Agricultura
moderna exige empreendedor rural e conhecimento de finanças
Daltro
Cella e
Fernando Curi Peres
A globalização,
fenômeno derivado do avanço da ciência e das
tecnologias modernas, está aumentando a competição
nos mercados, inclusive nos da agricultura. Os economistas os classificam
desde mercados perfeitos até os mercados imperfeitos. A classificação
leva em consideração (a) o número de produtores
no mercado, (b) a facilidade de entrada de novos produtores, (c)
o grau de diferenciação do produto, (d) a existência,
ou não, de economias de escala na produção,
e (e) o grau de informação dos consumidores sobre
os preços do produto. Quando um mercado é dominado
por um monopolista ele tira o máximo de lucro possível
do mercado. Quando, no outro extremo, o mercado está próximo
da chamada competição perfeita, as empresas tendem
a ter lucros (ou margens) que se aproximam de zero. A globalização
tende a deslocar as empresas para o lado da competição
perfeita, reduzindo as margens ou os lucros dessas. Ora, ninguém
gosta de ver suas margens de ganhos se reduzirem. Tanto os donos
do capital quanto os empregados das empresas tendem a reagir ao
aumento de competição que ocorre com a globalização.
Com o aumento da competição e consequente redução
das margens, as empresas têm que procurar formas administrativas
mais eficientes para continuarem no mercado ou para crescer.
Entre
as técnicas administrativas de redução de custos
e riscos, a parceria apresenta excelentes resultados, o que têm
levado as empresas a quererem, cada vez mais, parceiros em vez de
funcionários. O parceiro gere o seu próprio trabalho
e, consequentemente, não precisa de capataz, gerente, chefe
de pessoal, diretor de pessoal ou vice-presidente de pessoal para
administrar o trabalho em uma empresa. Além disso, ele participa
do risco com a empresa. Com a parceria o custo de administração
do trabalho diminui, assim como é reduzido o risco da empresa.
É por isso que na agricultura, onde tradicionalmente existe
menos proteção nas economias sub-desenvolvidas e,
portanto, maior competição, a parceria é uma
instituição mais antiga que a sua correspondente urbana,
chamada tercerização. Isto explica, também,
porque as empresas urbanas só começaram suas parcerias
(ou tercerização) com o processo de globalização.
O parceiro
precisa ter todas as competências exigidas de um bom empresário.
Como parceiro, ele deixa de pertencer ao mundo da reinvidicação,
típica do funcionário, para agir num mundo onde o
gerenciamento do risco e as exigências de competências
muito mais complexas estão presentes no seu dia a dia. Ele
precisa desempenhar as funções administrativas de
planejar, dirigir, organizar e controlar as finanças, a produção,
a comercialização e os recursos humanos da empresa,
mesmo que sua empresa seja definida como uma família com
poucos instrumentos de trabalho. Infelizmente, nosso sistema educacional
formal está mais preparado para formar funcionários
do que para melhorar as competências empresariais dos estudantes.
Por outro lado, os mercados não querem funcionários;
eles querem parceiros, ou empresários.
Como
uma parcela da sociedade quer ver empresas "comerciais"
no campo, geridas e trabalhadas pelos membros da família,
estes familiares, ou pelo menos algum deles, precisa desenvolver
as necessárias competências empresariais. Como as famílias
rurais estão preparando seus filhos? A julgar pelo tipo de
educação a que essas famílias tem acesso, elas
certamente não estão preparando os jovens para administrarem
empresas rurais. Como dissemos, as escolas não preparam os
jovens para serem empresários. Por outro lado, os governos
estão acabando com as escolas rurais e transportando os jovens
do campo para terem aulas nas cidades. Esse comportamento é
consistente com a visão de que a migração rural-urbana
vai continuar e, portanto, está dando melhores chances a
esses jovens de viverem nas áreas urbanas. Desta forma, as
metas que tratam de manter uma maior percentagem da população
no campo tornam-se irrealistas. Resta saber como os agricultores
comerciais estão tratando da formação de seus
filhos, preparando-os para gerirem seus negócios no futuro.
Em
economia, admite-se que o agricultor, como qualquer outro empresário
do meio urbano-industrial, conduz sua propriedade com o objetivo
de maximizar os lucros. De fato, mesmo que a intensão do
empresário seja outra, os modelos econômicos indicam
que ele deve acabar se comportando como tal, dadas as condições
de competição que prevalescem nos mercados de produtos
da agropecuária. Isto quer dizer que o produtor rural procura
obter a maior lucratividade possível, tendo em vista os recursos
naturais, humanos, físicos e financeiros disponíveis.
Quando perguntado, em grupos focais, a produtores rurais de dois
estados do sul do Brasil - Rio Grande do Sul e Paraná - que
papéis deve desempenhar a empresa rural, eles dizem que ela
também possui outro papel, derivado de necessidades pessoais
ou familiares, além do lucro. Esta dimensão incorpora
a realização dos desejos e aspirações
do proprietário, bom convívio familiar e social, autonomia
decisória ou mesmo reconhecimento comunitário.
O
desejo de "fazer um sucessor" ou a garantia da continuidade
das atividades rurais no futuro também faz parte do conjunto
de objetivos explicitado pelo empresário rural. A transmissão
de valores ou o convívio com rotinas operacionais da propriedade
podem, inclusive, determinar o interesse e a pré-disposição
empreendedora da família. Entretanto, quando chamados a atribuir
valor para as atividades administrativas desempenhadas, os próprios
produtores rurais pesquisados destacaram que, apesar de ser importante
interferir na condução da propriedade, a família
tem papel coadjuvante para as decisões empresariais. Os entrevistados
confirmaram a importância do comportamento da área
financeira como o fator mais importante para melhor descrever um
bom empreendedor rural. Tal conclusão não quer dizer
que um bom produtor rural é, necessariamente, o mais rico
ou aquele com maiores áreas de terra. Eles indicam que o
melhor é aquele com plenas condições de controlar,
dirigir e organizar as finanças. Mas, afinal, o que isto
quer dizer?
