Produção de safras recordes de grãos no
Brasil: a sustentação tecnológica
João
Paulo Feijão Teixeira
A produção
agropecuária brasileira amplia cada vez mais a sua importância
como instrumento de geração de superávit para
a balança comercial nacional. Entre janeiro e agosto deste
ano, enquanto o superávit total da balança comercial
brasileira foi de US$ 15,13 bilhões, o agronegócio
nacional obteve um saldo comercial positivo de US$ 16,15 bilhões,
aumento de 38,4% sobre o superávit do setor no mesmo período
do ano passado, que foi de US$ 11,67 bilhões.
As
exportações do agronegócio somaram US$ 19,25
bilhões até agosto deste ano; em crescimento de 31,2%
na comparação com os US$ 14,68 bilhões dos
oito primeiros meses do ano passado. Isoladamente, as importações
totais do agronegócio somaram US$ 3,1 bilhões entre
janeiro e agosto deste ano, frente a US$ 3 bilhões, em igual
período do ano passado, em pequeno crescimento de 3,2%.
O crescimento
do saldo comercial do agronegócio em 2003 foi impulsionado
pelos resultados, em especial, do complexo soja, cujas exportações
somaram US$ 5,43 bilhões entre janeiro e agosto deste ano,
aumento de 73,6% comparando-se com os valores registrados em igual
período de 2002. Além do complexo soja, merece destaque,
também, o complexo carnes, com receitas de exportação
de US$ 2,44 bilhões, ou 29,7% a mais que o US$ 1,88 bilhão
registrado entre janeiro e agosto do ano passado. Outro destaque
deve ser feito para o setor de madeiras e subprodutos, com exportações
de US$ 3,43 bilhões no período, contra US$ 2,71 bilhões
entre janeiro e agosto do ano passado.
Com
cenário tão estimulante é que se anuncia a
próxima safra brasileira de grãos.
A produção
nacional de grãos será de 122,38 milhões de
toneladas, segundo o último levantamento da Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab), divulgado em setembro de 2003. O volume
é 26,5% superior ao colhido em 2001/2002 (96,76 milhões
de toneladas).
O prognóstico
atual, feito em 284 municípios do país, mostra que
a safrinha de milho, calculada em 12,6 milhões de toneladas,
terá um aumento de 104% sobre a colheita anterior, de 6,18
milhões de toneladas. No total, a produção
do milho será de 47,38 milhões de toneladas, um volume
34,3% superior às 35,28 milhões de toneladas de 2001/2002.
A safra
de trigo - produção de trigo de 5,12 milhões
de toneladas, quase a metade do consumo nacional - também
se destaca, pois este ano será 76% superior a do inverno
passado. A produção recorde corresponde à meta
do governo estimada para 2005. Neste inverno, o país estará
colhendo 48% do consumo de trigo, avaliado em 10,7 milhões
de toneladas. A última safra recorde de trigo ocorreu em
1986/1987. Entre as culturas de inverno, destaca-se também
o sorgo, com aumento de 96,7% na produção, que chegará
a 1,56 milhão de toneladas.
Confirma-se,
ainda, a excelente safra de soja, que chega a 52 milhões
de toneladas, com um acréscimo de 24,2% sobre o período
passado. Outro destaque ocorreu com o feijão. Serão
colhidas 3,26 milhões de toneladas, uma variação
de 9,3% sobre 2001/2002, quando o país colheu 2,98 milhões
de toneladas.
Há
um cenário favorável para a expansão do saldo
comercial do agronegócio, com a elevação dos
preços internacionais e grande oferta nacional, devido a
essa anunciada safra recorde de soja. Em 2003, as exportações
do complexo soja devem chegar a US$ 8 bilhões, aproximadamente
12% do total das exportações brasileiras.
Safras
recordes de grãos e ciência
"a
terra é tão generosa que nela em se plantando tudo
dá".
Pero Vaz de Caminha
Considera-se
que o Brasil é o único país que pode dobrar
a produção de grãos em pouco tempo. Certamente
isso será possível.
