Tecnologias
transformam emprego no campo
O rápido
processo de implementação de novas tecnologias na
agricultura tem alterado o perfil do emprego ligado ao agronegócio
brasileiro. O estabelecimento de algumas tecnologias resultou na
diminuição dos postos de trabalho no campo, ou no
deslocamento destes para outras atividades. A intensa velocidade
com que esse processo vem ocorrendo não permitiu uma adequada
reinserção do trabalhador desempregado nas novas funções
geradas, devido à qualificação exigida. Entretanto,
outras tecnologias, que agregam valor aos produtos do campo ou promovem
um aumento na produção sem substituírem o trabalho
humano, podem aumentar o número de empregos ao estimular
o crescimento, como ocorre na fruticultura, horticultura e pecuária.
Walter
Belik, professor do Núcleo de Economia Agrícola da
Unicamp, defende que a decisão de implementar uma nova tecnologia
no campo não deve ser unilateral, apenas do capitalista que
aplica investimentos no campo, mas uma decisão que respeite
os interesses dos trabalhadores envolvidos, levando em conta as
condições econômicas, sociais e fiscais. "Estas
mudanças devem ser feitas em um processo mais transparente
do que o atual e discutidas entre proprietários, governo
municipal, sindicatos e organizações sociais. Porém,
isso não é freqüente no Brasil onde, em geral,
as decisões sobre o uso de tecnologias são individuais,
mas não deveriam ser assim", avalia o economista.
Existem
poucos estudos que avaliam o impacto das novas tecnologias no emprego
agrícola, sobretudo que sejam anteriores à sua implementação
- diferente da questão ambiental e dos riscos para a saúde
humana, priorizados na legislação e nas discussões
para a liberação de certas tecnologias.
Tecnologias
substituindo o trabalho humano
As
inovações tecnológicas agrícolas
podem ser classificadas em químicas, biológicas
ou mecânicas. Em geral as inovações químicas
e biológicas são poupadoras de terra, ou seja,
permitem que, em uma mesma área, tenha-se uma maior produção.
A mecanização intensa - expressa pelo uso de tratores
e máquinas nas diversas fases da produção
agrícola - diminui o número de postos de trabalho.
Certas inovações não se enquadram nesses
três tipos como, por exemplo, a drenagem e a irrigação.
Porém, estas são potencializadoras de outras inovações
e podem resultar tanto em maior produção por área
- o que gera emprego -, quanto diminuir os postos de trabalho
pela maior eficiência. Outra forma de classificar as tecnologias
no agronegócio considera o fato de serem implementadas
"dentro da porteira" - associadas à diminuição
de postos de trabalho - ou "fora da porteira" - para
agregar valor aos produtos, o que demanda mais mão-de-obra.
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A mecanização
da colheita do café, soja, algodão e cana-de-açúcar,
resultou em um forte impacto negativo sobre o emprego dos chamados
trabalhadores volantes, os "bóias-fria". Guilherme
Francisco Waterloo Radomsky, pesquisador da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, lembra que, no Rio Grande do Sul, um estado
que é grande produtor de soja pelos agricultores familiares,
as pessoas ocupadas nas culturas de soja passaram de 308 mil em
1992 para 181 mil em 1999, segundo dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do IBGE. A cultura de fumo também
perdeu, apenas no Rio Grande do Sul, cerca de 40 mil postos de trabalho
no mesmo período
Recentemente,
a introdução de variedades geneticamente modificadas,
que dispensam tratos culturais - feitos pelo homem - , também
tirou postos de serviço o campo. "A soja modificada
geneticamente pela Monsanto para resistir ao herbicida glifosato
dispensa atividades como, por exemplo, a retirada de ervas daninhas,
ou aplicação de outros herbicidas, consistindo em
uma inovação repulsora de trabalho", exemplifica
o professor Amílcar Baiardi, da Escola de Administração
da Universidade Federal da Bahia.
Os
pesquisadores advertem para os perigos de uma análise superficial
da relação entre a tecnologia e diminuição
do emprego no campo. Para Baiardi, no setor da cana, por exemplo,
essa relação não é clara. Segundo o
pesquisador, as inovações que surgiram na cultura
de cana, nas técnicas de irrigação, no uso
da vinhaça para a fertilização e em outras
atividades resultantes de inovações tecnológicas,
de certa forma, compensaram as perdas de empregos resultantes das
máquinas. "Quando um setor é versátil,
dinâmico, ele incorpora inovações que tiram
postos de trabalho, mas outras tecnologias são incorporadas
e aumentam a quantidade de produto por área. De algum modo
ocorre uma compensação", diz.
Belik,
da Unicamp, ressalta que "antes se pensava que a mecanização
deveria ser combatida, por que tirava emprego. Porém, no
caso da cana, o emprego era muito ruim do ponto de vista social,
devido às condições precárias de trabalho".
Os sindicatos negociaram uma transição para o processo
de implementação da mecanização e, embora
tenha havido perda de postos de trabalho, conseguiram gerar outros
empregos com todos os direitos trabalhistas e de caráter
definitivo.
"A
competição entre produtores de outros países
e a importação de produtos agrícolas sem a
proteção alfandegária, como ocorreu no início
da década de 1990 e no Mercosul, também exerceu um
efeito considerável, como a queda dos preços dos produtos
agrícolas e a conseqüente queda do número de
ocupações agrícolas", lembra Radomsk.
