Admirável
Nano - Mundo - Novo
Carlos
Vogt
I
Há
poucos meses atrás, o CBPF
(Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), ligado ao Ministério
de Ciência e Tecnologia (MCT), lançou um folder contendo,
resumidamente, 12 desafios da física para o século
XXI.
Poderiam
ser outros e mais. No entanto, a limitação desses
trabalhos ao número 12 dá-lhes um caráter hercúleo
e amplifica as dificuldades para sua realização, ou,
se realizados, enaltecem a força criativa dos físicos
responsáveis e, por extensão do homem, em geral, diante
da natureza e de seus enigmas, cada vez mais sofisticados.
No
caso, esses enigmas aparecem tematizados e formulados sob a forma
de perguntas pertinentes.
Assim:
- Massa
de Neutrinos - O que muda no universo se os neutrinos tiverem
massa?
- Computador
quântico - Quando o computador quântico será
realidade?
- A
origem das massas - O que é a massa das partículas
elementares?
- Unificação
das forças da natureza - Será possível unificar
em uma só
teoria as quatro forças da natureza?
- Matéria
escura - Onde estão 95% da matéria que forma o universo?
- Energia
escura - O que faz o universo se expandir de forma acelerada?
- A
biofísica das proteínas e do DNA - Como a física
pode ajudar a
desvendar os segredos do código genético humano?
- Raios
cósmicos de altas energias - O que são e de onde
vêm os
zévatrons?
- Formação
dos elementos pesados - Como e onde se formaram os
elementos químicos mais pesados que o ferro?
- Plasma
de quarks-glúons - É possível recriar em
laboratório as
condições dos primeiros instantes do universo?
- Ondas
gravitacionais - Será possível confirmar as previsões
de Einstein
sobre ondas gravitacionais?
- Manipulação
de átomos e os novos materiais - O que é possível
construir manipulando átomos individualmente?
Para
cada uma dessas questões o folder traz um texto explicativo
que procura orientar o leitor relativamente aos problemas nelas
envolvidos.
Entre
esses problemas, alguns são mais teóricos e permanecem
insolúveis desde o nascimento da física moderna, como,
por exemplo, o da unificação em uma só teoria
das forças eletro-magnética, fraca e forte, a que
são sensíveis as partículas atômicas,
e da força gravitacional, só pertinente para corpos
macroscópicos.
Outros
são mais recentes e mais práticos, como o do computador
quântico e o da manufatura de artefatos pela manipulação
de átomos em escala nanométrica, isto é, numa
escala de 1 bilhão de vezes menor que o metro ou 1 milhão
de vezes menor que o milímetro, um espaço, pois, no
qual cabem, no máximo, 10 átomos.
II
O
ano de referência para o nascimento da nanociência e
da nanotecnologia é o de 1959, ano em que no dia 29 de dezembro,
no CalTech, Califórnia, o físico Richard Feynman proferiu,
na Reunião Anual da American Physical Society, a palestra
"There's plenty of room at the bottom" ("Há
mais espaços lá embaixo"). Feynman anunciava
ser possível condensar, na cabeça de um alfinete,
as páginas dos 24 volumes da Enciclopédia Britânica
para, desse modo, afirmar que muitas descobertas se fariam com a
fabricação de materiais em escala atômica e
molecular.
Para
isso todo um novo instrumental miniaturizado seria necessário
para realizar essa "nanomanipulação" própria
dessa nova ordem de produção industrial.
Contudo,
só nos anos 80 o visionarismo de Feynman começou a
encontrar condições de apoio econômico e de
investimento científico e tecnológico para começar
a tornar-se realidade. Microscópios de tunelamento, de força
atômica e de campo próximo permitiram avanços
relativamente à manufatura molecular e atômica a ponto
de, em 1989, a IBM, manipulando 35 átomos de elemento químico
xenônio, conseguir escrever com eles a sua marca em uma placa
de níquel.
Desde
então, os estudos vêm se desenvolvendo com sistemática
regularidade e os governos de diferentes países têm
incluído as nanociências e as nanotecnologias na agenda
de prioridades de seus investimentos, sendo que em 1997, para que
se tenha uma idéia, um conjunto de países, incluindo
alguns da Europa Ocidental, os EUA e o Japão, já havia
investido perto de 500 milhões de dólares em programas
na área. Considere-se ainda que só na Alemanha funcionam
hoje, pelo menos, 6 grandes centros de pesquisa no setor, a China
investe fortemente na área de química, sem falar do
programa americano que sozinho já investiu mais de 700 milhões
de dólares e de importantes centros que têm a nanociência
e a nanotecnologia como altas prioridades de seus programas de pesquisa
e de desenvolvimento, como, por exemplo, o Foresight
Institute dirigido pelo professor K. Eric Drexler.
