Os
desafios do agribusiness brasileiro
Luiz
Antônio Pinazza
Longe
da perfeição, o desempenho recente do agribusiness
brasileiro garantiu o crescimento da economia brasileira nos últimos
dois anos. Enquanto o PIB do país aumentou 1,52% e 1,42%,
respectivamente, durante 2002 e 2001, o setor primário cresceu
5,71%e 5,79%, resultado decorrente de significativa expansão
das exportações e redução das importações.
Em 2002, o saldo da balança comercial dos bens primários
teve superávit recorde, da ordem de US$ 20,3 bilhões,
cerca de 7% superior ao ano anterior. É um valor expressivo,
já que o saldo comercial nacional ficou em US$13 bilhões.
O comportamento
das commodities agropecuárias exportadas nesse período
expressa o esforço realizado por governo e empresas, tendo
em vista os baixos preços praticados no mercado internacional.
Fatores conjunturais ligados à doença da vaca louca
nos rebanhos bovinos da Europa e a intensa desvalorização
do real em relação ao dólar favoreceram esse
desempenho, assim como a postura comercial mais agressiva dos agentes
ligados às exportações, que saíram à
busca de novas regiões consumidoras, participaram de feiras
e mostraram seus produtos. Muitos negócios foram fechados
em função de estratégias e ações
de vendas, como exige o mundo globalizado e competitivo - muito
mais do que pedidos e embarcar produtos nos contêineres.
Pelas
estatísticas da Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab)
e a leitura sempre lógica do mercado, a safra de grãos
em fase de colheita deve ser recorde. A produção física
atingirá 122 milhões de toneladas, para uma área
plantada de 42,7 milhões de hectares. Em relação
à temporada anterior, o espaço semeado teve incremento
de 6,1%e o volume produzido de 27%, enquanto a receita passa de
R$52 bilhões para R$ 64 bilhões. A grande vedete é
cuja lavoura se expandiu 10,8% em plantio e 20,1% na produção.
Um aumento na produção é bom para a segurança
alimentar do país, mas exportar representa uma alternativa
de ganho para o produtor. Sustentar um ciclo de crescimento equilibrado
na produção e renda do setor sempre constitui o principal
desafio para qualquer governo. Não basta observar com rigor
apenas um ponto específico, como no caso da safra 2002/03.
No horizonte posterior à safra 1989/90,a superfície
cultivada passou de 37,9 milhões para 42,3 milhões
de hectares, a produção em toneladas foi de 57,8 milhões
para 112,3 milhões, e a produtividade em toneladas subiu
de 1,52 para 1,94 por hectare.
Na
safra 2002/03,o consumo de adubos aumentou 12%e passou a 19,1 milhões
de toneladas. Os preços mais altos, em decorrência
do câmbio e do aumento das cotações de nitrogênio
(uréia e nitrato) no mercado internacional, não inibiram
o consumo nacional. A persistir o quadro de estabilidade e firmeza
do real em relação ao dólar, a pressão
sobre o preço interno diminuirá, com perspectivas
positivas para as empresas, que devem aumentar seus programas de
produção. O cenário é de aumento das
vendas e do consumo de fertilizantes.
O grau
de mecanização do setor melhorou após a criação,
em março de 2000,do Programa de Modernização
da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e
Colheitadores (Moderfrota). Nas estimativas do Ministério
da Agricultura, a idade média da frota brasileira de tratores
era de 15 anos e a de colheitadeiras,18. No triênio 2000-02
ocorreu uma renovação na frota de 19% nos tratores
e 28% nas colheitadeiras; do total das vendas, 53%dos tratores e
93% das colheitadeiras foram financiados pelo Moderfrota.
Um
parque mecanizado mais novo e moderno certamente contribui para
os ganhos de produtividade da agricultura. Para o Moderfrota, o
BNDES. Entre outros itens, liberou R$5,6 bilhões, o que permitiu
um incremento de 87%na produção e de 76% nas vendas
externas, com redução das importações
de unidades de 653 para 94. Nas contas do ministério, o Tesouro
Nacional terá de despender R$14 milhões em 2003 e
R$30 milhões em 2004 para fazer a equalização
dos juros.
