Desmatamento
na Amazônia: o novo nome da soja
Nilo
D'Avila
A taxa
anual de desmatamento na Amazônia Legal estimada para o período
agosto/2001 - agosto/2002 - em alarmantes 25.500 km2, é a
segunda maior da história e equivale a 5,1 milhões
de campos de futebol. De acordo com estimativas do Instituto Nacional
de Pesquisa Espacial (Inpe), a destruição em apenas
um ano da floresta com a maior biodiversidade do planeta foi maior
do que a área total do estado de Sergipe e pouco menor do
que a Bélgica. Em relação ao período
de 12 meses anteriores, o desmatamento 2001-2002 aumentou incríveis
40%.
Parte
da explicação para o aumento supreendente está
na ampliação da área plantada na região,
no boom do gado, da soja e do arroz, que crescem em direção
ao coração da Amazônia. Também pesa a
desvalorização do real no início de 2001, a
maior competitividade da madeira abatida impunemente na região,
a inexistência de crédito para manejo sustentável
dos recursos florestais e a crônica incapacidade de implementação
de órgãos governamentais - como o Ibama - fragilizados
por anos de sucateamento orçamentário.
É
preciso considerar que o satélite TM-Landsat, utilizado pelo
Inpe, respeitável instituto que monitora o desmatamento no
Brasil, não consegue "captar" derrubadas em áreas
menores que 6,25 hectares, deixando de fora o impacto provocado
por milhões de pequenos posseiros. Além disso, os
dados não incluem o corte seletivo, resultante da atuação
de milhares de madeireiros que operam na Amazônia e tampouco
o desmatamento provocado por grandes incêndios florestais,
como o de Roraima em 1998. Mas é assustador o fato de que
os novos dados do Inpe representam apenas uma projeção:
os números reais devem ser ainda maiores.
No
ano passado, por exemplo, ao divulgar os dados de desflorestamento
no período agosto de 1999 - agosto de 2000 (18.226 km2) que
mostravam um aumento na área desmatada em relação
ao período anterior, o governo Fernando Henrique Cardoso
preferiu comemorar uma pretensa queda de 13% no desmatamento com
base nas projeções do Inpe, de 15.184 km2 para o período
seguinte (2000-2001). Parte da imprensa nacional e internacional
repercutiu a "boa notícia" - mas o próprio
instituto agora admite que o desmatamento real no período
foi de 18,200 km2. Um erro de mais de 3.000 km2 - ou 600 mil campos
de futebol.
O Ministério
do Meio Ambiente já tinha os números há algum
tempo e pretendia divulgá-los depois de analisados em conjunto
com outros ministérios - o que deveria ocorrer na próxima
semana. Desta vez, a imprensa chegou primeiro. Agora, espera-se
a divulgação não apenas dos números
e análises, mas também das receitas para o imenso
problema herdado pelo governo Lula, que ainda não tem culpa
no cartório do desmatamento, mas terá que enfrentar
um imenso desafio: produzir alimentos para combater a fome, aumentar
emprego e renda, expandir o consumo interno e as exportações,
investir em infraestrutura, retomar o crescimento econômico
prometido durante a campanha eleitoral - em suma, criar a sociedade
de consumo de massa preconizada nas propostas do Plano Brasil para
Todos, em debate com a sociedade e que será enviado ao Congresso
em setembro - tudo isso mantendo um outro compromisso pétreo
de campanha: o respeito ao meio ambiente e à preservação
da Amazônia.
Boas
intenções capitaneadas por um ministério de
baixo orçamento, como o Ministério do Meio Ambiente
(MMA), não bastam. Não custa lembrar que o ministro
José Sarney Filho foi incensado por muitas ONGs durante o
segundo governo FHC por suas medidas contra o desmatamento e pela
canalização de recursos internacionais do PPG7 para
programas de desenvolvimento sustentável, combate a queimadas
etc. Essas medidas, no entanto, apenas mitigaram o problema sem
atingir as verdadeiras causas econômicas e socias da destruição
da Amazônia, tais como a expansão da agricultura e
da pecuária, as queimadas fora de controle, o avanço
descontrolado da exploração ilegal de madeira, a abertura
de estradas, os assentamentos do Incra em áreas de floresta,
as invasões estimuladas ou espontâneas.
Resultado:
um quarto do desmatamento total da Amazônia aconteceu durante
os últimos oito anos, no governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Os mais de 157 mil km2 de floresta destruídos nesse
período representam um triste legado para o governo Lula,
que só poderá avaliar o tamanho do estrago quando
computar os dados de desmatamento no segundo semestre de 2002 -
quando são feitas as queimadas e o preparo do solo para a
agricultura e pastagem. Além da imensa perda de biodiversidade
e da ameaça a povos e culturas tradicionais, o desmatamento
da Amazônia afeta o ciclo das águas e adiciona, segundo
o Ipam - Instituto de Pesquisa da Amazônia - 200 milhões
de toneladas de carbono à atmosfera, tranformando o Brasil
num dos 10 maiores vilões do clima, responsáveis pelo
aquecimento global.
Um
fato é certo: o problema fugiu do chamado "Arco do Desmatamento"
- que vai do Leste e sul do Pará em direção
oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre -, impulsionado
por um consórcio madeira-pastagem-produção
de grãos para exportação (2). Não se
trata mais de pequena frente de desmate provocadas por colonos que
se instalam em áreas remotas, mas grandes áreas de
florestas sendo removidas em regiões até então
distantes do fenômeno de expansão da fronteira agrícola.
