Institutos
de pesquisa agrícola no Brasil
O feijão
carioca que boa parte dos brasileiros consome era, até a
década de 60, uma cultura exclusiva de pequenos produtores.
Não estava disponível para o consumo de massa, como
encontramos hoje. Mas em 1969, o Instituto Agronômico de Campinas
lançou o cultivar IAC carioca. A nova semente pôde
então ser plantada em grandes áreas, sem quebras na
produção e, hoje, esse feijão está acessível
em mercados, armazéns e feiras livres, em qualquer época
do ano. Há 30 anos, a boiada ficava no pasto até seis
anos para atingir o peso de abate. Em 2002, bastavam 24 meses ou
menos, resultado da ação da Embrapa na área
da pecuária. O controle da broca do café por meio
da vespinha de Uganda, que marcou o início do controle biológico
de pragas na agricultura brasileira, é fruto do trabalho
do Instituto Biológico. Estes são alguns exemplos
das soluções e da modernização trazida
pelos institutos públicos de pesquisa agrícola brasileiros,
voltados exclusivamente para a pesquisa.
O agronegócio
já é responsável por cerca de 40% do PIB nacional.
É também o setor que mais emprega no país e
também o maior responsável pela pauta de exportações.
Os números da produção agrícola indicam
não apenas uma dimensão quantitativa da sua importância,
mas são também indicativos de um longo processo de
modernização tecnológica da agroindústria
nacional. Neste processo de modernização é
inegável a importância dos institutos de pesquisa agrícola.
Em vários momentos da história econômica e agrícola
brasileira, os institutos foram cruciais para a manutenção
e a expansão das culturas que se sucederam como alicerces
da economia nacional. Também enfrentaram dificuldades como
falta de recursos, esvaziamento de recursos humanos e outras que
ameaçaram a continuidade das pesquisas ali realizadas.
Entre
1890 e 1920 o estado de São Paulo assistiu a uma rápida
ocupação do seu território pelas lavouras de
café e se transformou no principal centro econômico
do país. O café transformou o cenário paulistano
e o nacional. Os investimentos feitos em ferrovias, no comércio,
a vinda dos imigrantes etc, deram início à primeira
fase da industrialização do país e tamanha
expansão necessitava de suporte técnico que assegurasse
sua continuidade e sua expansão. Assim, em 1887, foi criada
a Imperial Estação Agronômica de Campinas, por
um decreto de D. Pedro II para estudar essencialmente a cultura
do cafeeiro. Tal ação se alicerçava na idéia
de que a tecnologia e a ciência poderiam alavancar o sucesso
dos empreendimentos daquela época. Os estudos do IAC visaram
desenvolver cultivares que se adaptassem a várias regiões
brasileiras. Ao longo de mais de setenta anos de pesquisas, surgiram
plantas de porte baixo ou alto, maturação tardia ou
precoce, com maior ou menor resistência à ferrugem,
para regiões mais frias, de maior altitude, e assim por diante,
conforme a necessidade do produtor e da região onde o café
seria plantado. O IAC organizou a cafeicultura brasileira, interrompendo
quase quatro séculos de agricultura extensiva e predatória
no Brasil. No ano passado, foi iniciada a pesquisa com o genoma
do café no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos
Genéticos Vegetais. O objetivo é descobrir quais são
os genes que conferem a característica de resistência
da planta, que regulam o tempo de maturação do fruto
e que dão qualidade à bebida. Trata-se de um projeto
conjunto com a Fapesp, que procura desenvolver uma planta ideal,
resistente a pragas, de maturação rápida e
boa para ser consumida.