Em
2002, a fabricação de máquinas atingiu o maior
volume dos últimos 15 anos e a quantidade negociada no mercado
interno foi a maior desde 1994.O volume arrecadado com I PI nas
vendas financiadas pelo Moderfrota significou 80%dos recursos do
Tesouro Nacional para a equalização dos juros. Houve
redução da capacidade instalada e aumento de competitividade
da indústria nacional. O ambiente é de otimismo: o
setor acredita que, se o governo liberar recursos, o aumento nas
taxas de juros dos financiamentos do Moderfrota, aprovado na reunião
do Conselho Monetário Nacional, em 26 de março último,
não afetará o ritmo da comercialização.
Os
números também são animadores na área
de carnes. Nos últimos 10 anos a evolução foi
expressiva. Na bovinocultura, a produção passou de
5 milhões para 7,38 milhões de toneladas. Novos mercados
foram abertos. As receitas com exportações saltaram
de US$ 490 milhões para US$1,1 bilhão no ano passado.
O Brasil é o segundo maior produtor e o terceiro maior exportador
mundial de carne bovina. Em aves, a produção interna
saltou de 3,1 milhões de toneladas para 8 milhões,
enquanto a exportação de 1,6 milhão de toneladas
gerou uma receita cambial de US$1,4 bilhão em 2002. Na suinocultura,
a produção de suínos passou de 1,2 milhão
de toneladas para 2,4 milhões.
O escoamento
crescente da produção brasileira de cereais, oleaginosas
e carnes para o exterior tem dado uma forte contribuição
para a rentabilidade de todo o agronegócio. Depois de sucessivas
negociações com o governo federal envolvendo R$ 30
bilhões através da Securitização, PESA
e RECOOP e algumas colheitas com margens boas de comercialização,
o quadro do campo ficou bem mais saudável do ponto de vista
econômico e financeiro. A inadimplência teve abrupta
queda. Quando se toma os números do Banco do Brasil, o principal
agente financiador do setor primário, o índice de
inadimplência registra marca inferior a 1% desde a safra 1999/00.
Essa mesma taxa é constatada pelos bancos privados.
Um
exemplo no boom do agronegócio são as vendas de aeronaves.
A frota nacional de 900 unidades deverá crescer 10% nos próximos
12 meses, contra 2% a 3% em anos passados. O Ipanema representa
80% da frota. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação
Agrícola o segmento movimenta R$ 250 milhões ao ano
entre comercialização de peças e equipamentos,
treinamento de pilotos e aluguel de aeronaves. Cada unidade custa
ao redor de US$ 220 mil. A Embraer calcula que apesar de não
estar sendo fabricado, 80% das vendas de Ipanema prevêem a
conversão dos motores originais a gasolina para álcool.
Para
a temporada 2003/04, o crédito rural deixa de ser o grande
trauma, seja na sua tomada ou no custo. Da quantidade total de recursos
projetados pelo governo, da ordem de R$ 32,5 bilhões, cerca
de 61,5%, serão ofertados pelo BB, que promete reduzir a
burocracia na concessão do financiamento. Nessa área,
pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura
revela a excessiva exigência de documentos, registros, projetos
e cadastro, dentre outros, como o principal problema apontado pelo
agricultor para formalizar a operação. É uma
questão de burocracia.
Em
estudo no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
duas novidades interessantes para carrear mais dinheiro no custeio
das lavouras onde o desembolso chega a R$ 88 bilhões . A
primeira se refere em captar recursos externos em até R$
30 bilhões para as chamadas Letras de Comércio, título
lastreado em produto agrícola. A segunda é a criação
dos Fundos de Investimentos no Agronegócio, com recursos
de aplicadores estrangeiros interessados no agribusiness brasileiro,
principalmente pelo baixo valor da terra: cerca de um sétimo
do preço norte-americano.
Na
parte da comercialização, os agricultores provavelmente
não contarão novamente com os benefícios do
real super desvalorizado em relação ao dólar,
cujo reflexo é direto e positivo para as exportações.
A rentabilidade fica mais espremida e os resultados de receita e
despesa provavelmente não mostrarão o mesmo desempenho
das últimas duas safras. Felizmente, a nível internacional,
as estimativas projetadas para as cotações assinalam
mais no sentido de uma estabilidade e há espaço para
a colocação do produto nacional
Se
da parte da produção e do custeio da safra a situação
esta relativamente bem aparada para alavancar a produção,
a comercialização e infra-estrutura geram preocupações.