III
O Brasil,
que até agora investiu cerca de R$ 50 milhões em projetos
no setor, dispõe da melhor infra-estrutura em nanociência
e nanotecnologia da América Latina, segundo avaliação
dos professores Cylon Gonçalves da Silva, coordenador do
programa nacional de nanociência e nanotecnologia, do MCT,
e Alaor Silvério Chaves, coordenador de nanociência
de um dos 17 Institutos do Milênio, também do MCT.
De
fato, o CNPq ao lançar, há dois anos atrás,
um edital para a formação das Redes Cooperativas de
Pesquisa Básica e Aplicada em Nanociência e Nanotecnologia
teve, pré-aprovadas, 12 propostas, vindas de São Paulo,
Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,
Pernambuco e Distrito Federal. Essas propostas, por determinação
do próprio CNPq, acabaram se fundindo em 4 grandes redes
assim distribuídas: Materiais Nanoestruturados, cuja coordenação
ficou com o professor Israel Jacob Rabin Baumvol, do departamento
de física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces, coordenada pelo
professor Oscar Manoel Loureiro Malta, do Centro de Ciências
Exatas e da Natureza, da Universidade Federal de Pernambuco, (UFPE);
Rede de Pesquisa em Nanobiotecnologia, com a coordenação
do professor Nelson Eduardo Duran Caballero, do Instituto de Química,
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo;
Rede Cooperativa para Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores
e Materiais Nanoestruturados, do Departamento de Física,
da UFPE.
A "língua
eletrônica", na verdade um sensor polimérico,
com aplicações nas indústrias de bebidas, de
fármacos, de alimentos e na agroindústria em geral,
foi desenvolvida na Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
(Embrapa) sob a liderança do pesquisador Luiz Henrique Capparelli
Mattoso e envolveu ainda o Instituto de Física de São
Carlos, a Escola Politécnica e o Instituto de Ciências,
Matemáticas e de Computação, todos da USP,
além do químico Alan MacDarmid, da Universidade da
Pensilvânia, nos EUA.
Outros
projetos em nanotecnologia já mostram a aplicabilidade possível
dos conhecimentos produzidos pelas nanociências, no Brasil.
É o caso do projeto Desenvolvimento de Supermoléculas
e Dispositivos Moleculares, financiado pela Fapesp e coordenado
pelo professor Henrique Toma, do Instituto de Química, da
Universidade de São Paulo (USP); o caso também do
projeto sobre simulação em computador do processo
de formações de fios de ouro compostos por uma só
fileira de átomos, fundamental para a construção
futura de nanomáquinas, projeto este de que participam os
pesquisadores Adalberto Fázio e José Roque da Silva,
do Instituto de Física, da USP e Edson Zacarias da Silva,
do Instituto de Física, da Unicamp; o caso ainda do projeto
coordenado pelo professor Paulo César de Morais do Instituto
de Física da Universidade de Brasília (UnB) para a
criação de nanoímãs que poderão
ter papel importante nos programas de despoluição
de águas por vazamento de petróleo.
Já
há empresas, como a Zyvex, americana, que trabalham com perspectivas
de, nos próximos 10 anos, no máximo, estarem produzindo
artefatos para os mais diversos campos de aplicação,
que vão, potencialmente, desde a indústria de construção,
de alimentos, de fármacos, de informática, de editoração,
de armamento, até aplicações na medicina, na
ecologia, nas tecnologias aero-espaciais, nas artes e nos programas
de inteligência artificial.
Esse
admirável nano-mundo-novo está apenas se desenhando.
Aqui, como em outras grandes transformações científicas
e tecnológicas o sentimento é de medo e de esperança:
medo pelo apocalíptico que a possibilidade de manipulação
do átomo para fins industriais possa trazer à natureza
e à vida no planeta; esperança pelas consequências
positivas que esse conhecimento de fronteira possa gerar para a
qualidade da vida em sociedade e pela qualidade de suas relações
com o meio ambiente. Em um e em outro caso, a curiosidade pelo novo
e a afirmação dos mitos de rompimento na eterna busca
da decifração do mistério da vida.
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