Grandes desmatamentos e frentes de grilagem de terras públicas
estão ocorrendo em Apuí, Lábrea, Manicoré,
Boca do Acre, Novo Aripuanã e Rodovia do Estanho, no Amazonas,
estado até então bastante preservado.
Em
Manicoré , num trecho conhecido como "180" na rodovia
Transamazônica, um único grileiro disse para pesquisadores
do Greenpeace que pretende "ganhar US$ 1 milhão"
vendendo terras na área para fazendeiros vindos do Mato Grosso.
Em Lábrea e Boca do Acre, no sul do Amazonas, mais de 15
mil hectares ao longo do "Ramal dos Baianos" foram desmatados
entre fins do ano passado e primeiro semestre deste ano, antes que
o Ibama chegasse à área.
Fortes
desmatamentos estão ocorrendo também na margem esquerda
do Rio Amazonas, ao longo da estrada que sai de Oriximiná
em direção a Prainha, passando por Óbidos,
Alenquer e Monte Alegre, no Pará. Lá, soja e madeira
fazem a festa. O mesmo ocorre no entorno dos assentamentos do Incra
Moju 1, 2 e 3, entre Santarém e Uruará, e no sudeste
da chamada "Terra do Meio", localizada entre os rios Xingu
e Tapajós. O ataque dos predadores à região
se dá também pelo oeste, vindo de Novo Progresso,
pólo madeireiro às margens da rodovia Cuiabá-Santarém
(BR-163). A rodovia, que deverá ser asfaltada durante o atual
governo, virou rota de migração de plantadores de
soja e arroz financiados pela extração de madeira
farta e de fácil "legalização". No
mês de junho de 2003, à parte sul da rodovia, em Mato
Grosso, concentrou a maioria dos focos de queimadas identificada
pela Embrapa. Em Santarém, segundo maior porto de exportação
de madeira do Pará, a multinacional Cargill inaugurou um
porto graneleiro para escoar a soja. Produtores do sul invadiram
a cidade nos últimos seis meses e compraram toda a terra
disponível. A euforia da soja já está afetando
os igarapés que formam o lago da turística localidade
de Alter do Chão, segundo lideranças locais. Tudo
isso sem qualquer zoneamento ou controle, ou mesmo estudos para
identificação das reais potencialidades econômicas
da região.
Nesse
contexto a ministra Marina Silva tem uma tarefa hercúlea:
implica envolver todos os ministérios - dos que liberam recursos,
apontam rumos e aprovam orçamentos (como Fazenda e Planejamento)
aos que gerenciam a destruição das florestas (como
o Ministério da Agricultura, Indústria, Integração
Regional, Transportes, Minas e Energia) na definição
de um programa de desenvolvimento econômico e social que tenha
a questão ambiental como pedra angular, e não como
problema a ser contornado para agradar a opinião pública.
Isso inclui fortalecer o braço operacional do MMA - o Ibama
- que tem como missão, entre outras, fiscalizar, monitorar
e punir a exploração ilegal e predatória dos
recursos naturais.
A riqueza
da Amazônia, região de solos pobres e alta pluviosidade,
está na floresta em pé e na implementação
de um novo modelo de desenvolvimento, baseado na sustentabilidade
ambiental e uso responsável dos recursos naturais (2). Há
bons indicadores de uma mudança considerável na maneira
como a Amazônia será tratada daqui para a frente. Há
três messes, por exemplo, a ministra Marina e o ministro da
Integração Regional, Ciro Gomes, presidiram um debate
no Pará sobre certificação pelo FSC (Conselho
de Manejo Florestal), única forma de controlar a origem da
madeira explorada na Amazônia - uma dos principais abre-portas
do desmatamento.
Na
ocasião, o presidente do Banco da Amazônia (BASA),
Mâncio Lima, anunciou solenemente que o banco, responsável
por 82% do crédito de fomento e 42% do crédito total
na região, não dará financiamentos para atividades
que representem desmatamento - sejam elas a pecuária ou a
incensada soja que ocupou o cerrado e agora invade a floresta amazônica.
Mas como ficará a reestruturação da Sudam,
histórica financiadora do desmatamento na Amazônia?
Como ficará a questão das grandes obras previstas
para a Amazônia como o gasoduto planejado pela Petrobras para
o gás de Urucu, no Amazonas; a hidrelétrica de Belo
Monte, no Pará; o asfaltamento da Rodovia Cuiabá-Santarém
para escoar a soja do Mato Grosso (e a madeira, soja, arroz etc
do Pará)... só para citar alguns casos de grandes
indutores da destruição do patrimônio florestal?
A questão
do desmatamento é complexa e tem profundas raízes
sociais, tecnológicas, econômicas e até mesmo
culturais. Enquanto o governo não adotar um plano nacional
de combate ao desmatamento, confiável e adotado pela sociedade,
optando definitivamente pela sustentabilidade econômico-ambiental
e assumindo compromissos concretos com a ampliação
de áreas protegidas e de uso social sustentável (incluindo
a demarcação de terras indígenas), a cada ano
teremos que lamentar a perda de biodiversidade e o aumento da injustiça
social e ambiental.
Nilo
D'Avila é coordenador do Programa de Comunidades Tradicionais
- Greenpeace Amazônia
|