Para os próximos anos, certamente nesses setores concentrarão
os maiores gargalos. A Associação Brasileira de Agribusiness,
no cenário 2010, trabalha com um crescimento de 50% na colheita
de cereais e oleaginosas e de mais 6 milhões de toneladas
de carnes. Essa expansão esta concentrada nas regiões
mais centrais e interiores do país, com uma pressão
maior nos custos pós porteira, pois suas produções
são voltadas para exportação e percorrem longas
distâncias.
Em
sua marcha de crescimento, o Brasil precisa de medidas para superar
e corrigir as suas fraquezas ligadas ao débil desenvolvimento
da infra-estrutura - armazenagem, transporte, portos. Os ganhos
conquistados em produtividade na atividade de produção
não podem ser perdidos em outros elos da cadeia produtiva.
Na produção de caminhões, por exemplo, deficiências
em infra-estrutura são apontadas como uma das principais
barreiras existentes em países emergentes para o salto tecnológico
do setor.
O transporte
rodoviário tem alta participação na matriz
nacional, com 80% da carga movimentada. A frota de caminhão,
formada por 1,8 milhão de unidades, possui idade média
de 18 anos e mais de dois terços tem idade superior a onze
anos. O Modercarga, um programa para renovação da
frota de caminhões, a exemplo do Moderfrota na modernização
das frotas de tratores e colheitadeiras, deverá mudar substancialmente
esse quadro desfavorável.
As
más condições das estradas brasileiras retardam
a modernização da indústria de veículos,
cuja demanda tende a crescer num país cuja malha de transportes
depende em grande parte de rodovias. A malha viária do país
abrange 1,7 milhão de quilômetros, do quais apenas
165 quilômetros são pavimentados e 80% são considerados
nas categorias regular e ruim. Estudos da CEPAL ( Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe) concluíram
que os prejuízos anuais são de 1% a 3% do PIB nos
países da América Latina e Caribe. O Brasil tem uma
perda anual de R$ 10 bilhões, muito aquém dos R$ 4
bilhões requeridos para recuperar a sua malha viária.
Além
das perdas materiais, existem os acidentes fatais, com a morte anual
de 40 mil pessoas. Outro ponto negativo é o roubo de cargas,
no valor de R$ 1 bilhão ao ano. O Brasil precisa duplicar
os 19 quilômetros de rodovia por mil quilômetros quadrados
de território que possui. Esse índice é de
373 nos EUA e 44 na África do Sul
Recentemente,
o governo lançou o Plano de Revitalização das
Ferrovias, o primeiro grande projeto de mudança no setor
desde o início das primeiras privatizações
da Rede Ferroviária Federal, em 1995. Entre seus objetivos
estão a integração das ferrovias e a reconstituição
dos corredores de transportes para reduzir o custo do frete e baratear
as exportações. Até final 2004 projetam recursos
da ordem de US$ 1,3 bilhão.
Entre
1996 e 2002, com a privatização da malha federal,
houveram grandes avanços na rede ferroviária. Pelos
números da Associação Nacional dos Transportadores
Ferroviários, as concessionárias investiram R$ 3 bilhões,
enquanto as ferrovias cresceram 43% no volume de carga transportado
no país, subiram de 19% a 23% em participação
na matriz de transporte, enquanto os acidentes caíram 43%
e a produtividade dobrou. A rede continua desconcentrada, com uma
densidade de 0,32%, um décimo dos Estados Unidos, com uma
produtividade muito baixa em termos de velocidade média.
Um redesenho é fundamental para racionalizar os problemas
ligados aos diferentes tamanhos de bitola, transbordos de mercadorias
e custo dos pedágios, dentre outros.
Previsão
de Investimentos
|
Concessionárias
|
2003 |
2004 |
Total |
Ferrovia
Noroeste AS |
11,64
|
300,00
|
311,64
|
Ferrovia
Centro-Atlântica AS |
63,00 |
400,00 |
463,00 |
MRS
Logística AS |
82,31 |
80,70 |
163,01 |
Ferrovia
Tereza Cristina AS |
4,55 |
4,87 |
9,42 |
ALL-América
Latina logística do Brasil AS |
69,50 |
72,00 |
141,50 |
Companhia
Ferroviária do Nordeste AS |
17,51 |
200,00 |
217,51 |
Ferrovias
Bandeirantes SA |
49,83
|
56,74
|
106,57
|
Total |
298,34 |
1.114,31 |
1.3006,08 |
Fonte:
Agência Nacional de Transportes Terrestes
Com
relação aos principais portos do Brasil, estudos da
Federação da Agricultura do Estado de São Paulo
assinalam a necessidade de aumentarem suas capacidades de embarque.
