Nanotecnologia
ainda não está no dia a dia das pessoas
A importância
da nanotecnologia para a geração de produtos capazes
de fazerem coisas incríveis é bastante especulada
pela mídia. Os pesquisadores da área vislumbram aplicações
para a tecnologia em muitos ramos, tais como farmacêutico,
eletrônico, biotecnológico, e outros. Porém,
ainda existem poucos produtos nanotecnológicos que estejam
sendo utilizados no cotidiano.
O pesquisador
José Antônio Brum, diretor geral da Associação
Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron, atribui a dificuldade
de transformar a nanotecnologia em produtos à uma questão
mais ampla que é a falta de capacidade de transformar pesquisas
em inovação. "Talvez o maior entrave ainda esteja
nessa nossa dificuldade. O Brasil ainda não desenvolveu uma
ampla cultura de inovação, mas isso está mudando
nos últimos anos" , diz Brum. Sua opinião é
compartilhada por Israel Baumvol, pesquisador da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS): "não temos nenhuma perspectiva
de transformar o progresso científico na área de nanotecnologia
em progresso industrial e econômico". Mas, apesar dessa
dificuldade, alguns produtos nanotecnológicos já estão
sendo desenvolvidos.
|
Imagem
da "língua eletrônica"
Fonte: Embrapa
|
A língua
eletrônica talvez seja o maior exemplo (veja notícia
publicada pela ComCiência). Desenvolvida pela Embrapa
Instrumentação Agropecuária, através
da coordenação do pesquisador-chefe, Luiz Henrique
Capparelli Mattoso, a língua eletrônica ganhou repercussão
em importantes revistas científicas internacionais como a
Nature e o canal de TV Discovery. O equipamento tem
grande importância para a aplicação na indústria
alimentícia, pois permite avaliar o sabor de bebidas como
café, vinho, leite, entre outras, além de servir para
avaliar a qualidade da água mineral.
Atualmente,
a avaliação do sabor dos produtos é feita por
pessoas especialmente treinadas, que analisam sensorialmente as
alterações e qualidade do sabor dos alimentos. A língua
eletrônica é formada por um sensor
capaz de detectar com precisão e rapidez os padrões
básicos do paladar (doce, salgado, azedo e amargo) em concentrações
tão baixas que os humanos não detectariam. Por essa
razão, pode ser utilizada para distinguir diferentes tipos
de vinhos, café, chá e água mineral. Mattoso
diz que o equipamento tem várias vantagens com relação
aos métodos de análise sensorial tradicionais como
rapidez, baixo custo, possibilidade de operar de modo contínuo
e on-line, entre outros. Ele conta que o uso da nanotecnologia propiciou
à língua eletrônica uma altíssima sensibilidade
ao equipamento, o que não seria possível com a utilização
de outras tecnologias disponíveis.
A indústria
farmacêutica é outro campo em que a nanotecnologia
pode ser útil. Ela pode ser usada para o desenvolvimento
de produtos capazes de tornar os tratamentos menos agressivos ao
paciente, bem como para reduzir os seus custos. "Hoje em dia,
na quimioterapia, é necessário tomar doses altíssimas
de um princípio ativo para assegurar que alguma molécula
consiga realmente atingir o alvo e provocar o efeito biológico
desejado", afirma o pesquisador da Universidade Federal de
Minas Gerais, Antonio Lino. Ele explica que, utilizando o encapsulamento
do princípio ativo (a substância ou composto responsável
pelo efeito do medicamento), é possível reduzir a
dose desses fármacos, diminuindo assim os efeitos colaterais
tão danosos aos doentes. Ele conta que a nanotecnologia pode
ser útil para proteger as moléculas do organismo além
de otimizar os efeitos do tratamento. "O encapsulamento molecular
é a última fronteira entre efeito biológico
e a estrutura molecular, uma vez que a cápsula, nesse caso,
tem o tamanho compatível com as moléculas". Em
sua tese de doutorado, o pesquisador apresenta o sistema macromolecular
das ciclodextrinas - derivados de açúcar - que, por
meio de degradação enzimática, formam uma geometria
toroidal (semelhante à de um copo). "Nesse copo, é
possível inserir moléculas, porque seu tamanho é
adequado e a sua cavidade possui um ambiente hidrófobo (em
que as moléculas de água não entram)",
exemplifica Lino.
