Metodologia
avalia impactos da pesquisa agrícola
As
culturas de cana-de-açúcar e de laranja representam
dois dos principais produtos agrícolas do estado de São
Paulo, envolvendo negócios
que repercutem de modo expressivo na balança comercial do
Brasil. Os dois segmentos concentram boa parte dos investimentos
feitos nos últimos anos em ciência, tecnologia e inovação
nos agronegócios no país. Dois deles são o
Procana
e o Programa
Mudas Sadias para Citricultura, criados na década
de 90 pelo Instituto Agronômico (IAC). Mas, segundo os coordenadores
dos dois projetos, a pesquisa sempre foi realizada de forma um pouco
intuitiva, sem a certeza das dimensões do trabalho realizado,
dos impactos das pesquisas e da satisfação do usuário
dos resultados.
Foi
com esse objetivo, avaliar os impactos de pesquisas, que teve início,
em 2000, o projeto "Políticas públicas para a
inovação tecnológica na agricultura do estado
de São Paulo: métodos para avaliação
de impactos da pesquisa", coordenado por uma equipe de pesquisadores
do Departamento de Política Científica e Tecnológica
(DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O trabalho
envolveu ainda pesquisadores do Instituto de Economia Agrícola
(IEA) e do Instituto Agronômico (IAC), ambos da Secretaria
da Agricultura, do Instituto de Economia da Unicamp, da Embrapa
e do Fundecitrus. No âmbito internacional, tem a participação
do Bureau d'Economie Théorique et Apliquée
(BETA), da Université Louis Pasteur (França), cuja
equipe foi responsável pela avaliação de vários
programas tecnológicos da União Européia. Desse
modo, foi constituída uma verdadeira rede de pesquisa para
o estudo e o desenvolvimento do tema em questão.
Em
sua fase inicial, de identificação, análise
e avaliação das metodologias existentes, a equipe
constatou que os métodos mais difundidos visavam, sobretudo,
a verificação dos resultados econômicos de uma
pesquisa. De acordo com os pesquisadores, a avaliação
dos impactos sociais era a parte menos trabalhada pelas metodologias.
Mesmo a avaliação da capacitação criada
por um programa de pesquisa ainda era incipiente e pouco difundida.
"Em
alguns casos, os impactos sociais são avaliados dentro de
uma perspectiva sócio-econômica e os atributos sociais
acabam reduzidos a variáveis de impacto econômico,
mensuradas em métodos de avaliação econômica,
sendo seus impactos considerados em unidades monetárias",
explica André Tosi Furtado, professor do DPCT/Unicamp e coordenador
da pesquisa.
Com
base nas metodologias de análise de impactos existentes,
e observando suas deficiências, a equipe de pesquisadores
construiu uma metodologia que considerasse, com o mesmo nível
de relevância, as quatro dimensões de impacto: econômica,
social, ambiental e de capacitação. Para realizar
o trabalho de aplicação da metodologia das dimensões,
batizadas de Esac devido às letras iniciais, foram escolhidos
os programas Procana e o Programa Mudas Sadias para Citricultura.
De
acordo com o engenheiro agrônomo Sergio Salles-Filho, também
do DPCT, que foi o coordenador da primeira fase do projeto, os dois
programas foram escolhidos devido a uma aproximação
já existente entre o departamento e o IAC. Além disso,
"tanto a cana quanto a laranja representam culturas muito importantes
para a economia do estado", acrescenta Salles-Filho.
Avaliar
não é só medir
Mauro Zackiewicz, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Organização
da Pesquisa e da Inovação (Geopi/DPCT), afirma que
em qualquer medida obtida há um juízo de valor embutido.
"Em geral, os métodos de avaliação procuram
isolar esses juízos de valor, agregando só medidas.
Isso funciona muito bem em avaliações com valor monetário,
mas em uma avaliação que envolve várias dimensões
e não só dinheiro, isso fica mais difícil",
explica.
As
metodologias de avaliação têm funções
variadas. Além de medir resultados, servem para orientar
o planejamento, a priorização de atividades e a aplicação
de recursos numa atividade de pesquisa. "A análise dos
impactos de uma pesquisa é uma forma de ver os seus impactos
no desenvolvimento econômico, é um instrumento importante
para a política científica e tecnológica",
afirma André Furtado.
Furtado
acrescenta que os resultados obtidos por meio de uma metodologia
de análise de impactos de pesquisa podem apresentar aspectos
que antes não estavam sendo valorizados pelos pesquisadores
e até reconduzir a pesquisa. "Muitos pesquisadores ficam
trancados em seus laboratórios e não têm muita
consciência de como seu trabalho está sendo aplicado
e os resultados que estão sendo gerados", comenta.
Os
impactos da pesquisa agrícola
A partir da aplicação da metodologia nos programas
do IAC foram criadas as bases conceituais para o modelo de avaliação
dos impactos de cada dimensão estudada. "Esse trabalho
conceitual já exigiu um grande envolvimento da equipe, porque
se tratava de uma nova perspectiva de avaliação dos
resultados de pesquisas científicas", diz Furtado.
