Como
abordar a questão das drogas na escola?
"Uma
vez dependente é muito difícil ficar livre da droga",
é o alerta feito pelo professor e pesquisador José
Carlos Galduróz, do Departamento de Psicobiologia da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Prevenir parece ser a melhor
alternativa diante de estatísticas que mostram que o número
de usuários dependentes que conseguem deixar as drogas está
em torno de 30%. É na prevenção que a escola
atua. Nessa "terra de ninguém" como diz Galduróz,
em que apesar dos caminhos serem diversos, parece não haver
dúvidas sobre o importante papel que a escola desempenha.
O perigo
da generalização
Não há um modelo, uma fórmula, uma metodologia
para abordar a questão das drogas na escola. "A generalização
é perigosa" diz Elson da Silva Lima, que é professor
e pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), pois desconsidera a diversidade
de usuários, tipos de drogas utilizadas, efeitos e conseqüências,
além de contextos que envolvem usuários.
Galduróz
afirma que "o comum é 'importar' programas de outros países
e aplicá-los aos nossos jovens, porém as realidades são
diferentes". Nos Estados Unidos, por exemplo, o consumo de maconha
e cocaína entre estudantes é grande. Já no Brasil,
os estudantes usam mais os solventes, como o esmalte, éter, acetona
e até "corretor branquinho" - que está no próprio
estojo - antes, inclusive, do que drogas como cocaína e maconha.
"Parece óbvio que um programa que dê ênfase à
cocaína terá um sucesso pequeno entre nossos estudantes",
diz o pesquisador. Na opinião dos pesquisadores, trazer a diversidade
para a sala de aula na abordagem da questão das drogas é
um interessante caminho para evitar os estigmas e preconceitos que emergem
quando o tema é tratado, além de discutir as particularidades
de cada escola, de cada realidade, criando formas de abordagem próprias
que podem ser mais duradouras e eficazes.
Qual o
alcance da proibição?
Proibir realmente funciona? Até que ponto a proibição
é um fator inibidor ao consumo de drogas? Estas foram questões
que envolveram o professor Elson Lima durante sua pesquisa de doutorado,
que buscou avaliar como isso funciona na "cabeça de
estudantes" de escolas públicas de Campinas (SP). A
pesquisa, que envolveu alunos do ensino fundamental (7ª e 8ª
séries) e médio, mostra que os estudantes podem adquirir
facilmente tanto drogas lícitas, quanto ilícitas,
reforçando a hipótese inicial do pesquisador de que
"usar ou não uma substância passa mais por um
crivo individual do que por qualquer pressão que possa ser
feita". "Nem sempre adianta dizer que faz mal para saúde,
porque a decisão além de pessoal, também é
circunstancial", afirma. Lima defende a idéia de que
"a preocupação é desmedida entre drogas
lícitas e ilícitas. O álcool e o cigarro trazem
muito mais danos sociais, do ponto de vista da saúde pública,
do que drogas ilegais", e acredita que a ação
deveria ser mais direta sobre estas drogas.
O comportamento
de usar substâncias psicoativas é visto no campo epidemiológico
como uma doença e os parâmetros de avaliação
são geralmente os casos extremos - o não uso ou a
dependência crônica - desconsiderando que há
inúmeras pessoas que experimentam e não desenvolvem
dependência. Diferente de uma doença transmissível
- em que a pessoa não quer pegar a doença e o papel
da epidemiologia é de retirar o indivíduo da exposição
aos fatores de risco -, no uso de drogas a exposição
é voluntária e a proibição não
apresenta os resultados esperados, explica Lima. Essa também
é a opinião de Galduróz que lembra que "a
repressão é apenas um dos braços da prevenção
e provavelmente não é o mais importante. Se assim
fosse os Estados Unidos estariam livres das drogas".
"Faça
o que digo, não faça o que eu faço"
Quase não existem abstêmios, ou seja, pessoas que
não utilizam nenhuma substância psicoativa - entre
elas chá (mate), café, chocolate, tabaco e álcool
- o que termina criando entre os educadores o receio de se enquadrar
na frase": "faça o que eu digo, não faça
o que eu faço". Essa observação do pesquisador
Elson Lima, que também atua junto a professores da rede pública
de Campinas, chama a atenção para o fato de que não
se pode desconsiderar que, entre médicos, professores e pesquisadores,
há usuários de substâncias psicoativas. Contudo,
esse não pode ser um obstáculo à abordagem
da questão na escola. "Os professores sentem-se despreparados,
eles não querem ocupar uma posição moralista,
senão não poderiam beber, por exemplo, o que acontece
em muitos casos", comenta o pesquisador. Para Lima, é
preciso também questionar esse "ideal", essa imagem
do ser humano perfeito. Ressalta ainda que, o silêncio de
educadores, médicos e pais será preenchido por outras
vozes que ecoam da mídia, dos colegas na escola e fora dela.