Como
perenizar esses avanços ou produzir sustentadamente? Como
resolver esta equação? Elevar a produção
sem provocar perdas crescentes de recursos naturais: solos, biodiversidade
e recursos hídricos?
Não
será, com certeza, confiando simplesmente na dedução
de Pero Vaz de Caminha.
Reconhecidamente
safras recordes resultam do investimento dos agricultores e da profissionalização
do setor, um exemplo disso é o nível de produtividade
da agricultura brasileira. Nas últimas 13 safras, a área
plantada no Brasil cresceu 1,2% ao ano e, no mesmo período,
a produção aumentou 6,4% ao ano.
Entre
os fatores de transformação identificados como responsáveis,
destacaram-se: o uso mais intensivo da terra; o desenvolvimento
de tecnologias de produção - nível de fertilização,
tratos culturais e preparo de máquinas para a colheita, entre
outros - e de variedades agrícolas mais adaptadas aos diferentes
microclimas do país e resistentes a pragas e doenças
pelo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, do qual se
destacam o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto
Biológico de São Paulo (IB), Instituto Agronômico
do Paraná (Iapar) e algumas universidades. Além disso,
evidentemente ocorreu maior absorção, pelos produtores,
de novas tecnologias e insumos agrícolas.
Há
ainda um outro componente na base da melhoria da produtividade:
a expansão da fronteira agrícola na área de
cerrado, no Centro-Oeste. "A resposta do cerrado brasileiro
ao plantio é algo incrível", alguns constatam.
Exatamente a sustentação para a expansão que
ocorreu esteve sempre lastreada em tecnologias desenvolvidas pelas
instituições de pesquisa científica e voltadas
para aquele ecossistema.
O
aumento da produtividade, entretanto, não é homogêneo.
Pode-se constatar um crescimento de 58% na produtividade do feijão,
entre 1987 e 1998; de 52% para o algodão; de 31% para o milho
e de 31% para a soja. No mesmo período, houve queda de produtividade
de 23% do cacau e 15% do café. Esse comportamento revela
que a agricultura brasileira avançou em produtividade, exatamente
em culturas onde mais intensa e rapidamente assimilaram-se novas
tecnologias.
O papel
da ciência do solo na produção sustentada de
alimentos e matérias-primas, permitiu que a agricultura influenciasse
na mitigação do efeito estufa e o uso dos solos de
cerrado, considerados muito pobres em nutrientes, frágeis
e bastante ácidos. A alta produtividade alcançada
nos solos do cerrado, com o uso em larga escala do plantio direto
é um bom exemplo do que pode ser conseguido com o tratamento
adequado do solo. O cerrado de Mato Grosso alcança tão
alta produtividade de soja, chegando a superar a produtividade dos
Estados Unidos, onde há excelentes tipos de solo.
Com
o plantio direto, cai por terra o paradigma que considera solos
de regiões tropicais de alta pluviosidade impróprios
para o cultivo de grãos, por não resistirem à
erosão, que destrói o solo e provoca o assoreamento
de rios e açudes. Uma grande vantagem da moderna agricultura
do cerrado é a fixação do nitrogênio
do ar pela soja, introduzindo no sistema o nutriente mais caro e
mais usado no mundo, o nitrogênio. O nitrogênio retirado
pela soja do ar equivale a duas vezes a quantidade do produto comercializado
no Brasil e fabricado usando gás natural. O nitrogênio
é usado pela planta para produzir grãos de soja e
ainda deixa resíduos para outras culturas.
Mesmo
podendo incorporar mais áreas ao processo produtivo, o padrão
tecnológico que tem prevalecido permitiu aumentar substancialmente
a produção, com pouca incorporação de
área. De 1975 a 2001, a produção brasileira
de grãos aumentou de 156%, atingindo a 97,4 milhões
de toneladas. A produtividade da terra elevou-se em 90%, com somente
34% de aumento de área.
