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Tecnologia agrícola favorece grande produtor

A safra brasileira poderá bater novo recorde em 2004 e ultrapassar 125 milhões de toneladas, segundo expectativas do Ministério da Agricultura. De janeiro a agosto de 2003, o Brasil exportou 820 mil toneladas de carne bovina, 40,5% a mais do que em igual período de 2002, e se firmou como o maior exportador mundial do produto em volume. Por trás desses números, estão os investimentos em tecnologia. "O atual sucesso do agronegócio se deve a sistemáticos investimentos em pesquisa e tecnologia na agropecuária. Houve aumento expressivo na produtividade e diminuição de custos de produção", afirma a pesquisadora Nilda Tereza Cardoso de Mello, do Instituto de Economia Agrícola (IEA). "Hoje, o agronegócio é o setor que segura a economia nacional", afirma o pesquisador da Unicamp Antonio Márcio Buainain, especialista em economia agrícola.

Mas, quem tem acesso à tecnologia? Antes de responder à pergunta, é importante levar em consideração que, apesar dos avanços na agricultura brasileira, a estrutura agrária ainda é extremamente concentrada. Dos 4,6 milhões de agricultores do país, cerca de 4,1 milhões são agricultores familiares, com pouca terra e acessos limitados a créditos, conhecimentos e tecnologias. Os outros 500 mil agricultores são os que têm mais terra, maior acesso à tecnologia e produzem mais. Essa desigualdade histórica explica porque os avanços tecnológicos, em sua maioria, ainda são realidades distantes da maioria dos produtores rurais. "O desenvolvimento de uma tecnologia é geral, não leva em consideração se vai ser usada por um grande ou pequeno produtor. O desenvolvimento final dela é que vai focar o mercado", explica Buainain.

Em outras palavras, a tecnologia está aí para ser usada, mas não é todo produtor que consegue aplicá-la em sua propriedade. Sem assistência técnica ou acesso ao crédito ela se torna inviável para o pequeno produtor. Na opinião do pesquisador Frederic Bazin, do Instituto de Economia da Unicamp, para reverter essa realidade existem duas soluções possíveis. "Uma seria a geração de tecnologia para agricultores com menos condições, o que é mais difícil. A outra seria transformar a estrutura do agricultor marginalizado, oferecendo acesso à terra, crédito e assistência técnica para que ele pudesse adotar também a tecnologia mais comum ao agricultor maior", diz. "Acho que o principal obstáculo dos pequenos agricultores não é a falta de tecnologias aplicadas, mas a precariedade dessas condições", completa Buianain.

A indústria brasileira voltada para o campo se desenvolveu sobretudo para os grandes produtores, segundo os pesquisadores. Os tratores mais eficientes, por exemplo, são grandes, ideais para cultivos em áreas extensas. "O pequeno produtor tem dificuldade de encontrar máquinas eficientes menores, ideais para o cultivo em pequenas terras", explica Buianain. "Os agricultores familiares têm dois recursos escassos: a mão-de-obra familiar e a terra. Se ele tivesse uma máquina eficiente, poderia resolver esse problema", ressalta.

Apesar dos avanços, ainda hoje, em muitos locais do Brasil, a maioria dos trabalhadores utiliza apenas a enxada para dar conta do trabalho. "Segundo um estudo que fizemos, 70% da força dos agricultores do Norte e Nordeste do país ainda é manual", compara Bazin.

Que a tecnologia é essencial para que o produtor consiga competir no mercado é fato inegável. O crescimento da produção de feijão do sudoeste paulista é um exemplo. De acordo com a pesquisadora Nilda Mello as contribuições tecnológicas das instituições estaduais de pesquisa têm possibilitado avanços na produtividade agrícola, direcionados à melhoria do material genético dos cultivares e em produtos e métodos de tratamentos fitossanitários. "A incorporação de tecnologia na atividade agropecuária traz resultados não só no aumento físico de produção, via ganhos de produtividade, mas também em alterações no custo do produto", diz a pesquisadora. Mas o problema de acesso à tecnologia permanece. Os pequenos produtores de feijão, por exemplo, principalmente nas grandes regiões produtoras paulistas, têm consciência da importância de incorporar tecnologia moderna, como maior dosagem de adubos e calcários, agrotóxicos, sementes melhoradas, tratores e equipamentos adequados. "Mas, nem sempre compensa, pois o custo pode proporcionalmente se elevar mais, devido à pequena escala (pouca terra para o plantio), que inviabiliza a compra de máquinas, fora a dificuldade de obter financiamento para a aquisição de insumos", destaca.