Lino
conta que, como no restante do mundo, as pesquisas envolvendo aplicações
no ramo farmacêutico ainda estão no início.
Para ele, a pesquisa química em nanotecnologia será
a próxima onda da pesquisa aplicada no Brasil.
Para
criar estruturas suficientemente pequenas, que possam ser utilizadas
em uma escala nanométrica, é preciso criar materiais
especiais. Cientistas brasileiros estão desenvolvendo pesquisas
em materiais nanoestruturados - fundamentais para a criação
de nanoestruturas. "São materiais produzidos - em geral
artificialmente, embora existam vários na natureza - com
o objetivo de colocar em evidência e explorar uma grande variedade
de propriedades fisico-químicas que resultam diretamente
da sua estrutura formativa, com dimensões na escala do nanômetro,
ou seja, de um bilionésimo de metro", diz Israel Baumvol.
"Esses materiais apresentam propriedades mecânicas, óticas,
eletrônicas, químicas e bioquímicas e muitas
outras que são peculiares às nanoestruturas. Entre
as aplicações que terão maior impacto sobre
nossas vidas podemos citar os nanofármacos, a nanoeletrônica,
a gravação e leitura magnéticas, a nanobiotecnologia
e inúmeras outras", complementa.
Existem
ainda outras possíveis aplicações que já
dão sinais da importância da nanotecnologia para o
mundo moderno, como é o caso dos nanoimãs estudados
pelo Vice-Coordenador da Rede de Nanobiotecnologia do CNPq e professor
da UnB, Paulo César Morais. Em sua pesquisa, ele descobriu
uma nova utilidade para a nanotecnologia: recuperação
de áreas poluídas com petróleo (leia também
mais na reportagem
Vantagens e riscos da nanotecnologia ao meio ambiente). Nanoimãs
são imãs muito pequenos que medem apenas alguns nanômetros.
"Por serem materiais de dimensões muito pequenas eles
podem se manter, em suspensão, em um fluido. Além
disso, os nanoimãs podem ser quimicamente trabalhados para
ficarem hidrofóbicos. Dessa forma, quando dispersos em uma
mistura água/óleo, os nanoimãs hidrofóbicos
dispersam-se na fase óleo, tornando-a magnética. O
óleo magnético pode ser retido e removido de ambientes
aquáticos com o auxílio de barras de imãs permanentes"
explica Morais.
A vantagem
dessa tecnologia, em relação aos métodos convencionais
de contenção e captação de petróleo
derramado, é a sua eficiência e a possibilidade de
reutilização dos nanoimãs. O pesquisador afirma
que a nanotecnologia pode ser muito útil para restauração
de áreas degradadas ambientalmente, mas infelizmente ainda
não é possível colocar os resultados das pesquisas
em prática. Se fosse, os nanoimãs de Morais certamente
seriam uma ótima alternativa no Kuwait, que teve sua paisagem
marcada, após a Guerra do Golfo, por enormes piscinas de
petróleo, com conseqüências desastrosas para o
meio ambiente.
Na
opinião de Brum, a nanotecnologia é ainda uma tecnologia
muito nova para que sejam descobertas grandes aplicações.
"Se quisermos continuar avançando na miniaturização
e na maior capacidade computacional, teremos que desenvolver uma
tecnologia nova, provavelmente baseada em conceitos nano. O mesmo
se verifica para as memórias magnéticas. A combinação
da 'nanotecnologia' já praticada pela natureza com o desenvolvimento
de nossa capacidade de manipulação nessa escala, poderá
levar ao desenvolvimento de uma capacidade de atuação
nos sistemas biológicos nunca imaginados antes. Isso, no
entanto, ainda está no domínio de estudos, embora
alguns sucessos em laboratórios já tenham sido obtidos",
diz o pesquisador.
Vale
salientar que não é somente no Brasil que os produtos
nanotecnológicos ainda pertencem muito mais ao mundo das
idéias do que ao dia a dia das pessoas. Brum conta que as
inserções industriais da nanotecnologia ainda são
incipientes, e atualmente os países vêm se destacando
muito mais pelos investimentos feitos na pesquisa do que pelas aplicações.
"O que podemos destacar são os países que vem
investindo fortemente nesta área,
como os EUA, a Comunidade Européia e o Japão, que
possuem programas nacionais de nanociência e nanotecnologia
na ordem de centenas de milhões de dólares".
(JS)
|