Brasileiros
são mais dependentes em álcool, tabaco e maconha
A pesquisa
mais recente sobre drogas verificou que 11,2 % da população
brasileira é dependente de bebidas alcóolicas, 9%
de tabaco e 1% de maconha. No primeiro levantamento domiciliar sobre
drogas, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad)
e Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
(Cebrid), foram ouvidas 8.589 pessoas de 12 a 65 anos, entre outubro
e dezembro de 2001, nos 107 municípios com população
superior a 200 mil habitantes.
Não
fizeram parte da estatística, as pessoas que utilizam drogas
esporadicamente. A freqüência de uso diferencia o usuário
ocasional do dependente. Nem todos os usuários de drogas
vão se tornar dependentes. Alguns continuarão usando-as
de vez em quando, enquanto que outros não conseguirão
controlar o consumo, usando-as de forma intensa, em geral quase
todos os dias, e agindo de forma impulsiva e repetitiva. O grande
problema é que não dá para saber entre as pessoas
que começam a usar drogas, quais serão usuários
ocasionais e quais se tornarão dependentes.
"Uma
grande parte das pessoas se envolverá em uso ocasional, porém
outra parte se tornará dependente, possivelmente devido a
uma memória que a droga cria no cérebro. Memória
esta que é despertada principalmente em diversas situações
emocionais e ambientais. Nessas situações, através
de mecanismos desconhecidos, o indivíduo sente necessidade
da droga. Existem vários modelos propostos para explicar
este fenômeno, mas nenhum comprovado definitivamente",
afirma Ivan Braun, médico supervisor de residentes junto
ao Grupo Interdisciplinar de
Estudos de Álcool e Drogas (Grea), do Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo (USP).
A predisposição
biológica maior de algumas pessoas pode explicar, em parte,
porque alguns usuários se tornarão dependentes. Essa
predisposição, de acordo com Braun, está relacionada
a diferenças na metabolização das drogas, ou
seja, o efeito das drogas sobre o cérebro, mais especificamente,
sobre os sistemas de gratificação cerebrais. Há
também a predisposição genética. A incidência
de alcoolismo em filhos de pais dependentes de álcool é
de três a quatro vezes maior do que entre os filhos de não
dependentes. Estudos em gêmeos também tendem a confirmar
esta predisposição.
Dependência
é doença
As bebidas alcoólicas são as drogas cujo consumo é
mais antigo e abrangente. Por isso, a dependência do álcool
foi a primeira a ser debatida e foi a que norteou a evolução
do conceito da dependência das demais drogas. Na versão
atual da Classificação Internacional das Doenças
(CID) foram incluídas a síndrome de dependência
do álcool - que substitui o termo alcoolismo - e de todas
as substâncias psicoativas em uma mesma categoria, a de Transtornos
Mentais de Comportamento decorrentes do uso de substâncias.
A drogadicção vem sendo considerada uma doença
recidivante e crônica, caracterizada pela busca e consumo
compulsivo de drogas.
Ana
Regina Noto, do departamento
de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) e do Cebrid, destaca que o início dos debates sobre
o uso problemático de bebidas alcoólicas girou em
torno de duas posições divergentes: o conceito moral
e o conceito médico. Durante muitos anos imperou a visão
moralista, para qual o uso de álcool e outras drogas era
considerado uma falha de caráter. Esse conceito representou
um grande obstáculo na consideração do uso
de drogas como um problema de saúde.
Atualmente,
a síndrome de dependência é definida na CID
como "um conjunto de fenômenos fisiológicos ou
comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância,
ou de uma classe de substâncias, alcança uma prioridade
muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos
que antes tinham maior valor. Uma característica descritiva
central da síndrome de dependência é o desejo
de consumir drogas psicoativas, álcool ou tabaco. Pode haver
evidência de que o retorno ao uso da substância, após
um período de abstinência, leva a um reaparecimento
mais rápido de outros aspectos da síndrome do que
o que ocorre com indivíduos não dependentes".
Alterações
fisiológicas e comportamentais
A medicina define droga como sendo qualquer substância capaz
de modificar a função dos organismos vivos, resultando
em mudanças fisiológicas ou de comportamento. As drogas
são classificadas como depressoras, estimulantes ou perturbadoras
da atividade do Sistema Nervoso Central (SNC). As depressoras da
atividade do SNC são as que diminuem a atividade do cérebro,
deixando o indivíduo "desligado". Entre as drogas
desse tipo estão o álcool, os medicamentos barbitúricos
(promovem o sono) e os ansiolíticos (calmantes), inalantes
ou solventes (colas, tintas, removedores).
As
substâncias que aumentam a atividade do cérebro, ou
seja, estimulam o funcionamento fazendo com a pessoa fique "ligada",
"elétrica" são as estimulantes do SNC. As
principais são as anfetaminas, nicotina e cocaína.