Cada caso um caso
Geralmente, a incorporação tecnológica na produção agropecuária eleva seus custos por unidade de área. "Esse aumento de custo tem de ser compensado pelo aumento dos níveis de produtividade e quase sempre são", explica Nilda Mello.

O pesquisador da Embrapa Amélio Dall´Agnol, especialista em soja, cita um exemplo dessa "compensação". Na década de 60, a produtividade da soja não passava dos 1.200 kilos por hectare com o uso de pouca tecnologia. "Digamos que esse pacote tecnológico custasse R$ 400,00 por hectare para produzir 30 sacos por hectare. Hoje, o produtor gasta em torno de R$ 700,00 por hectare, mas colhe quase 3 mil kilos por essa área, ou 50 sacos por hectare", compara. As inovações tecnológicas dependem da realidade de cada produtor. Por isso, na hora de investir é preciso considerar o custo/benefício de cada uma.

Mas, será que as inovações tecnológicas não podem, em alguns casos, prejudicar o produtor? Na parceria entre a Monsanto e a Embrapa para estudo da soja resistente a um tipo de herbicida, por exemplo, foi firmado um contrato determinando que os produtores de sementes pagariam royalties à Embrapa pelo uso da cultivar protegida em seu nome e que a Monsanto receberia dos produtores uma taxa pelo uso de sua tecnologia, protegida com amparo na Lei de Propriedade Industrial.

Em relação a esta negociação, a opinião de Buainain é que a Monsanto não tem o monopólio da produção da semente, apenas a sua patente. "Todo produto tem pagamento de royalties, se é patenteado ou não depende da empresa que o produz. Não vejo um risco de monopólio. Hoje, os agricultores que compram sementes melhoradas já pagam isso", explica. Para o pesquisador Frederic Bazin, é preciso atentar para a situação de dependência dos agricultores quando isso acontece. "Hoje, há um movimento na agricultura para que o produtor tenha mais domínio na sua produção", afirma.

Segundo Dall' Agnol, neste contrato entre a Monsanto e a Embrapa, o produtor não será prejudicado. "Ele terá a opção de plantar variedades da Embrapa sem o gene da Monsanto. Ele só plantará as variedades transgênicas se entender que terá vantagens, pelo menor custo em herbicidas e pela facilidade que terá de controlar o mato", afirma. "O que poderá acontecer de ruim com a soja transgênica é a possibilidade do monopólio das sementes ficar em mãos de transnacionais e desestruturar o setor de sementes do país", completa.

Produtos orgânicos
Investimentos em tecnologia não significam apenas aumento da produtividade. Hoje, com o mercado cada vez mais competitivo, os produtores têm de se adequar às necessidades e exigências do consumidor e evitar atitudes que agridam o meio ambiente. "A tecnologia é desenvolvida para proporcionar diminuição do custo de produção e também outros benefícios que melhorem a qualidade de vida, saúde e bem-estar no trabalho do campo", afirma o pesquisador Ricardo Trippia dos Guimarães Peixoto, que faz parte da equipe de agricultura orgânica da Embrapa Agrobiologia. "Em agricultura orgânica, o que se procura é diminuir a dependência do produtor a insumos externos. As tecnologias visam aproveitar melhor os recursos naturais existentes e disponíveis", completa.

As tecnologias utilizadas nos sistemas orgânicos de produção, segundo Peixoto, são, em geral, de uso intensivo de trabalho. Isso acaba provocando um aumento do custo de produção referente à maior demanda de mão-de-obra. Este aumento, afirma ele, é mais importante para agricultores não familiares, na medida em que determina um aumento no desembolso financeiro, fato que não necessariamente ocorre junto a agricultores familiares, principalmente os de menor padrão tecnológico na agricultura convencional. "Terminado esse período de conversão do sistema convencional para o sistema orgânico de produção, há uma tendência dos custos de produção se igualarem, sendo compensado o aumento do custo com mão-de-obra pela redução nos gastos com insumos industriais", explica.