Mas
o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que completou 116
anos de existência em 2003, vem enfrentando problemas que
vão desde a evasão do quadro de pesquisadores e falta
de pessoal de apoio às equipes de pesquisa, à falta
de recursos para abastecer os veículos para o deslocamento
das equipes de trabalho e para segurança do prédio,
facilitando a ocorrência de roubos nas unidades. "A situação
é extremamente grave", diz o pesquisador do Centro de
Soja do IAC e ex-presidente da APqC (Associação de
Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo),
Nelson Braga. "Se quebra uma máquina ou se ocorrem roubos
não há como repor o prejuízo e isso prejudica
as linhas de trabalho. Há projetos parados e vários
com ritmo reduzido", explica.
No
estado de São Paulo o governo tentou uma reestruturação
de seus institutos de pesquisa agrícola através da
criação da Agência Paulista de Tecnologia dos
Agronegócios (Apta). O objetivo da criação
da agência que integra o Instituto Agronômico de Campinas,
Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola,
Instituto de Pesca, Instituto de Zootecnia e Instituto de Tecnologia
de Alimentos, foi organizar as instituições para um
trabalho conjunto e articulado, atendendo a um conceito de cadeias
de produção. Segundo o coordenador geral da agência,
José Sidney Gonçalves, pelo novo conceito é
possível pensar em todo o processo produtivo, desde o produtor
até o consumidor final com objetivo de ser competitivo em
todas as etapas. "Não há mais espaço para
a pesquisa isolada", diz ele. Com mais de ano de atuação,
Gonçalves faz um balanço positivo da agência:
"Um dos mais importantes resultados é a autorização
para o concurso que vai contratar 382 novos pesquisadores tanto
para os pólos regionais quanto para os institutos".
Outro
resultado da ação da Apta é o trabalho da pesquisadora
Flávia Maria Bliska, do Centro do Café do IAC. Ela
faz atualmente uma prospecção das principais demandas
de pesquisa na cafeicultura paulista. Através desse trabalho
será possível determinar qual o melhor direcionamento
dos recursos. Apesar da sua pesquisa atender a uma necessidade da
nova agência, Flávia acredita que ainda não
houve uma consolidação ativa da Apta. "Não
está funcionando como deveria. É um processo lento.
A Apta ainda não está conseguindo coordenar a pesquisa
por cadeia produtiva", explica ela. Esta também é
a opinião do pesquisador Eduardo Bulisani, Assessor da Diretoria
Geral do IAC: "A reestruturação será efetiva
a partir do momento em que ela consiga de fato consolidar e aumentar
seu orçamento para atendimento das demandas dos institutos".
Para Nelson Braga, a agência não passa de uma entidade
virtual cujo único resultado foi promover a concentração
de recursos em detrimento da capacidade institucional dos institutos
de pesquisa. "O resultado é desastroso e se continuar
assim os institutos vão desaparecer", diz ele. O avanço
da pesquisa agropecuária através da atuação
dos institutos de pesquisa deixa o Brasil numa posição
confortável de produtividade e qualidade dos seus produtos.
Mas apesar dessas conquistas, o apoio aos institutos de pesquisa
é instável, o que, em determinados períodos,
chega mesmo a ameaçar a continuidade de muitas pesquisas.
O maior
centro de tecnologia agropecuária tropical do mundo, a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é outro
exemplo de instituição que transformou a agricultura
brasileira, mas que também enfrenta problemas. A empresa
completou trinta anos de existência em meio a dificuldades.
Redução do orçamento, redução
do quadro de pesquisadores, atraso nos pagamentos dos funcionários
e até cortes de energia elétrica marcaram o aniversário
da instituição. A Embrapa foi criada em 1973, com
o objetivo de executar pesquisas e desenvolvimento em agropecuária
e transferir tecnologias resultantes das pesquisas. Um conjunto
de tecnologias para incorporação dos cerrados no sistema
produtivo tornou a região responsável por 40% da produção
brasileira de grãos, uma das maiores fronteiras agrícolas
do mundo. A soja, originalmente uma cultura de clima temperado,
foi adaptada às condições brasileiras e hoje
o Brasil é o segundo produtor mundial. Cerca de 53% da área
brasileira semeada com soja utiliza cultivares desenvolvidos com
a participação da Embrapa, número que salta
para 90% no feijão e no arroz. Atuando no setor de pecuária,
as pesquisas da Embrapa multiplicaram por três a oferta de
carne bovina e suína enquanto a de frango aumentou dez vezes.