Embora
o aumento da produção venha a ser obtido pelo crescimento
da produtividade, a expansão da área cultivada é
uma garantia para maior produção de alimentos e matérias-primas
agroindustriais, para a geração de empregos e renda
e para o aumento das exportações. O Brasil não
pode, entretanto, prescindir de aumentar sua produção,
via incorporação de áreas agricultáveis,
particularmente dos cerrados. Somente no Centro-Oeste, mais de 8
milhões de hectares foram cultivados em 2003 com soja, em
comparação com uma área insignificante em 1975,
consolidando o processo de incorporação de áreas
novas para grãos nos Cerrados do Brasil Central.
Nos
últimos trinta anos a produtividade agrícola das principais
culturas aumentou, em média 70%, sendo que em arroz e milho
o aumento foi superior a 100%. Na pecuária, a idade de abate
de um frango passou de 7 semanas, em 1970, para 41 dias, em 2000.
O peso de uma ave abatida passou de 1.8 kg para 2.2 kg. A produção
de leite/vaca aumentou 70% no mesmo período. Os exemplos
se sucedem e poderiam ser acrescidos dos avanços com a citricultura,
a cana-de-açúcar e a fruticultura, dentre outros.
Estes resultados foram possíveis, em grande parte, pela geração
de tecnologia comprometida com o atendimento da demanda das cadeias
de produção brasileiras.
Desafios
Os exemplos destacados e os resultados obtidos pela agricultura
brasileira, entretanto, não podem impedir que se detenha
na análise de desafios a serem enfrentados e superados pelo
Brasil.
A competição
internacional está a exigir do Brasil agricultura que valorize
a qualidade, a sanidade, a competitividade de seus produtos e a
sustentabilidade ambiental. O governo brasileiro luta para vencer
as barreiras e os constrangimentos de ações protecionistas
externas que dificultam um melhor desempenho nos mercados internacionais.
A manutenção e o fortalecimento da competência
tecnológica na agricultura tropical e sub-tropical podem
dar ao Brasil a vantagem competitiva para ser utilizada estrategicamente
nas relações internacionais. Além disso, capacita
o país para apoiar o desenvolvimento de nações
no mundo tropical - em especial África, Ásia, América
Latina e Caribe, países que têm poucas chances de desenvolvimento
a não ser no agronegócio - criando vínculos
políticos e comerciais essenciais para o fortalecimento do
Brasil no contexto mundial.
Somente
o fortalecimento da pesquisa e da indústria nacional permitirá
que o agronegócio brasileiro continue a cumprir o seu papel
fundamental para garantir a segurança alimentar do país,
mantendo, ao mesmo tempo, os espaços conquistados no mercado
mundial, sem depender totalmente de poucas empresas globais, principalmente
em tecnologias de ponta.
Os
incontestáveis avanços alcançados pelo Brasil
na produção agrícola, como resultado de significativos
aportes de recursos de décadas passadas em ciência
e tecnologia agropecuária, não serão suficientes
para garantir êxitos futuros permanentes. Esses avanços
serão rapidamente superados pela adoção de
novas tecnologias de maior impacto, principalmente no âmbito
das biotecnologias.
Para
não perder espaços no mercado globalizado o Brasil
precisará ampliar os atuais investimentos em pesquisa agrícola,
buscando, entre outros, a redução do risco, como perdas
de recursos pelo uso inadequado de insumos e contaminação
ambiental. Tecnologias acopladas à agricultura de precisão,
por meio de sensoreamento remoto, que permitam otimizar o emprego
de insumos de acordo com as exigências das culturas e necessidades
do solo. Máquinas sofisticadas que possam reduzir as perdas
nas colheitas para níveis insignificantes. Tecnologias de
irrigação, com doses ótimas de água
que eliminem o risco de perdas de safras, principalmente em regiões
de clima seco. Tecnologias de agregação de valor aos
produtos agropecuários, relacionadas ao processamento de
alimentos, tecnologias pós-colheita, embalagens e qualidade.
A utilização da biotecnologia moderna para desenvolvimento
de tecnologias identificadas com necessidades brasileiras por alimentos
e processos agroindustriais mais eficientes.
João
Paulo Feijão Teixeira é engenheiro-agrônomo
e pesquisador científico do Instituto Agronômico de
Campinas.
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