O mercado mundial consumidor de produtos orgânicos cresceu de US$ 10 bilhões em 1.997 para US$ 17 bilhões em 2.000, assumindo uma taxa de crescimento global anual de 20%, de acordo com informações do International Trade Center. Esse crescimento expressivo da agricultura orgânica no mercado interno e externo e a dependência de sua certificação às normas padronizadas têm pressionado os produtores na busca de tecnologias para o manejo agropecuário orgânico.

Como exemplo, Peixoto cita a economia de US$ 2,5 bilhões nos gastos na última safra de soja, com uma técnica conhecida como fixação biológica de nitrogênio (FBN). "Não é preciso usar adubo mineral, como uréia, para adubar a soja. Outras culturas também têm potencial de serem autosuficientes com a FBN, como a cana-de-açúcar, o arroz e o feijão. "Algumas plantas leguminosas, como o feijão de porco e o guandu, também ajudam a controlar nematóides no solo, chegando a 100% de controle", ressalta.

O controle biológico de pragas e doenças em diversas culturas é outro exemplo de tecnologias de baixo custo.

Desenvolvimento tecnológico
Segundo Nilda Mello, do IEA, a modernização do campo é oriunda de pacotes tecnológicos importados. "Somos dependentes de importação de adubos e de agrotóxicos, que consomem divisas e encarecem os custos", diz.

Apesar disso, não há como negar os avanços tecnológicos que o país tem registrado nos últimos anos. Para Buianain, o Brasil tem uma longa tradição em gerar tecnologia para a agricultura. "A Embrapa, criada nos anos 70, fez um esforço para capacitar pessoas para desenvolver tecnologia", diz. O pesquisador José Carlos Cruz, da Embrapa Milho e Sorgo, confirma. "Por estar na região tropical, o Brasil praticamente desenvolveu quase todas as tecnologias e é considerado líder no desenvolvimento de tecnologias para as condições tropicais. Como exemplo, pode-se citar a expansão da soja e do sistema de plantio direto em todo o país, assim como a disponibilidade das cultivares de quase todas as culturas", diz.

Se a necessidade obrigou o país a investir em pesquisas, a competitividade atual exige ainda mais. "O futuro da ciência e da tecnologia no Brasil dependerá do reconhecimento dos governantes, destinando, nos orçamentos federais e estaduais, recursos para os programas em desenvolvimento. Isso não tem acontecido, porque a cada ano os orçamentos para a pesquisa têm diminuído, comprometendo programas importantes em andamento", destaca o pesquisador João Carlos Medeiros Madail, da Embrapa.

Os pesquisadores vêem a necessidade de se criar políticas públicas direcionadas, que privilegiem tanto o agronegócio como os pequenos produtores. "É preciso articular uma política a médio e longo prazo ou os agricultores familiares vão se reduzir cada vez mais", alerta Bazin. O desafio, segundo eles, é proporcionar à agricultura brasileira uma mudança estrutural - lenta, continuada e sustentada.

Para Dall'Agnol, o Brasil tem de investir mais em Ciência e Tecnologia para não depender de outros países para o seu desenvolvimento agrícola. "Os países ricos são ricos porque desenvolveram suas próprias tecnologias e conseguiram isso porque investem mais de 2% do seu PIB em C & T, enquanto o Brasil investe menos de 1%. Quem domina o mundo não é quem possui mais recursos naturais e sim que tem maior domínio tecnológico", diz.

"Há consciência de que as tecnologias geradas pela pesquisa, à disposição dos produtores, só se viabilizam quando existe vontade política e ambiente para tal. A pior dependência é a do conhecimento", completa o Madail. "O desestímulo à geração de conhecimento custa muito caro aos cofres do país e dos brasileiros."

(GG)

 
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Atualizado em 10/10/2003
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