O terceiro grupo é constituído pelas drogas que agem
modificando qualitativamente a atividade do cérebro. As drogas
pertubadoras, tais como a maconha e os anticolinérgicos,
fazem com que o cérebro funcione fora do seu padrão
normal.
As
alterações cerebrais e os prejuízos no funcionamento
do organismo são específicos para cada droga. Os efeitos
neurológicos do uso contínuo da maconha são
a dificuldade de aprendizado, retardamento de raciocínio
e lapsos de memória. Mais graves são as conseqüências
da cocaína. Seu uso está associado a complicações
cardiovasculares e neurológicas graves. Um estudo realizado
pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes
(Proad), do departamento de Psiquiatria da Unifesp, em 30 dependentes
de cocaína, verificou que 80% apresentavam alterações
funcionais cerebrais, acompanhadas, em alguns casos, de comprometimento
de funções cognitivas.
No
âmbito da saúde pública, as drogas mais preocupantes
são o álcool e o tabaco. O álcool é
responsável por mais de 80% dos casos de internações
hospitalares por dependência. Um em cada 10 homens brasileiros
é ou já foi dependente de álcool. Os danos
cerebrais causados pelo álcool são provavelmente irreversíveis
a partir de um certo grau de comprometimento.
Entre
as 25 doenças relacionadas ao hábito de fumar são
causas de morte, em ordem de incidência, as doenças
cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias.
A expectativa de vida de um indivíduo que fuma é 25%
menor que a de um não fumante.
As
alterações na função cerebral persistem
por muito tempo depois da pessoa parar com o uso da substância.
É a síndrome da abstinência. Na falta da droga
os dependentes podem apresentar uma série de sintomas. No
caso da maconha, os principais sintomas são irritabilidade,
ansiedade, dificuldade para dormir, falta de apetite, dor de estômago
e depressão. No caso de dependentes de álcool, a abstinência
pode ocasionar desde um tremor nas mãos a náuseas,
vômitos e ansiedade.
Mudanças
diferem entre adolescentes
A dependência provoca reações comportamentais
diferentes entre os adolescentes. As mudanças de comportamento
são mais evidentes nos meninos. Envolvimento com a polícia,
atraso e abandono escolar são mais comuns entre os garotos.
Já os sintomas depressivos são mais freqüentes
nas meninas.
Pesquisadores
do Grea analisaram prontuários de 105 adolescentes de 10
a 17 anos, tratados no Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da USP entre 1993 e 2000, constataram que 90% dos
meninos têm atraso escolar acima de um ano, enquanto que nas
meninas a porcentagem é de 66%. Por causa das drogas, 78%
dos meninos abandonaram a escola contra 52% das meninas.
Os meninos e meninas tratados no Instituto de Psiquiatria começaram
a usar drogas com a mesma idade (em média, aos 12 anos).
Não há diferença entre os gêneros quanto
ao tipo de substância consumida. O álcool é
consumido por 100% deles, a maconha por 86,7% e a cocaína
por 73,3% das meninas e 64,4% dos meninos. O motivo para o início
do uso da droga, em ambos os sexos, é a curiosidade. Essa
foi a razão apontada por 78,3% dos meninos. O índice
entre as meninas sobe para 81,8%.
Uso
de álcool na gravidez traz riscos ao bebê
A
ingestão de álcool durante a gravidez pode acarretar
uma série de problemas na formação do
feto. A manifestação mais severa é a
Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) que causa desde
malformações craniofaciais, retardamento no
crescimento até a incapacidade de desenvolvimento mental.
O
fato de um grande número de mulheres beberem socialmente
e a maioria das gestações não serem planejadas
aumentam o risco de ocorrer a SAF. "Pode haver um desconhecimento
do estado gestacional nos primeiros meses. Isso implica muitas
vezes na exposição do embrião ao etanol,
principalmente no período mais crítico e sensível
da gestação", explica Cristiana Corrêa,
professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas,
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Geralmente,
a incidência da SAF oscila entre 0,4 a 3,1 casos por
1000 nascimentos. Entre os filhos de mães alcoolistas
estima-se que 30% a 40% dos recém nascidos venham a
apresentar a doença. Ainda não foi definida
a quantidade mínima de álcool ingerida capaz
de afetar o feto.
As
maiores conseqüências da SAF são: restrição
no crescimento, com decréscimo inferior a 10% no peso
e no comprimento; envolvimento do Sistema Nervoso Central,
apresentando, entre outros problemas, disfunção
comportamental, hiperatividade e dificuldade de adaptação
social, e anomalias faciais.
A
prevenção da SAF, na opinião de Corrêa,
só será possível através de um
sistema articulado de intervenção terapêutica
na mãe alcoolista, programas educacionais nas comunidades,
identificação precoce da doença e acompanhamento
das crianças afetadas pela síndrome.
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Liliane
Castelões
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