A metodologia
Esac exigiu um trabalho participativo, permitindo uma análise
integrada durante o processo de avaliação. Para Zackiewicz
apenas a partir da conscientização sobre os impactos
é possível agir para ampliar os efeitos positivos
e reduzir os negativos. Visando esse fim, foram feitas, entre março
de 2002 e abril de 2003, 90 entrevistas nos 20 principais municípios
participantes do programa, num total de aproximadamente 630 horas
de trabalho de campo.
O trabalho
entre os pesquisadores que estavam desenvolvendo a metodologia e
os que acompanharam a aplicação da mesma não
foi uma tarefa fácil. "Foi um pouco complicado no começo
porque tivemos que ajustar a linguagem, entender o que os pesquisadores
queriam, fazendo uma avaliação metodológica",
afirma o pesquisador Marcos Machado, do programa de citros.
A Esac
utiliza métodos de avaliação conhecidos como
multicriteriais (MADM), um tipo de ferramenta matemática
que tem como objetivo modelar um problema complexo em uma linguagem
compartilhada e permitir múltiplas análises. "A
metodologia
multicritérios é uma forma de adicionar as coisas,
tem uma informação que está por trás
de cada número. Para os pesquisadores é interessante
ver como está o funcionamento da pesquisa. O resultado da
pesquisa é o feedback para o pesquisador", afirma
Furtado.
Resultados
práticos
Entre os resultados obtidos com a aplicação da metodologia
no Procana, o impacto Esac mais expressivo foi o da dimensão
da capacitação. Nos impactos econômicos, houve
aumento da produtividade impulsionado pelo efeito da qualidade.
O instrumental metodológico apontou tendências positivas
em razão da maior qualidade das novas variedades, por exemplo,
pelo maior teor de fibras e a possível utilização
do bagaço em co-geração de energia - uma forte
tendência no setor canavieiro, diante do desafio de ampliação
da matriz energética brasileira e da inquietação
global com as mudanças climáticas.
O impacto
ambiental observado foi nulo, uma vez que não houve diferenciação
em relação às demais variedades de cana-de-açúcar.
Ou seja, a tecnologia não alterou a qualidade do meio e não
induziu a medidas de recuperação.
Um
dos pesquisadores do Procana, Marcos Landell, afirmou que os resultados
obtidos com a aplicação da metodologia estão
relacionados com a percepção dos próprios pesquisadores
que desenvolviam suas pesquisas, como ele. "Percebemos deficiências,
por exemplo, em relação aos impactos econômicos,
o porquê da participação de nossos produtos
ainda estar sendo baixa", afirma. "Agora nós estabelecemos
algumas regras: quando chegam resultados de trabalhos das usinas,
das cooperativas, já geramos relatórios. Fomos motivados
a melhorar", conclui.
Já
no Programa Mudas Sadias para Citricultura foram verificadas variações
mais expressivas em termos da nova tecnologia introduzida no setor
citrícola, com a substituição dos viveiros
de mudas a "céu aberto" para viveiros telados.
No início deste ano, a produção de mudas de
laranja em ambiente fechado, inclusive, transformou-se em uma exigência
legal.
A disseminação
do novo tipo de viveiro aumentou as exigências de capacitação
dos trabalhadores para lidar com os novos equipamentos e processos
produtivos. Na dimensão ambiental, os impactos foram considerados
positivos, pois os viveiros telados demandam menor quantidade de
insumos, como agroquímicos, além de reduzir os impactos
no solo decorrentes de fatores erosivos. Ganhos econômicos
foram identificados em função do aumento da produtividade
(efeito qualidade).
Perspectivas
"Avaliar uma pesquisa não é uma atividade rotineira",
afirma Furtado, do DPCT. De acordo com ele, a cada programa a ser
analisado serão exigidas mudanças, ou seja, a metodologia
precisa ser adaptada do ponto de vista setorial. "Desenvolvemos
essa metodologia Esac para a agricultura, mas os impactos são
de natureza distinta. A forma como a agricultura afeta o meio ambiente
é distinta da forma como o meio ambiente é afetado
pela indústria, por exemplo. A metodologia não vai
ser aplicada nos mesmos casos igualmente, ela requer adaptação."
Um
dos pesquisadores do Procana, Marcos Landell, espera que a metodologia
possa voltar a ser aplicada em outros projetos do IAC ou no próprio
Procana, dentro de cerca de um ano. "Isso seria uma avaliação
temporal, para avaliarmos se estamos progredindo na nossa pesquisa",
afirma. "O trabalho gerou toda uma mudança na equipe.
Foi muito além da Esac. A avaliação foi apenas
um detalhe, o resultado foi um processo", conclui.
A metodologia
interessou também à Finep, que a adotou para analisar
os impactos das pesquisas desenvolvidas no Programa de Saneamento
Básico (Prosab). O Programa tem por objetivo apoiar o desenvolvimento
de pesquisas e o aperfeiçoamento de tecnologias nas áreas
de águas de abastecimento, águas residuárias
e resíduos sólidos que resultem na melhoria das condições
de vida da população brasileira, especialmente as
menos favorecidas.
"Nós
vamos avaliar se a tecnologia produzida pelo Prosab está
sendo de fato transferida ao programa", afirma Salles-Filho.
O trabalho começou em agosto e deve ser concluído
em cerca de um ano. Além da Finep, a Embrapa pretende apresentar
uma metodologia com base na Esac para fazer uma avaliação
dos impactos do mamão
transgênico.
(SR)
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