Características
da Comunidade Terapêutica
Laura
Fracasso
Movimento
das Comunidades Terapêuticas
Em 1860 foi fundada uma organização religiosa
chamada Oxford. Esta organização era uma crítica
à Igreja da Inglaterra e seu objetivo era o renascimento
espiritual da humanidade. Originalmente chamada Associação
Cristã do I Século, acabou mudando de nome em 1900
para Moral Rearmement. Este grupo, conhecido como Grupo de
Oxford, buscava um estilo de vida mais fiel aos ideais cristãos:
se encontravam várias vezes por semana para ler e comentar
a Bíblia e se comprometiam reciprocamente a serem honestos.
Entre
10 e 15 anos depois, constataram que 25% dos seus participantes
eram alcoolistas em recuperação.
Nos
Estados Unidos, participantes desse grupo se reuniam para partilhar
o empenho e o esforço que faziam para permanecer sóbrios;
desta maneira nasceu o primeiro grupo de Alcoólicos Anônimos
(AA - fundado em Akron - Ohio, pelo cirurgião Bob e o Corretor
de New York Bill, em 1935) que com o passar dos anos se tornou o
maior grupo de Auto-Ajuda do mundo. Os AA além do afeto e
acolhimento, demonstram, a cada momento, muita disponibilidade em
relação aos membros do grupo, em casos de necessidades.
No
dia 18 de setembro de 1958, Chuck Dederich e um pequeno grupo de
alcoolistas em recuperação decidiram viver juntos
para, além de ficarem em abstinência, buscarem um estilo
alternativo de vida. Fundaram em Santa Mônica, na Califórnia,
a primeira Comunidade Terapêutica (CT) que se chamou Synanon.
Adotaram um sistema de relacionamento direcionado em uma atmosfera
quase carismática, o que para o grupo foi muito terapêutico.
A aplicação
do conceito de ajuda às pessoas em dificuldades, feita pelos
próprios pares, é a base das relações
vividas na Synanon, posteriormente em Daytop, onde cada pessoa se
interessa e se sente responsável pelas outras. Desde o início
acolheram alguns jovens que estavam tentando ficar em abstinência
de outras drogas e em decorrência disto a Comunidade Terapêutica
que teve seu início com uma CT para alcoolistas, abriu suas
portas para jovens que usavam outras substâncias psicoativas.
Esse
tipo de alternativa terapêutica se consolidou e deu origem
a outras CTs que, conservando os conceitos básicos, aperfeiçoaram
o modelo proposto pela Synanon.
A Comunidade
Terapêutica Daytop Village é o exemplo mais
significativo deste tipo de abordagem. Foi fundada em 1963 pelo
Monsenhor William Bóbrien e David Deitch, tornando-se um
programa terapêutico muito articulado.
Com
a multiplicação das iniciativas desse tipo de abordagem
terapêutica na América do Norte, a experiência
atravessou o Oceano Atlântico e deu início a programas
terapêuticos no norte da Europa, principalmente na Inglaterra,
Holanda, Bélgica, Suécia e Alemanha.
No
início de 1979, a experiência chegou à Itália,
onde fundou-se uma Escola de Formação para educadores
de CTs. Os educadores que passaram por essa formação
deram um novo impulso na Espanha, América Latina, Ásia
e África.
No
campo psiquiátrico, acontecia uma outra revolução:
a experiência de comunidade terapêutica democrática
para distúrbios mentais. O psiquiatra escocês Maxwell
Jones, trabalhando durante o período da II Guerra Mundial
no hospital Maudsley em Londres e, sucessivamente nos de Henderson
e Dingleton, de 1945 a 1969, transformou o trabalho tradicional
e, como terapia, utilizava a psicoterapia individual e de grupo,
eliminando ao máximo o uso de medicação e envolvendo
os pacientes nas atividades propostas.
O ex-psicanalista
americano, Hobart O. Mowrer, impressionado positivamente pela capacidade
de recuperação através da abordagem das CTs,
começou a estudar o fenômeno, sua história,
os conteúdos e descobriu, através de diferentes experiências,
pontos em comum que confirmaram algumas de suas hipóteses.
A saber:
- Compartilhar:
é um dos valores fundamentais e comuns. A referência
não é somente em relação aos bens,
mas de compartilhar com os membros do grupo o que cada um possui
do ponto de vista humano.