O acréscimo varia de 31 milhões de toneladas a 47
milhões de toneladas, para o horizonte 2010.
Brasil:
Aumento na Capacidade de Embarque - milhões de toneladas
|
Terminais |
Mínimo |
Máximo |
Rio
Amazonas |
7
|
10 |
Aratu
e Ilhéus |
2 |
4 |
São
Luiz |
7 |
10 |
Vitória |
3 |
5 |
Paranaguá
e São Francisco |
2 |
3 |
Santos
e Sepetiba |
10 |
15 |
Total |
31 |
47 |
Uma das
fontes para garantir investimentos para a infra-estrutura nacional
seria o Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico, responsável por uma arrecadação
anual de R$ 10 bilhões. Originalmente estava previsto que ,
entre 65% a 70% do capital obtido com a CIDE deveria ter esse destino.
Hoje seus recursos vão para outros projetos e serve como reserva
de contingência para ampliar o superávit primário
nas constas da União.
Enquanto
a esgrima por recursos segue em frente, a formação
de parcerias entre governo e iniciativa privada é viabilizada
em projetos com a Sociedade de Propósito Específico
em Mato Grosso do Norte, o principal estado produtor de soja do
país. Lá, capitaneada governo estadual, tradings,
produtores e organizações não governamentais
ligadas às comunidades indígenas e meio ambiente,
se juntam e em difícil entendimento buscam saída para
melhoria da malha viária e o escoamento da produção.
Ainda
longe da perfeição, o desempenho recente do agribusiness
brasileiro atraiu os olhos do mundo. A maior potência agrícola
do mundo, os Estados Unidos, cuja renda depende e m mais de um terço
das vendas externas, contabiliza prós e contras do Brasil
como concorrente no mercado mundial. Em janeiro último, o
Departamento de Agricultura norte-americano, o Usda, apresentou
novos números sobre o uso da terra pela agricultura brasileira.
Enquanto os EUA possuem áreas cultivadas até os limites
de suas fronteiras, na agricultura e na pecuária,o Brasil
ainda dispõe de um potencial de 70 a 90 milhões de
hectares em pastagem no cerrado a serem convertidos em culturas
anuais.
O estudo
afirma que o potencial da agricultura brasileira tem sido sistematicamente
subestimado. O país reúne condições
de se equiparar e até superar os EUA em área cultivada.
Os poucos limites naturais disponíveis para a futura expansão
da produção de cereais e oleaginosas podem ser superados
através de pesquisa, ensino e extensão concebidos
por um plano de investimento adequado. Projeções conservadoras
indicam que o Brasil poderá ampliar sua área cultivada
em 170 milhões de hectares ou mais, se houver avanços
nas áreas legal, técnica e financeira.
Com
o emprego de novas variedades de alta produtividade e maiores inversões
em infra-estrutura, a perspectiva brasileira para a expansão
agrícola é igual ou superior aos recursos totais cultiváveis
nos EUA -sem considerar nenhum desmatamento da vasta bacia amazônica,
que possuiria áreas aptas a receber pastagens e lavouras,
não fosse estritamente protegida do desmatamento. As florestas
brasileiras ocupam 53%da área de terra disponível,
enquanto as dos EUA cobrem 33%.
Há
enormes áreas de pastagens, que respondem por 83%das terras
cultivadas, a serem classificadas como fontes para a futura expansão
de cereais e oleaginosas. A conversão de áreas pastoris
em agricultura mecanizada é uma operação dominada
e as pastagens estão localizadas próximas às
terras de cultivo. As fazendas com largas pastagens para a engorda
de gado existem em abundância em todo o país e constituem
os recursos ideais para os agricultores interessados em expandir
cultivos.
Luiz
Antônio Pinazza é presidente da Associação
Brasileira de Agribusiness
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