A produção de leite aumentou de 7,9 bilhões
em 1975 para 21 bilhões de litros, em 2002. Uma das últimas
novidades na Embrapa é o desenvolvimento de pesquisas para
o cultivo do algodão orgânico colorido, usando bactérias
e fungos para o controle biológico das pragas, associados
a outros métodos de controle. As perspectivas para o novo
negócio são boas porque o preço do algodão
colorido pode chegar ao dobro do preço do algodão
branco.
A Embrapa,
pela sua atuação em todo território nacional
e por ser uma instituição federal que dispõe
de mais recursos pode, às vezes, sombrear a ação
de institutos estaduais. O Instituto Agronômico do Paraná
(Iapar) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do
Rio de Janeiro (Pesagro), são exemplos de instituições
importantes mas que não têm grande visibilidade fora
dos estados onde atuam.
O Iapar,
que também trabalha com o conceito de cadeia produtiva existe
há 31 anos no Paraná e já criou cerca de 116
variedades de plantas com destaque para uma variedade de café
resistente à ferrugem, o que implica menos uso de pesticidas,
maior produtividade nas lavouras e melhor qualidade de vida para
o produtor. Uma outra variedade acrescentou 20% a mais de proteína
no feijão. Para o diretor-presidente do Instituto, Onaur
Juano, falta um trabalho de marketing mais forte nas instituições
estaduais. "O marketing mais agressivo da Embrapa faz com que
se tenha construído uma imagem de que no Brasil apenas ela
faz pesquisa agropecuária". Para tentar minimizar o
problema de visibilidade das instituições estaduais
o Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária
(Consepa), que congrega 16 organizações de pesquisa
de vários estados brasileiros tem entre outras funções
representar e defender os interesses e direitos dos Sistemas Estaduais
de Pesquisa Agropecuária, no terreno técnico-científico,
econômico e político institucional.
A Pesagro
também é membro da Consepa e procura recursos junto
à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro (Faperj ) para aumentar o quadro de pessoas que
possam trabalhar com a questão de divulgação
de suas pesquisas e resultados. O principal foco da Pesagro é
o apoio à agricultura familiar, porque no estado do Rio 80%
das propriedades são menores que dez hectares. "Como
grande parte da mão-de-obra é familiar, nosso olhar
não é para a produção de feijão
ou milho, mas para o produtor no sentido de organizar a pequena
produção como um todo e melhorar a condição
de vida das pessoas", explica Maria Luíza de Araújo,
diretora técnica da instituição. Um dos projetos
organizou pequenas agroindústrias rurais incentivando o plantio
de frutas como abacaxi, acerola e maracujá para serem processadas
e vendidas no mercado local, alcançando preços maiores
do que os que se conseguiria vendendo as frutas in natura.
Também
no estado de São Paulo boa parte das propriedades pertence
ao pequeno proprietário rural. Das 284 mil propriedades rurais
produtivas, aproximadamente 156 mil são caracterizadas como
familiares. Em 1967 foi criada a Coordenadoria de Assitência
Técnica Integral (Cati) que se destacou no atendimento preferencial
ao pequeno produtor, acompanhando a evolução do agronegócio
paulista e desempenhando papel importante na transferência
das novas tecnologias desenvolvidas nos institutos de pesquisa.