Walter
Ude, professor adjunto da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta ainda o tratamento
da questão das drogas na escola pelos professores de escolas
situadas nas periferias das cidades. "É uma questão
delicada porque envolve o estigma, o conflito com a lei, o narcotráfico
e a possibilidade de violência contra o professor". Ude,
que está iniciando um projeto com uma escola vinculada à
UFMG, acredita que seja importante propiciar uma discussão
que envolva todo o corpo docente, os alunos e os familiares, criticando
o fato da escola ainda se eximir de discutir a temática.
As drogas são, em grande parte, objeto de discussão
apenas das disciplinas voltadas às ciências naturais.
Em
seu projeto, Ude busca criar grupos de discussão sobre o
tema, além de coletar informações com os alunos.
Nesse sentido, a questão que orienta a aproximação
com a escola é: "Banalizar ou valorizar a vida?".
Essa abordagem indireta, na opinião do pesquisador, cria
menos resistências e expõe menos os alunos e professores.
Outro aspecto importante é que a questão incita o
aparecimento de outros temas como violência e desemprego,
o que na opinião do pesquisador é essencial para evitar
uma abordagem reducionista, que desconsideraria que o uso de substâncias
psicoativas está inserido no tecido social. "A dimensão
pessoal e social precisam ser trabalhadas sem distinção
uma da outra" diz Ude. Ele exemplifica, "quando se aborda
a questão das drogas estamos lutando contra o consumo, o
que é bastante complexo ao pensarmos que vivemos numa sociedade
pautada no consumo e em que a liberdade individual tem sido bastante
focalizada, desconsiderando a dimensão social da liberdade".
O silêncio
social
Abordar ou não a questão das drogas com crianças
das séries iniciais? Esta é uma questão que
ocupa muitas vezes espaço na preocupação de
professores. O professor Elson Lima conta que já foi radicalmente
contra falar com crianças sobre drogas, "eu pensava
que estas questões não faziam parte do universo delas".
Hoje, sua experiência na área o faz pensar que não
se pode deixar de falar sobre drogas com as crianças, especialmente
sobre o tabaco e o álcool. "A exposição
tem começado cada vez mais cedo, cerca de dez anos para o
álcool, e quanto mais cedo maior a tendência à
dependência, além do que, indiretamente, as crianças
têm sido vítimas da conseqüência do uso
de drogas como o álcool", diz Lima. O pesquisador chama
a atenção para o enorme espaço ocupado na mídia
pelas empresas de bebidas alcoólicas, que têm lançado
mão também de desenhos animados, como tartarugas,
que também atingem as crianças e desabafa, "em
compensação há pouco espaço para que
profissionais da área divulguem seus trabalhos".
"O
silêncio social", em relação ao uso de
drogas, em especial o tabaco e álcool é, na opinião
de Lima, um fator preocupante não apenas em relação
às crianças, mas também em relação
aos estudantes universitários. Lima conta que a discussão
sobre o uso de drogas nas escolas superiores estaduais paulistas
tem mobilizado pesquisadores da USP, Unesp e Unicamp. Eles estão
buscando desenvolver projetos, em que "o que se quer é
responsabilidade, é cuidado com a vida, é criar uma
nova cultura dentro da universidade". Acontecerá no
dia 23 de outubro de 2002, nas três universidades, o "Dia
de Alerta sobre o uso indevido de álcool", em que as
pessoas serão orientadas quanto às formas de beber
sem provocar riscos à própria saúde e à
de outros. Além disso, acontecerão palestras, fóruns
de discussão, distribuição de panfletos educativos,
testes sobre o consumo de álcool e o risco associado, entrevistas
com especialistas, exposições, apresentações
teatrais e de vídeos, testes com simulador de direção
e bafômetro. A campanha desvia o foco da proibição,
procurando não cercear a liberdade individual nem impor comportamentos,
tendo como maior meta a sensibilização da comunidade
universitária quanto a necessidade de uma maior cautela quanto
ao uso do álcool, visando o que chama de "redução
de danos".
O evento
está inserido em um grande programa de iniciativa do Grea
(USP) por meio do projeto "Desenvolvimento de proposta política
sobre drogas para universidades públicas estaduais de São
Paulo", financiado pela Fapesp, e com o apoio da Secretaria
Nacional Anti-Drogas, da CIEE e da Fundação Zerbini.
Durante o evento, serão também apresentados resultados
recentes de levantamentos feitos por pesquisadores sobre o uso de
drogas nessas universidades.
Susana
Dias
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