A
área financeira de uma empresa, seja ela urbana ou rural,
funciona como se fosse o rim de um ser humano. Por ela passam os
reflexos de todo o fluxo de atividades desempenhadas nas demais
áreas - produção, comercialização
e recursos humanos. Por outro lado, os seus resultados acabam afetando
todo o comportamento estratégico e operacional da propriedade.
A área de finanças pode ser considerada um espelho,
uma vez que reflete o comportamento das outras áreas: se
a comercialização não foi boa, cedo ou tarde
as conseqüências estarão presentes no resultado
financeiro. Isto faz com que qualquer decisão a ser tomada,
no presente ou no futuro, precise de informações a
respeito da situação atual e das perspectivas da área
financeira da empresa.
A
boa gestão das finanças torna necessário um
sistema de controle das receitas e das despesas com as diferentes
atividades. Entretanto, isto não quer dizer que sejam necessários
instrumentos ou recursos computacionais sofisticados. A alimentação
desses sistemas com informações pode, às vezes,
ser incompatível com a capacidade de análise do empresário
rural. Um bom sistema de controle precisa estar adaptado ao nível
de conhecimento e capacidade de análise de cada empresário
rural, colaborando para que sejam evitados desvios dos objetivos
pretendidos pela empresa. Ainda, a análise dos resultados
financeiros revela a situação presente da empresa
rural, possibilitando delimitar as estratégias futuras a
serem perseguidas, ou mesmo, se a empresa deve ou não continuar
com determinada atividade produtiva.
A
importância da área financeira demanda empresários
ativos, mesmo com estruturas produtivas baseadas na mão-de-obra
familiar. A racionalidade da busca pela rentabilidade precisa tomar
o lugar da passionalidade, ou das decisões tomadas com o
coração. Cabe espaço, então, para o
correto dimensionamento dos ativos. Por exemplo, as condições
de compra de um trator estão muito boas. Mas eu preciso mesmo
de um trator novo? Ele é compatível com a minha área
produtiva? Quem irá manejá-lo? Ao mesmo tempo, a análise
das finanças pode auxiliar na compreensão do papel
dos gastos pessoais e/ou da família. Estarão, ou não,
demandando recursos da atividade produtiva e comprometendo o crescimento
da atividade no longo prazo? Saber lidar com essas pressões
torna evidente a necessidade de competências por parte do
empreendedor rural na administração de recursos financeiros.
A
importância dada à área financeira também
revela certas características pessoais do bom produtor rural:
visão sistêmica da sua atividade empresarial, conhecimento
do riscos envolvidos com cada decisão, capacidade e habilidade
em reunir e analisar as alternativas existentes no mercado financeiro.
O bom empreendedor rural precisa ter atitudes pró-ativas,
na gestão dos recursos próprios e também na
busca de recursos financeiros junto a terceiros, tendo habilidades
para negociar prazos e valores com os agentes financeiros do mercado.
A viabilidade e a implantação de estratégias
produtivas, comerciais e de recursos humanos, necessita de um sistema
financeiro controlado, que possibilite ao empreendedor rural trabalhar
dentro de um horizonte orçamentário planejado.
É
necessário ressaltar, uma vez mais, que as atividades administrativas
são, de fato, influenciadas pelas necessidades de consumo
familiar. A administração deve estar ciente de que
é necessário delimitar estratégias presentes
e futuras para contemplar essas demandas. Por outro lado, a manutenção
das atividades produtivas no presente deve ser capaz de promover
condições de auto-sustentação da propriedade
no futuro, contemplando, inclusive, o envolvimento dos filhos (sucessores).
Não
há como os empreendedores rurais admitirem o desconhecimento
ou descaso com as finanças. Também não é
desculpa a falta de interesse em capacitar-se nessa área
pois, às vezes, conhecimentos básicos são suficientes
para a boa condução da propriedade. Nossos trabalhos
mostram que as outras demandas acabam influenciando o empreendimento
rural mas, de fato, a procura pelo lucro é o melhor caminho
para o sucesso. É interessante notar que existe uma literatura,
de origem marxista, que sugere que o agricultor familiar não
precisa procurar o lucro. Nós continuamos procurando encontrar
o pequeno agricultor que só quer "reproduzir" suas
condições de pobreza. Felizmente, ainda não
conseguimos encontrar esse tipo de camponês no Brasil.
Para
saber mais, dos mesmos autores:
- CELLA,
D.; PERES, F.C. Caracterização dos fatores relacionados
ao sucesso do empreendedor rural. Revista de Administração
da Universidade de São Paulo, v.37, n.4, p.49-57, out./dez.
2002.
- PAVARINA,
P.R.J.P.; CELLA, D.; PERES, F.C. Farm Management: importance and
influence of the family. Trabalho a ser apresentado na Terceira
Conferência Internacional da Iberoamerican Management Academy,
em dezembro de 2003.
- PAVARINA,
P.R.J.P.; CELLA, D.; PERES, F.C. Percepção das atividades
administrativas: produtores rurais e profissionais da assistência
técnica. In: congresso Brasileiro de Economia e Sociologia
Rural, Juiz de Fora, 2003. Anais. Juiz de Fora: Embrapa Gado de
Leite, 2003. (compact disk)
Daltro
Cella é engenheiro agrônomo, administrador de empresas
e mestre em economia aplicada
Fernando Curi Peres é
professor do Departamento de Economia, Administração
e Sociologia, da Esalq-USP e presidente da Associação
Brasileira de Administração Rural (ABAR).
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