Além disso, os agricultores brasileiros concorrem com produtores
europeus que são fortemente subsidiados pelos governos seus
países (veja reportagem sobre o assunto),
o que também afeta o nível de emprego.
Dante
Daniel Giacomelli Scolari, pesquisador da Embrapa e assessor da
Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara
dos Deputados, também lembra de estudos recentes da sociologia
rural que associam "a diminuição de postos de
trabalho do campo não apenas com o uso de tecnologias, mas
à legislação trabalhista, que proporcionou
aos trabalhadores rurais os mesmos direitos dos trabalhadores das
cidades". Os novos direitos encareceram o custo da mão-de-obra,
o que tornou mais atraente o uso das tecnologias.
Tecnologias
gerando empregos no agronegócio
Potencializar
tecnologias que geram emprego, tecnificar o pequeno agricultor e
qualificar tecnicamente os trabalhadores rurais são alguns
dos desafios para minimizar o problema do desemprego no campo. A
reforma agrária pode implicar num crescimento significativo
do complexo agroindustrial como um todo, aumentando a produção
nos setores de pequenas máquinas, corretivos de solo, fertilizantes,
sementes e outros produtos, o que poderia gerar inúmeros
postos de trabalho.
Nos
estados do Acre, Amapá e Pará existem bons exemplos
de como novas tecnologias podem ser desenvolvidas com o intuito
de garantir geração e manutenção da
renda das comunidades locais. Por meio de cooperativas e apoio governamental
os produtores utilizam técnicas de beneficiamento de vegetais
extraídos das florestas para agregar mais valor a seus produtos.
Açaí, cupuaçú, andiroba, cacau e guaraná,
são alguns exemplos de produtos que podem originar doces,
alimentos, remédios e cosméticos de alto valor agregado.
Na geração de inovações ligadas a esses
produtos destacam-se instituições como o Instituto
de Pesquisas Ambientais (IEPA) do Amapá e universidades federais
do Acre, Amapá e Pará.
Outro
exemplo, é a Plataforma Tecnológica do Caju - projeto
que conta com a participação de pesquisadores de seis
estados nordestinos e visa divulgar uma série de tecnologias
que aumentam a produção de cajueiros da região
do semi-árido - por exemplo, por meio de uma planta de
alta produtividade. A expectativa dos organizadores é a geração
de cerca de 55 mil empregos no campo e 19 mil no processamento industrial,
totalizando 74 mil empregos diretos.
Scolari
afirma que "toda tecnologia de processamento alimentar gera
emprego, como, por exemplo a produção de salames,
doces, suínos e galinha caipira". Porém, o pesquisador
adverte que, para gerar emprego, a gerência da propriedade
tem que ser muito bem feita pois, atualmente, o consumidor quer
produtos de qualidade comprovada e com preços competitivos.
A pecuária
extensiva usa pouca mão-de-obra, em geral, um vaqueiro e
outros poucos cargos que exigem pouca qualificação.
Quando uma propriedade começa a trabalhar com gado confinado,
melhoria de raças e maior tecnificação aumenta
a demanda por mão-de- obra, inclusive, mais qualificada.
No novo sistema é necessário o inseminador, o tratador
e o veterinário, por exemplo. Para Belik, "o interessante
é que a implementação de inovações
nesse setor aumenta a produtividade por área, consistindo,
portanto, em uma 'boa' mudança ligada ao uso de tecnologia".
Como
evitar que as tecnologias tirem emprego?
Na
opinião dos pesquisadores entrevistados o aproveitamento
das tecnologias geradoras de emprego agrícola não
é adequado no Brasil. Baiardi acredita que seria importante
a promoção de pesquisa e desenvolvimento para a mecanização
de pequena escala, ou seja, a criação de uma linha
de maquinário para a agricultura familiar. "Isso daria
mais dinamismo à agricultura familiar - com micro-tratores
e implementos em tamanho menor - e a produção poderia
crescer, o que é muito comum na Europa", afirma. Outra
medida sugerida pelo pesquisador é o investimento em tecnologias
que permitam uma maior produção por área e
em tecnologias que adicionam mais valor aos produtos, que acabam
gerando empregos mesmo sem aumento na produção, pois
demandam mão-de-obra, como ocorre com frutos e hortaliças.
Radomsk
ressalta que "a sociedade civil e o Estado precisam regular
e observar as abruptas mudanças produzidas pelas inovações
tecnológicas pois, como se trata de um processo dinâmico,
de tempos em tempos é necessário adequar medidas e
políticas públicas à realidade social e econômica".
Muitas vezes o desemprego resulta da impossibilidade do trabalhador
rural de se atualizar para os novos postos de trabalho que surgem
com a implementação de novas tecnologias. Na opinião
do pesquisador, o Estado deveria mediar essa relação
por meio da educação profissionalizante.
Belik
sugere ainda que o crédito rural seja diferenciado para empresas
que tenham um plano de transição ou que ocupem os
trabalhadores que perderam suas funções em outras
atividades. "Essas empresas poderiam pagar uma taxa de juros
menor". Empresas familiares ou que empregassem muita gente
também poderiam ter outro nível de crédito.
(AP
e SD)
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