho razoável de recifes de coral pode conter centenas
ou milhares de outras espécies marinhas que ali buscam comida, abrigo
para si ou para seus ovos e filhotes e também proteção contra as
correntes marítimas e contra predadores. Estes organismos que vivem
nos recifes de coral por sua vez, alimentam organismos maiores,
como peixes.
A
costa brasileira, vista na sua totalidade, possui diversas formações
rochosas - de norte a sul - ricas em corais que merecem atenção
de estudo. O Arquipélago de Abrolhos talvez seja o mais famoso deles.
Existem outros também muito importantes, como o Parcel do Manoel
Luís e o Atol das Rocas, na região norte do país. Porém,
o Brasil ainda não instituiu áreas de conservação em formações importantes,
gerando lacunas no sistema. Nas palavras do professor Clovis, "o
Brasil tem já várias unidades de conservação, mas existem de fato
algumas lacunas de distância. As principais áreas onde não existem
unidades que protejam esses antozoários
recifais seriam entre o Parcel do Manoel Luis e o Atol das Rocas,
que são mais de mil kilômetros de distância. Isso fica na região
norte do litoral: Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. A outra
lacuna que eu acho até mais importante, porque é uma área mais rica
(em corais), é entre Alagoas e Porto Seguro. Tem ali uns 700 ou
800 km de costa sem unidades de conservação marinha que protejam
ambientes recifais, que são reconhecidos como de alta diversidade".
A importância
de conservar estas formações rochosas e coralíneas da destruição
pela atividade econômica tem a ver tanto com a forma como os corais
se reproduzem quanto com as espécies que ocorrem em cada um destes
locais. Os recifes e colônias de corais que tipicamente vemos agarrados
às pedras no fundo do mar são são corais adultos, já maduros. Porém,
para se reproduzirem, estes corais lançam seus óvulos e espermatozóides
na água, em grandes quantidades. A fecundação ocorre na água. Alguns
corais podem lançar na água já os ovos fecundados. Desta sopa de
óvulos, esperma e ovos resultam as larvas, que podem ficar boiando
como formas planctônicas
durante um bom tempo, dependendo da espécie de coral. Quando surgem
condições adequadas, estas larvas se fixam à rocha e formam uma
colônia adulta.
A moral da
história é a seguinte: através desta forma de reprodução, os corais
conseguem cruzar uns com os outros, mesmo se suas formas adultas
estiverem a centenas de kilômetros de distância entre si. Ou ainda,
filhotes vão se fixar e crescer muito longe dos pais, pois ficaram
boiando muito tempo ao sabor das correntes, antes de se fixarem
nas rochas. Nos planos de conservação marítimos os parques são fundados
com base nas ocorrências de formas adultas de corais. Mas isso não
é o bastante. É preciso manter uma certa proximidade entre as regiões
de recifes de corais, para que eles cruzem entre si e assim renovem
os estoques de formas adultas. " Na Austrália, que é onde há o maior
número de estudos de recifes de coral, chegou-se à conclusão de
que a maior parte das larvas geradas nos recifes tende a se dispersar.
Por isso a necessidade de se criar um sistema de áreas de conservação
e não somente parque isolados. Daí o problema das lacunas gigantescas
de áreas de conservação prejudicarem a conservação dos ambientes
como um todo", explica Clovis.
O
segundo motivo é relativo às espécies
que ocorrem em cada um destes locais. Freqüentemente na natureza
as espécies animais ocorrem em áreas restritas. Isso se deve ao
fato de que os requerimentos ambientais de cada espécie são muito
estreitos. Poucas espécies animais conseguem se adaptar a condições
ambientais muito variadas. No mar isso é ainda mais acentuado, pois
as condições, principalmente de salinidade e temperatura, são determinantes
fortes da ocorrência ou não de espécies animais. Isso equivale a
dizer que o Parcel do Manoel Luís abriga espécies que só existem
lá e em poucos outros lugares. Este fenômeno é conhecido como endemismo.
Uma localidade com alto grau de endemismo signfica que possui muitas
espécies que só ocorrem ali. Por isso é prioridade de conservação.
Tudo isso
diz respeito às áreas que ainda não são de conservação. Porém, não
basta decretar que uma área é um parque nacional. É preciso fiscalizar
as áreas de parques contra o turismo predatório e a exploração econômica
clandestina. "A região de Abrolhos está inteiramente protegida por
duas unidades de conservação. O Parque Nacional de Abrolhos, em
que existe uma sede e alguma fiscalização pelo menos em uma das
duas áreas (que são descontínuas). E há a Área de Proteção
Ambiental (APA) da Ponta da Baleia, que é estadual. Mas essa não
foi implementada até hoje. Se essas duas áreas de proteção funcionassem
bem, todo o sistema do complexo recifal de Abrolhos estaria protegido.
De uma forma mais restritiva no Parque Nacional e de uma forma menos
restritiva na APA, mas estaria protegido. Na questão de Abrolhos
acho que falta então implementar as unidades de forma mais adequada
do que hoje. Uma delas, que é o Parque, tem problemas sérios de
fiscalização e a outra só existe no papel", conclui Clovis.
Saiba mais sobre o trabalho
de coleta e acondicionamento de organismos vivos...
Veja também a entrevista
com o professor Sérgio Luiz Costa Bonecker, coordenador da parte
de oceanografia biológica do Revizee.
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