- Honestidade:
é um outro ponto forte que emerge do fenômeno das
CTs: "Participe do grupo e fale coisas de você, não
de política, trabalho ou de outras coisas. Fale do que
provoca medo e dor dentro de você"(Synanon). É
uma referência clara à necessidade do ser humano
de comunicar-se, sem máscaras, em relações
humanas autênticas. Essa honestidade diante do grupo é
um valor muito antigo; apareceu nas primeiras comunidades cristãs
e era chamada confissão aberta ou auto-revelação.
Outra
característica que aparece nos estudos do Dr. Mowrer é
o abandono, nas relações terapêuticas, da posição
clássica vertical médico e paciente. As interações
que se estabelecem entre as pessoas rompem as estruturas rígidas
da hierarquia, do cargo e oferecem mais possibilidades de ajuda.
As funções, muito flexíveis, garantem a estrutura
e a organização da vida comunitária. A atenção
é colocada sobre o indivíduo no grupo ou na comunidade.
Ele é o verdadeiro protagonista das ações terapêuticas
porque sabe do que precisa porém, sozinho, é incapaz
de buscar, por isso a importância da auto- ajuda. Cada indivíduo
é responsável pelo seu próprio crescimento
e pede a ajuda necessária aos outros para se ajudar. Sendo
assim, cada um é "terapeuta" para si mesmo e para
os outros componentes do grupo, da comunidade. A hierarquia é,
unicamente, funcional e não interfere nas relações
entre as pessoas.
A vida
comunitária não poderá ser terapêutica
se não desaparecer a dualidade equipe-residente. Isto significa
que, enquanto existir dentro da mesma estrutura o grupo que "faz"
o tratamento e o grupo que o "recebe" estamos muito longe
da verdadeira terapia de grupo na CT.
O agente
terapêutico não é a estrutura da CT, as regras,
os instrumentos mas tudo aquilo que estes instrumentos podem fazer
para que cada residente possa viver, experimentar uma relação
verdadeira e o amor entre as pessoas.
A observação
do comportamento instrumentaliza o indivíduo e o grupo a
avaliarem os processos e o grau de integração social
alcançados. A observação objetiva das ações
propicia a cada pessoa se responsabilizar pela avaliação
de seus progressos, de seu crescimento e permite ao grupo a possibilidade
de fazer distinção entre a pessoa e seu comportamento.
Espiritualidade: todos esses grupos são capazes de resgatar
e mobilizar a energia espiritual de seus componentes para que os
mesmos encontrem a coragem necessária para enfrentar e buscar
os objetivos propostos. A energia espiritual pode reintegrar a pessoa
consigo mesma, com o grupo, com a comunidade, com a sociedade, com
o seu Poder Superior. A CT tem capacidade de criar um ambiente ecumênico
e oferecer os instrumentos para que o indivíduo tenha a oportunidade
e a liberdade necessária para procurar sua própria
origem e responder de maneira adequada a sua própria dimensão
espiritual.
Algumas
considerações de Elena Goti (1997) sobre a abordagem
Comunidade Terapêutica:
- Deve
ser aceita voluntariamente;
- Não
se destina a todo tipo de dependente (isto ressalta a importância
fundamental da Triagem como início do processo terapêutico.
Muitas vezes algumas CTs, através de suas equipes, se sentem
onipotentes e "adoecem" acreditando que se o residente
não quiser ficar na CT é porque não quer
recuperação. Não consideram que o residente
tem o direito de escolher como e onde quer se tratar.)
- Deve
reproduzir, o melhor possível, a realidade exterior para
facilitar a reinserção;
- Modelo
de tratamento residencial;
- Meio
altamente estruturado;
- Atua
através de um sistema de pressões artificialmente
provocadas;
- Estimula
a explicitação da patologia do residente, frente
a seus pares;
- Os
pares servem de espelho da consequência social de seus atos;
- Há
um clima de tensão afetiva;
- O
residente é o principal ator de seu tratamento. A equipe
oferece, apenas, apoio e ajuda.
Do
ponto de vista cultural, o fenômeno moderno da CT está
inserido na proposta da filosofia existencial que deu vida a escola
da psicologia denominada Humanista.
Substâncias
psicoativas
Conforme definição da Organização
Mundial da Saúde (OMS) são considerados substâncias
psicoativas todas aquelas de origem natural ou sintética,
incluindo álcool, que uma vez utilizadas, modificam as percepções
sensoriais.