A Cati, que estabelece entre seus objetivos o desenvolvimento agrícola
em harmonia com o meio ambiente, coordena o Programa Estadual de
Microbacias Hidrográficas. O programa tem em vista aumentar
o bem-estar das populações rurais através da
implantação de sistemas de produção
que garantam melhoria no nível de renda, mais produtividade,
recuperação de áreas degradadas e preservação
do meio ambiente e das águas. Pretende, entre outros objetivos,
fixar o homem no campo evitando, assim, o êxodo rural. O trabalho
é feito de forma integrada, com várias famílias
que vivem próximas a microbacias hidrográficas, enfrentando
os problemas como erosão do solo, irrigação,
conservação de estradas, entre outros. O trabalho
ajuda a diminuir custos e amplia os resultados. Atualmente o Programa
já tem a adesão de 455 municípios no estado
de São Paulo. Merece destaque ainda a ação
do Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes - DSMM, que beneficia
agricultores em todo o país colocando à disposição
dos produtores mudas e sementes com garantia de qualidade genética,
fisiológica e sanitária.
A modernização
da agricultura tem como conseqüência direta a alta produtividade.
A maior aplicação de insumos, o aumento da mecanização
e a melhoria dos insumos biológicos contribuem para estes
resultados. Os institutos de pesquisa agrícola desempenham
esse papel modernizador, procurando adaptar a produção
agrícola brasileira às necessidades do mercado. A
tecnologia desenvolvida nos institutos permite que não apenas
se faça agricultura de qualidade, mas, principalmente, que
se faça agricultura em áreas geográgicas diferentes,
como resultado da obtenção de plantas bem adaptadas
à agricultura tropical.
Transformações
no papel do Estado, mudanças técnico-científicas
(novas tecnologias como biotecnologia, microinformática e
outras) e os novos padrões concorrenciais e globalizados
nos mercados modificaram as instituições de pesquisa
nos últimos anos, acompanhando um fenômeno global de
mudança nos padrões do conhecimento científico
e da inovação tecnológica. A diminuição
do papel do Estado na economia resultou num corte expressivo de
verbas para as instituições de pesquisa brasileiras,
atrasando ou até impedindo a integração dessas
instituições em novas pesquisas tecnológicas,
como a biotecnologia. Houve também a redução
dos quadros de pesquisadores ou o esvaziamento por causa dos baixos
salários. Para enfrentar essa crise muitas instituições
buscaram se adequar mais às necessidades colocadas por demandas
externas, vendendo produtos, realizando parcerias com o setor privado
e buscando fontes alternativas ao recurso governamental. O Brasil
ainda busca uma adequação a esse novo quadro, seja
pela definição de nova política agrícola
quanto pela definição do lugar dos institutos de pesquisa
no cenário da pesquisa e desenvolvimento tecnológico
nacionais.
O produtor
brasileiro enfrenta uma concorrência voraz de produtos importados
de países que subsidiam fortemente a agricultura, ao contrário
do Brasil. Enquanto produtores europeus pagam, em média,
7% de impostos, os brasileiros arcam com uma taxa de 33%. Assim,
para fazer frente aos importados precisamos de novas tecnologias
que possam garantir nossa competitividade através da redução
de custos com os processos de produção e comercialização,
aumento da produtividade e melhoria da qualidade. A tecnologia é
a chave da produtividade. Os institutos de pesquisa agrícola
no Brasil marcaram a história agrícola e econômica
do país. O investimento contínuo nas pesquisas, a
manutenção e ampliação dos institutos
são garantia da presença do Brasil no cenário
globalizado e cada vez mais competitivo. Os novos padrões
de qualidade exigidos em relação aos alimentos só
podem ser conseguidos via tecnologia o que nos faz concluir que
a capacitação nacional em ciência é fundamental.
Qualquer política agrícola deve considerar os institutos
de pesquisa primordiais para o agronegócio brasileiro.
Para
saber mais visite o site: www.pr.gov.br/iapar
Bibliografia
consultada: Ciência,
tecnologia e inovação - a reorganização
da pesquisa pública no Brasil - Vários autores.
Coordenação de Sergio Salles-Filho, Editora Komedi
e Capes. 2000.
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