Não
fazemos distinções entre substâncias leves,
pesadas, estimulantes, depressoras ou alucinógenas porque
não consideramos o sintoma da dependência química
através das substâncias psicoativas utilizadas, mas
sim através da problemática humana que está
por trás de tudo.
Isso
não significa que ignoramos as substâncias químicas
e os efeitos que estas causam às pessoas. Quando se faz necessário
tratar sintomatologia que as drogas causam às pessoas, estas
devem ser encaminhadas aos serviços médicos especializados.
Partimos
do pressuposto que qualquer pessoa, se desejar verdadeiramente,
pode parar de fazer uso de qualquer substância química
sem que isso possa acarretar-lhe algum problema físico sério.
A experiência nacional e internacional tem demonstrado que
os sintomas da abstinência, podem ser "represados"
dentro da Comunidade Terapêutica, na maioria dos casos, pela
alta coesão do ambiente criado pelo grupo.
Dramatizar
a crise de abstinência, muitas vezes, é um jogo das
pessoas que querem parar de usar drogas porém não
estão dispostas a lutar verdadeiramente para conseguir. Isso
reforça o comportamento típico do dependente químico,
ou seja, conseguir alguma coisa sem, na verdade, "lutar para",
como é a dinâmica que a vida impõe a todos os
seres humanos. A droga esconde o sentimento de incapacidade, falência,
impotência etc e para que haja um processo de recuperação
é necessário o abandono total de qualquer substâncias
psicoativas (exceções para pessoas com comprometimentos
neurológicos ou distúrbios psiquiátricos além
do quadro da dependência química), mudança dos
comportamentos e mudança de estilo de vida.
A dependência
química não pode ser tratada com medicação
alternativa para aliviar o sofrimento que a própria doença
causa porque este tipo de medicação impede o dependente
de entrar em contato consigo mesmo, perpetuando o seu estado de
dependência. Nenhum dependente consegue fazer uso de substâncias
psicoativas todos os dias na quantidade e qualidade que deseja;
algumas vezes não faz uso por diversos dias e não
morre por crise de abstinência.
Sabemos
que a crise de abstinência pode ser sentida, mas o dependente,
muitas vezes, quer impressionar para ver se consegue algum tipo
de medicação alternativa quando não consegue
obter a(s) dose(s) habitual(ais). O dependente não precisa
de nossa compaixão ou pena pelo mal estar provocado pela
crise de abstinência. A manipulação do dependente
intensificando os próprios sintomas da crise é quase
automática. Porém, quando eles demonstram o desejo
de parar de usar e recebem a ajuda adequada, existe uma grande possibilidade
de "deixar" a droga. Esse é o momento de oferecermos
uma proposta alternativa e uma mudança de estilo de vida.
Devemos
evitar intervenções confusas que podem prejudicar
o dependente. A qualquer momento que o dependente não consiga
ou não queira aceitar as propostas do programa deve ter a
liberdade de fazer outras escolhas (é importante se fazer
uma última tentativa no intuito de ajudá-lo a entender
o porquê de outras escolhas) ou ser encaminhado a outras propostas.
É importante evitarmos a confusão pois este é
o terreno predileto do dependente.
Laura
Fracasso é Coordenadora Geral do Programa de Recuperação
de Dependentes Químicos e Alcoolistas da APOT.
Referência
Bibliográfica
Kalina,
Eduardo - Drogadição II. Editora Francisco
Alves
Rahm, Pe. H. J. - O caminho da sobriedade. Edições
Loyola
Rahm, Pe. H. J. - Doze passos para os cristãos. Edições
Loyola
Osório, L. C. et col. - Grupoterapia hoje. Editora
Artes Médicas
Linn, Matthew / Sheila / Dennis - Abuso espiritual e vício
religioso - Verus Editora
Façamos Homens
Manual do curso de formação de operadores de comunidades
terapêuticas italianas - Federação de Comunidades
Terapêuticas
Manual do curso de formação de operadores de comunidades
terapêuticaas do Daytop Village - Federação
Mundial de Comunidades Terapêuticas
Jones, Maxwell - Conversando com Maxwell Jones. Editora
Linn, Matthew / Sheila / Denis - Cura da dor mais profunda
- Verus Editora
A Bíblia - Teb - Paulinas - Edições
Loyola
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